Publicado em 23.09.2012 pela revista "Consultor Jurídico"
1968, o que fizemos de nós é o nome
de um belo livro, do jornalista Zuenir Ventura, lançado em 2008, como
sequência de um outro livro ainda mais lindo, 1968, o ano que não terminou,
de 1989. Os dois livros falam de um personagem incomum, o ano de 1968: “É
possível que no século XX, tenha havido ano igual ou mais importante do que
1968, mas nenhum tão lembrado, discutido e com tanta disposição para
permanecer como referência, por afinidade ou por contraste”, explica o autor
na contracapa do último volume. E diz mais: “A geração de 68, que dizia não
confiar em ninguém com mais de 30 anos, está completando 40. Ainda dá para
confiar nela? Que balanço se pode fazer hoje de um ano tão carregado de
ambições e de sonhos? O que foi feito dessa herança?”
As questões que o livro de Zuenir
procura responder podem ser encontradas também, em larga escala, no plenário
do Supremo Tribunal Federal, todas as segundas, quartas e quintas-feiras,
enquanto se julga a Ação Penal 470, o processo do mensalão. O livro de Zuenir Ventura pode até
não explicar porque o partido que era apontado como mais ético e mais
autêntico da história da República se tornou patrono do maior escândalo de
corrupção do país. Mas ele mostra que boa parte dos principais personagens desse drama
político estavam todos lá em 1968, caminhando e cantando, e seguindo a canção.
Quem abrir o livro à página 48, vai
encontrar o capítulo - Há um meia-oito em cada canto. Vai saber que, nos idos de meia-oito,
José Dirceu, acusado de ser o “chefe da quadrilha” do mensalão, era um dos
mais influentes líderes do movimento estudantil. E que o ministro Celso de
Mello, o decano do tribunal que está julgando Dirceu juntamente com toda a
“quadrilha”, era praticamente colega do político. “Em
1968, José Dirceu e Celso de Mello moravam numa república de estudantes em
São Paulo, visitada frequentemente por agentes do Dops”, conta o livro.
Os dois trilharam caminhos
diferentes. “Dirceu foi para a militância e
Mello para os estudos”. Mas, em suas respectivas trincheiras,
defenderam os mesmos ideais de liberdade. Celso
de Mello relembra o momento difícil que enfrentou como orador da turma de
promotores aprovados no concurso do Ministério Público. “Eu precisava
protestar contra o regime ditatorial, e fiz um discurso que não agradou muito
ao chamado establishment; não fui aplaudido.”
Outros meia-oito ilustres que
passaram pelo Supremo Tribunal Federal já estão aposentados. Sepúlveda
Pertence, que deixou o Supremo em 2007, foi vice-presidente da UNE (1959-1960)
e professor da UnB (1962-1965), cargos dos quais se viu afastado à força pelo
regime dos generais. Hoje é integrante da Comissão de Ética Pública, ligado à
presidência, criada justamente para evitar que novos mensalões aconteçam.
O outro é Eros Grau, que se
aposentou em 2010. Em uma de suas últimas intervenções no Supremo, foi o
relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade que julgou constitucional a
Lei de Anistia. Adepto do Partido Comunista (“nunca tive carteira, porque o
partido não dava carteira, mas eu tinha um comprometimento com as teses do
partido, digamos assim”), foi preso e torturado por sua atuação na
resistência à ditadura.
“A geração de 68 não chegou a
eleger nenhum presidente, ainda que os dois últimos — Fernando Henrique
Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva — considerem ter levado para o poder
idéias e representates das turmas com a qual reivindicam ter afinidades
eletivas”, diz Zuenir, na abertura do capítulo dos meia-oito. Claro, o livro
foi lançado em 2008, época em que Dilma Rousseff, ex-militante da
VAR-Palmares, ainda não havia sido eleita presidente da República. “Em face
de sua resistência à tortura na prisão, o promotor que a denunciou chamou-a
de Joana D’Arc da subversão”, rememora Zuenir.
Além de Dilma e Zé Dirceu, são
citados, ainda, como representantes da geração meia-oito que chegaram ao
poder na era Lula, o governador da Bahia, Jaques Wagner (então presidente do
diretório acadêmico da PUC-Rio e militante do PCdoB), o prefeito de Belo
Horizonte, Fernando Pimentel (militante do movimento estudantil e da
VAR-Palmares), o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antônio Palocci
(militante da organização trotskista Libelu, juntamente com o ex-secretário
da presidência Luiz Dulci e o ex-secretário de Comunicação, Luiz Gushiken).
Franklin Martins, que sucedeu Gushiken na Secretária de Comunicação foi do
MR-8 e seu secretário executivo Ottoni Fernandes Junior, da ALN. O ministro
da Cultura de Lula, Gilberto Gil não era filiado a nenhum grupo militante,
mas só de cantar, foi preso e proibido de se apresentar, optando por se
exilar na Inglaterra.
Tarso Genro, ministro da Educação e
da Justiça no governo Lula, foi ativista da UNE e do PCdoB e da dissidência
desta, a Ala Vermelha, que pregava a luta armada. Foram seus companheiros na
militância esquerdista, Milton Seligman, hoje diretor de Relações
Corporativas da Ambev, e Paulo Buss, presidente da Fundação Osvaldo Cruz. Os
três compartilharam também as salas de aula da Universidade de Santa Maria,
no Rio Grande do Sul. “Era uma cidade pequena, e todo mundo se conhecia.
Diante da convocação de uma manifestação, o Dops prendia os de sempre”. Que
eram os três, relembra Seligman em entrevista para o livro de Zuenir.
Também são meia-oito os verdes
Fernando Gabeira, ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro, e Carlos Minc,
outro ministro do governo Lula. Mas não só no PT e no PV que se firmou o
destino de quem viveu as convulsões de 1968. Antes, muito pelo contrário,
como sustenta Zuenir Ventura ao resgatar o nome de dois ilustres meia-oito
que tomaram outra direção. Um é o ex-senador tucano pelo Amazonas e atual
líder na corrida para a prefeitura de Manaus, Arthur Virgílio Neto. Naqueles
tempos, Arthur Virgilio era militante do clandestino PCB e diretor do Centro
Acadêmico da Faculdade Nacional de Direito (atual UFRJ). Outro é o
ex-prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, que pertenceu à Corrente, uma
dissidência do PCB que pregava a luta armada. Foi preso no Congresso da UNE,
em 68 e foi para o exílio na Argentina e no Chile, onde ficou amigo de outro militante
de esquerda no exílio, José Serra.
Como diz Zuenir Ventura, “eles
estão no poder, na oposição, à esquerda, à direita, e até prestando contas à
Justiça. Há um meia-oito em cada esquina".
Maurício Cardoso é diretor de
redação da revista "Consultor Jurídico"
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