quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A doutrina da ação preventiva



 Manuel Cambeses Júnior *
Quando os criadores da primeira bomba atômica tomaram conhecimento dos terríveis efeitos devastadores do novo invento, assinalaram que o “relógio do dia do juízo final” havia começado a mover-se, inexoravelmente, para a meia-noite da Humanidade. Poucos anos depois, quando a União Soviética detonou o seu primeiro petardo atômico, esta afirmação veio a ser cabalmente corroborada.
 A partir daí, o mundo passaria a assistir, estupefato, a duas superpotências nucleares enfrentarem-se em um conflito existencial dispondo de uma imensa capacidade para destruírem-se reciprocamente e, por via de consequência, na esteira da destruição, o mundo inteiro.
 Curiosamente, o equilíbrio instável promovido pelo terror nuclear, daí resultante, conduziu a um dos períodos de maior estabilidade da história contemporânea. Ou seja, a paz nuclear conseguiu igualar a longevidade dos grandes modelos de estabilidade do Século XIX:  os sistemas internacionais de Matternich e Bismarck.
 Obviamente, sob a dinâmica da confrontação bipolar, o mundo não conseguiu superar as guerras. Muito pelo contrário, em decorrência dessa rivalidade dual, a humanidade assistiu a ocorrência  de várias contendas regionais, milhões de mortes e ao maior processo de criação de arsenais de destruição em massa da História. Entretanto, por mais paradoxal que possa parecer, a existência do equilíbrio do terror acarretou, como corolário, que fosse evitada uma confrontação direta entre os Estados Unidos e a União Soviética e, consequentemente, o desencadear de uma nova guerra mundial. O êxito do sistema bipolar teve uma explicação: o medo da destruição recíproca, por parte das monopólicas superpotências, ou seja, a lógica da dissuasão.
 O colapso da União Soviética fez a humanidade de certa forma respirar aliviada. Entretanto, a partir daí, começaram a surgir novos e intrincados problemas. A vulnerabilidade do portentoso arsenal de destruição em massa russo colocou em movimento, novamente, o “relógio do dia do juízo final”.
 Desde 1993, uma grande quantidade de material de fissão nuclear tem sido desviado da antiga União Soviética. Estima-se que este montante sobrepuja a produção dos três primeiros anos do Projeto Manhattan. Faz-se mister ressaltar que, além da subtração de material nuclear, a disseminação indiscriminada de know-how tecnológico tem contribuído para açular não somente o medo ao terrorismo nuclear, mas, também, ao químico e bacteriológico, em todos os rincões do planeta.
 Segundo William Anthony Kirsopp Lake, ex-assessor de segurança nacional do governo norte-americano, desde o ano de 1998, vinte e sete nações possuem armamento nuclear, biológico e químico. Como fazer para funcionar a lógica da dissuasão em meio a este tenebroso cenário fragmentado? Como dissuadir o terrorismo fundamentalista que poderá, a qualquer momento,  recorrer a armas de destruição em massa, em resposta a atos de retaliação perpetrados pelas superpotências mundiais?
 Para enfrentar essa nova realidade, os Estados Unidos declararam inoperante a velha doutrina da dissuasão – nascida no governo do presidente Harry S. Truman (1884-1972 - e passaram a adotar a tese da ação preventiva. Desta forma, fundamentalmente, quem se converter em uma ameaça potencial ou eminente para os estadunidenses deve ser imediatamente neutralizado.
 O problema mais evidente desta nova doutrina é a grande lista de países aos quais deveriam ser, a priori, neutralizados. Depois do Iraque, viriam o Irã e a Coreia do Norte, pois foram catalogados como países pertencentes ao malsinado “eixo do mal” e que, também, estão a caminho de dotarem-se de portentoso armamento nuclear. Igualmente caberia supor que, caso se produzam mudanças no regime do Paquistão - e que não estejam em consonância com os interesses ocidentais - poderia ser perpetrada uma intervenção preventiva. E mais, como definir os limites dessa ação? Por acaso a China seria incluída na “relação dos malditos” no caso de suspeitar-se de uma invasão desta a Taiwan? É necessário que a ameaça seja real e imediata, ou basta que seja simplesmente hipotética? Ou, uma vez aberto um precedente, como evitar que outros membros da comunidade internacional também o invoquem, alegando igual direito? Como negar à India a prerrogativa  de um ataque-surpresa ao Paquistão, em aplicação ao mesmo princípio?
 Toda política externa busca projetar graus razoáveis de certeza dentro das incertezas naturais que entranham uma ordem internacional complexa e em permanente estado de fluidez. Entretanto, quando a busca da segurança absoluta parece transformar-se no objetivo da megapotência dominante, existem razões válidas para preocupações.
 Como sabiamente enfatizava o ex-Secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, em célebre frase “a busca da segurança absoluta por parte de um Estado, acarreta  a insegurança absoluta por parte dos demais”. Este axioma de política externa assume caráter superlativo quando gira em torno de uma potência hegemônica.  O garrote discricionário da ação preventiva, não somente propicia paranóias e desconfianças, mas, certamente, introduz importantes elementos de desordem e anarquia dentro do sistema internacional.
Diante desta constatação podemos inferir que a dissuasão e sua irmã gêmea, a doutrina de contenção, não parecem estar sepultadas para sempre, como quiseram nos fazer crer alguns analistas políticos e polemólogos-estrategos estadunidenses. Definitivamente, a tese da ação preventiva poderá, em princípio, limitar-se a ser a desculpa conceitual para acabar, de forma peremptória, com uma tarefa inconclusa e iniciada no início dos anos noventa do século passado, durante a gestão presidencial de George Bush (pai) e que encontrou eco e aceitação nas administrações seguintes dos Estados Unidos.
  * O autor é Coronel-Aviador, membro emérito do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, conselheiro do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, membro do conselho editorial da Revista do Clube Militar e conferencista especial da Escola Superior de Guerra.                       (
 

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