segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O dono da chave do cofre dita as regras

A elaboração do orçamento público é uma arma poderosa para qualquer governo, pois permite ao Poder Executivo, apoiado por sua bancada no Congresso Nacional, o controle da agenda legislativa.

Não é difícil constatar esse processo, mas valho-me da minha experiência profissional e, principalmente, de excelente estudo realizado por Sérgio Praça, que defendeu tese de doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo - USP-, em 2010, sobre o tema “A evolução de instituições orçamentárias no Brasil, 1987- 2008”.

Praça considera o controle da agenda legislativa como um “mecanismo” através do qual o Executivo brasileiro mantem certas instituições que lhe interessam, observando que:

“A estabilidade do Orçamento Autorizativo no Brasil, ao longo de vinte anos da democracia brasileira pós-Constituição, é paradoxal,se considerarmos que a barganha política possibilitada pelo Orçamento Autorizativo em torno de emendas orçamentárias encontra fortes críticos e que a idéia de implementar o Orçamento Impositivo é recorrente na pauta de reformas orçamentárias no país.”

De fato, quem se encontra na oposição radical ao governo não aceita pacificamente esse controle da agenda legislativa pela via orçamentária e vive pregando o Orçamento Impositivo, porque sabe que, dificilmente, seus pleitos serão atendidos, pois o critério político é aplicado na liberação ou contingenciamento de verbas. E, às vezes, nem liberação e nem contingenciamento, mas, simplesmente a não-decisão. O Executivo contingência dotações e retém liberações financeiras para direcionar o orçamento segundo seus próprios interesses e conveniências. 

Voltando às considerações de Sérgio Praça, “avaliar o controle da agenda política pode ser um bom método para analisar qual a extensão dos poderes de cada ator ou grupo político para manter ou alterar arranjos institucionais vigentes. O estudo das não-decisões é fundamental para entender dinâmicas institucionais, pois  as não-decisões mascaram um processo que é dinâmico e conflituoso.”

E sublinha, numa de suas conclusões: “Atualmente, o Orçamento Autorizativo fornece “vantagem distributiva” para os membros da coalizão governista, pois permite que seus membros tenham mais emendas parlamentares individuais executadas do que os oposicionistas. Outra vantagem do Orçamento Autorizativo é que permite ao governo calibrar a execução orçamentária de modo a extrair maior apoio no Plenário para suas propostas legislativas”.

O orçamento anual sempre é aprovado no apagar das luzes da sessão legislativa, em sessões que, muitas vezes, se estendem até a madrugada, quando sonolentos deputados e senadores, prefeitos municipais, assessores parlamentares, assessores legislativos dos ministérios, lobistas de empreiteiras, secretários parlamentares, todos no Plenário da Comissão, tentam até o último instante, convencer o relator do orçamento a adotar emendas aditivas ou supressivas, e mesmo manter o que já conquistaram no texto.

Mesmo depois de o texto ser aprovado, outro “tour de force” é liberar as verbas junto ao Governo, porque, como diz o ditado popular, “Deus manda a farinha, mas o diabo leva o saco...” Tem aquele também: “Pouca farinha, meu pirão primeiro...” E mais um, implacável, da cultura política, forjado por Getúlio Vargas: “Aos meus amigos tudo; aos meus inimigos a lei.”. Só que, no Orçamento Autorizativo, o Executivo é mais pragmático, para manutenção e ampliação do poder: “Aos meus amigos tudo; aos meus inimigos nem a lei”.

O Governo, que tem um batalhão de especialistas em todas as manobras possíveis de calibragem da execução orçamentária, vai adotando medidas “a priori” e “a posteriori”. Essa questão da verba da saúde, por exemplo, é uma jogada “a priori” com vistas às eleições municipais do próximo ano. Aprovar a Emenda 29 sem especificar a origem da verba para a saúde é um cheque em branco para o Governo arrecadar, contingenciar, liberar e até redirecionar recursos para outras rubricas que considere mais rentáveis politicamente.



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