segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Há como evitar o caos?

 
Adriano Benayon *
Delfim Netto concedeu entrevista a Claudia Safatle, do Valor. Foi czar da economia em governos militares. No de Geisel, embaixador em Paris, voltando com Figueiredo. 
2. Muito ligado a banqueiros, ingressou no governo pela mão do Bradesco. Favoreceu as transnacionais com enormes subsídios às exportações, que não evitaram o crescimento exponencial da dívida externa. Depois, deputado e conselheiro de presidentes na Nova República.    Ninguém mais representativo do establishment.
3. Disse haver poucas chances de impeachment da presidente da República e que esta deveria, com urgência, assumir protagonismo,  apresentando ao Congresso projetos de reforma constitucional e infraconstitucional.
4. Também, que o Congresso deve ser pressionado a aprová-los, sem o que o caos será inevitável e se materializará nos próximos anos.
5. Ele propõe quatro reformas:  Previdência Social, desvinculação dos gastos orçamentários, desindexação e  mercado de trabalho.
6. Ora, as duas primeiras foram objeto, por duas vezes, de reformas constitucionais, sob FHC e Lula, aprovadas em 1998 e 2003.   A reforma do mercado de trabalho significa que a legislação trabalhista não prevalecerá sobre a “negociação”.
7. A desindexação foi decretada pelo Plano Cruzado em 1986 e pelo Plano Real em 1994. Delfim não indicou se os títulos da dívida pública serão ou não isentados da desindexação. Quando do Real foi trágico: a taxa SELIC acumulou 53% em 1995.
8. Em suma, as propostas consistem em aumentar a dose de medidas em uso há muito tempo e até hoje, que nada solucionaram. Não obstante, muitos as aclamarão como solução, pois consideram  novidade tudo de que a TV não fala, desde há três meses.
9. Delfim não vê futuro nas propostas de Lula de reanimar a economia expandindo o crédito. Lembra: “Não há falta de crédito, Há falta de tomador. Não tem ninguém querendo crédito."
10. Claro, a renda das pessoas caiu, suas dívidas cresceram. Aliás, não há necessidade de keynesianismo para entender que só surge retomada de investimentos e criação de empregos, se se crê que haverá mercado para o que se pretende produzir.
11. Mas, e a verdadeira solução? Delfim não a pode apontar. Membro de escol da pseudoelite, ele julga impensável alijar-se da “comunidade financeira internacional”, abrir mão dos ganhos fabulosos das aplicações financeiras, e aprova a globalização do sistema de poder mundial, deixando a economia produtiva sob o comando dos carteis transnacionais.
12. Teorias sofisticadas, voltadas para conservar o império da oligarquia concentradora, como o keynesianismo, embora rotulado como progressista, são uma espécie de ópio de economistas, inclusive ditos de esquerda. 
13. Nessa linha, Delfim imagina vencer a crise, mudando as expectativas: “na economia as crenças são mais importantes do que os fatos.” Para ele, a eleição de Macri, na Argentina, fez o mundo crer que ela vai melhorar e já está melhor que o Brasil.
14. Claro que o império angloamericano vai tentar tornar isso verdade. Mas, mesmo que o consiga, a curto prazo, nas aparências, o resultado estrutural será afundar a Argentina no apartheid tecnológico.
15. Para Delfim, “o Brasil sofre de uma doença: não tem perspectiva.” Seu programa ganharia aplausos da grande mídia e dos muito endinheirados, os que têm meios para investir.
16. Se Dilma o  adotar – aderindo integralmente a esses – como já faz, por exemplo, elevando os juros da dívida pública – o sistema de poder financeiro e transnacional fará o Congresso aprová-lo.
17. Dilma acenaria a possibilidade de recuperar empregos perdidos durante a paralisia, advinda dos diversos fatores da crise.
18. Mas, em função principalmente da estrutura do modelo dependente, não há como repor as perdas e nem sequer estancar os fatores de prosseguimento delas, agravadas pela inflação e pela desvalorização cambial.
19. Só os bancos têm aumentado sempre os lucros. A renda total, em queda, concentra-se ainda mais, excluindo a perspectiva de ressurgimento da procura, ademais devido ao tripé: juros altos para o mentiroso combate à inflação, meta de superávit primário e câmbio flutuante.
20. Então: como vão surgir os investimentos e as expectativas keynesianas favoráveis aos investimentos?
21. Nem com injeção de recursos do Tesouro para o crédito público, como fez Lula, e Dilma até 2013, política injustamente acoimada de errada em si mesma, como causadora do “desequilíbrio fiscal”.
22. Essa política, a proposta por Delfim, e também as duas combinadas,  têm de dar errado, dadas estas realidades estruturais: 
1)    Financeirização, desnacionalização e concentração galopantes;
2)    Infraestrutura que prioriza a extração e o cultivo  predatórios de recursos naturais para exportar, e o faz de forma ineficiente e cara;
3)    Despesa pública descomunal, decorrente da  dívida interna   - indexada e objeto de taxas de juros e spreads absurdos -  a qual, para evitar déficit orçamentário muito alto, faz comprimir investimentos públicos;
4)    Déficits gigantes acumulados nas transações correntes com o exterior – que se aceleram quando a economia cresce -  conducentes ao crescimento da dívida externa e à elevação do passivo externo, proveniente principalmente dos investimentos diretos estrangeiros;
5)    Investimentos estrangeiros na dívida pública interna, cuja dimensão ameaça as reservas externas, em função do possível retorno ao exterior dessas aplicações, ao qual se juntariam saídas de capitais financeiros de residentes no País, eventualidade tanto  mais destrutiva, quanto a pseudoelite não quer recorrer aos controles de câmbio e capitais.
23. Esses fatores de corrosão da economia brasileira retroalimentam-se entre si, constituindo um processo cumulativo.
24. Diante disso e dos conselhos dos economistas do sistema, vem à mente grande parte da medicina ocidental, que atacando sintomas e não, causas, agrava as doenças, intoxicando, ainda mais, com drogas químicas, pacientes intoxicados por alimentação e modos de vida inadequados.    
* - Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo, Alemanha,  autor do livro Globalização versus Desenvolvimento (abenayon.df@gmail.com).                

Lula domina o recesso parlamentar


O recesso parlamentar, que se encerrou com a reabertura hoje dos trabalhos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, teve como destaques quatro fatos políticos de repercussão nacional: A declaração de Lula sobre sua alma inocente, a irada defesa de Lula feita pelo senador Roberto Requião, do Paraná, a declaração do vice-presidente Michel Temer de que o Partido do Movimento Democrático Brasileiro –PMDB- quer eleger o presidente em 2018 e o anúncio da candidatura do ex-ministro e ex-governador Ciro Gomes à Presidência da República pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT-, partido do falecido e polêmico político Leonel Brizola.
Ante a escassez de notícias políticas, vale aquele ditado “caiu na rede é peixe”, e a imprensa e as redes sociais consomem com avidez qualquer fato novo, como foi o caso do factoide (“fato ou notícia forjada para atrair a atenção da opinião pública”, segundo dicionários da Web) produzido pelo ex-presidente Luiz Ignácio Lula da Silva, no dia 20 de janeiro: ”Não há neste país uma viva alma mais honesta do que eu”.
Honestidade à parte, as investigações da Operação Lava Jato sobre o patrimônio de Lula vêm tomando conta das redes sociais, onde a satanização do ex-presidente e do Partido dos Trabalhadores –PT- já é uma realidade a provocar efeitos nas eleições municipais deste ano.
O curioso, todavia, é que saiu em defesa do PT o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, oposicionista do Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB-, afirmando que a Presidente Dilma é honrada e que o PT é um partido importante para a política brasileira, por representar grande parcela da opinião pública, não podendo ser extinto por causa das mazelas que vêm sendo apuradas contra alguns dos seus dirigentes.
Um abraço de urso de FHC, quando fala em honradez de Dilma e se cala sobre a honestidade de Lula, além de lançar um raciocínio segundo o qual o PT é passível de extinção depois de o próprio partido de FHC, PSDB, protocolar junto à Procuradoria-Geral Eleitoral  representação em que pede a extinção do PT. É o famoso morde e assopra...
Na onda de denúncias divulgadas sobre o patrimônio de Lula, desponta um herói de capa-e-espada, que os ingleses chamam de swashbuckler, para defender com ira o ex-presidente Lula. Trata-se do senador Roberto Requião, do PMDB do Paraná, acusando a grande imprensa de tentar desmoralizar a imagem e a obra de Lula em benefício do “capital vadio”. Repicando sobre essa defesa feita por Requião, o filho mais velho de Lula, Luis Inácio, ganhou as redes sociais com suposta advertência sobre o efeito incendiário no País que causaria a prisão do seu pai.
Em meio ao caos provocado pelas investigações da Operação Lava Jato, o PDT anunciou que o ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco e ex-governador do Ceará, o paulista Ciro Gomes, será o candidato da legenda na disputa de 2018 para o Palácio do Planalto. É fácil constatar nas redes sociais uma rejeição odiosa contra o nome de Ciro Gomes, taxado como oportunista e demagogo. Seu irmão Cid Gomes, que governo o Ceará e exerceu por três meses o Ministério da Educação, é uma figura pouco conhecida nacionalmente, além de controverso pela forma agressiva com que tratava os professores.
Em campanha por todos os estados brasileiros em busca de consolidação de seu nome para permanência na Presidência do PMDB, o vice-presidente Michel Temer anunciou que o partido terá candidato próprio nas eleições de 2018. Ameaçado de ser destituído junto com Dilma do comando do governo, em decorrência de prática de abusos na campanha da reeleição de ambos, Temer parece tranquilo e nem mesmo a ameaça de impeachment o assusta.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Finanças Públicas - Expansão vs.Contração

 
Adriano Benayon *
 
Há um debate, mais que secular, entre economistas ligados ao sistema financeiro, partidários do controle monetário, e os que recomendam a expansão dos meios de pagamento e do crédito, em favor da produção e do emprego.
 
2. Tanto as políticas monetárias de contração como as expansivas podem ser reforçadas ou atenuadas por meio da  política fiscal: redução de despesas públicas e elevação ou manutenção de impostos, versus o contrário disso.
 
3. A maioria manifesta-se em favor de políticas anticíclicas: se a economia está em crescimento e aparecem tendências inflacionárias, seria o momento de adotar política contracionista, e, em caso de retração na atividade econômica, conviria expandir a moeda e o crédito, aumentar a despesa pública etc.
 
4. Os “desenvolvimentistas” e keynesianos preocupam-se com os indicadores de  interesse da economia produtiva, enquanto os monetaristas visam à estabilidade do valor da moeda, ponto essencial para os que aplicam dinheiro em títulos, especialmente os de renda fixa.
 
5. A discussão parece-me estéril, por girar em torno apenas dessas questões, de natureza macroeconômica.  Prefiro o enfoque da economia nacional, atenta à estrutura de mercado: 1) se é concentrada, oligopolizada, cartelizada, ou se abre razoável espaço à concorrência, propiciando surgirem novas empresas e tecnologias; 2) se prevalece ou  não o capital nacional.
 
7. No caso de descentralizada e de predominantemente  nacional, há campo para atender as necessidades reais da população, em lugar de a economia, como vem ocorrendo, ser manipulada pelo marketing, pelo merchandising e mais técnicas de venda, e determinada a consumir (independentemente de o quê) e a ser mera geradora de faturamento para os carteis transnacionais.
 
8. Essa é a situação em quase todo o mundo ocidental, sendo que no Brasil os residentes são ainda mais saqueados, dada a desindustrialização dos últimos sessenta anos, e a desnacionalização, dois fatores da enorme desigualdade nas relações de troca do comércio mundial de bens e serviços, e também de transferência vultosa de recursos ao exterior.
 
9. Desse modo instituiu-se estrutura microeconômica infalível para resultar em subdesenvolvimento, e agravada pela infraestrutura do modelo dependente, que desaproveita os recursos naturais do País, com sistemas de energia, transportes e comunicações ineficientes e superfaturados.
 
10. Essa situação doentia acarretou mais uma moléstia:  a dívida pública gigantesca, criada pela composição de juros, a taxas arbitrariamente elevadas, impeditiva de investimentos públicos e privados, na dimensão requerida pelo desenvolvimento.
 
11. De qualquer modo, com a estrutura de mercado existente, maior investimento que o atual traria poucos benefícios à economia do País, consideração amiúde ignorada na discussão entre keynesianos e monetaristas.
 
12. Estes pretendem combater a inflação por meio das políticas contracionistas, potenciadas pelas taxas de juros altíssimas, impingidas pelo Banco Central. Já os desenvolvimentistas, como José Carlos Assis, consideram imperioso dinamizar a economia, abalada por declínio na produção e no emprego.
 
13. Assis demonstra a irrelevância da argumentação de Marcos Lisboa, segundo a qual políticas fiscais expansivas não funcionam em países com dívidas elevadas, pouca ociosidade no sistema produtivo (erroneamente, diz Lisboa, sinalizada pela alta inflação e juros altos).
 
14. Com razão, Assis retorque que esses juros resultam da política arbitrária do BACEN: poderiam cair muito, o que, entretanto, exigiria autoridade do governo sobre o BACEN e mudanças na Constituição (autoridade ao Tesouro para emitir moeda).
 
15. Assis lembra também que a ociosidade é alta e se reflete na contração do PIB, enquanto a inflação decorreria do alto grau de indexação formal e informal dos preços, sobretudo das tarifas públicas. Aduzo que ela provém muito da estrutura oligopolizada dos mercados. De fato, a capacidade ocupada está baixa: 66%.
 
16. Acrescenta, ainda, Assis que na União Europeia houve bons resultados da política expansiva, mas, tendo sido essa revertida, a zona do euro voltou à estagnação e a ter agravadas as condições sociais.
 
17. No Brasil  houve boas taxas de crescimento do PIB, com a política aplicada em 2009/2010, quando o Tesouro injetou R$ 180 bilhões no BNDES, principalmente para a infraestrutura.
               
18. Diz, ainda, Assis, nunca ter apoiado  a estúpida política de subsidiar a indústria automobilística e a linha branca, supostamente para preservar empregos, quando se estava, na realidade, subsidiando lucros remetidos para o exterior por multinacionais. E: “não se faz política fiscal micro: se tiver de funcionar, é no nível macro.”
 
19. Entendo que, com a presente estrutura de mercado, não há política macroeconômica alguma que possa dar certo.
 
* - Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de  Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento. abenayon.df@gmail.com