Manuel
Cambeses Júnior *
Quando os criadores
da primeira bomba atômica tomaram conhecimento dos terríveis efeitos
devastadores do novo invento, assinalaram que o “relógio do dia do juízo final”
havia começado a mover-se, inexoravelmente, para a meia-noite da Humanidade.
Poucos anos depois, quando a União Soviética detonou o seu primeiro petardo
atômico, esta afirmação veio a ser cabalmente corroborada.
A partir daí, o
mundo passaria a assistir, estupefato, a duas superpotências nucleares
enfrentarem-se em um conflito existencial dispondo de uma imensa capacidade
para destruírem-se reciprocamente e, por via de consequência, na esteira da
destruição, o mundo inteiro.
Curiosamente, o
equilíbrio instável promovido pelo terror nuclear, daí resultante, conduziu a
um dos períodos de maior estabilidade da história contemporânea. Ou seja, a paz
nuclear conseguiu igualar a longevidade dos grandes modelos de estabilidade do
Século XIX: os sistemas internacionais
de Matternich e Bismarck.
Obviamente, sob a
dinâmica da confrontação bipolar, o mundo não conseguiu superar as guerras.
Muito pelo contrário, em decorrência dessa rivalidade dual, a humanidade
assistiu a ocorrência de várias
contendas regionais, milhões de mortes e ao maior processo de criação de
arsenais de destruição em massa da História. Entretanto, por mais paradoxal que
possa parecer, a existência do equilíbrio do terror acarretou, como corolário,
que fosse evitada uma confrontação direta entre os Estados Unidos e a União
Soviética e, consequentemente, o desencadear de uma nova guerra mundial. O
êxito do sistema bipolar teve uma explicação: o medo da destruição recíproca,
por parte das monopólicas superpotências, ou seja, a lógica da dissuasão.
O colapso da União
Soviética fez a humanidade de certa forma respirar aliviada. Entretanto, a
partir daí, começaram a surgir novos e intrincados problemas. A vulnerabilidade
do portentoso arsenal de destruição em massa russo colocou em movimento,
novamente, o “relógio do dia do juízo final”.
Desde 1993, uma
grande quantidade de material de fissão nuclear tem sido desviado da antiga
União Soviética. Estima-se que este montante sobrepuja a produção dos três
primeiros anos do Projeto Manhattan. Faz-se mister ressaltar que, além da subtração
de material nuclear, a disseminação indiscriminada de know-how tecnológico tem
contribuído para açular não somente o medo ao terrorismo nuclear, mas, também,
ao químico e bacteriológico, em todos os rincões do planeta.
Segundo William
Anthony Kirsopp Lake, ex-assessor de segurança nacional do governo
norte-americano, desde o ano de 1998, vinte e sete nações possuem armamento
nuclear, biológico e químico. Como fazer para funcionar a lógica da dissuasão
em meio a este tenebroso cenário fragmentado? Como dissuadir o terrorismo
fundamentalista que poderá, a qualquer momento,
recorrer a armas de destruição em massa, em resposta a atos de
retaliação perpetrados pelas superpotências mundiais?
Para enfrentar essa
nova realidade, os Estados Unidos declararam inoperante a velha doutrina da
dissuasão – nascida no governo do presidente Harry S. Truman (1884-1972 - e
passaram a adotar a tese da ação preventiva. Desta forma, fundamentalmente,
quem se converter em uma ameaça potencial ou eminente para os estadunidenses
deve ser imediatamente neutralizado.
O problema mais
evidente desta nova doutrina é a grande lista de países aos quais deveriam ser,
a priori, neutralizados. Depois do Iraque, viriam o Irã e a Coreia do Norte,
pois foram catalogados como países pertencentes ao malsinado “eixo do mal” e
que, também, estão a caminho de dotarem-se de portentoso armamento nuclear.
Igualmente caberia supor que, caso se produzam mudanças no regime do Paquistão
- e que não estejam em consonância com os interesses ocidentais - poderia ser
perpetrada uma intervenção preventiva. E mais, como definir os limites dessa
ação? Por acaso a China seria incluída na “relação dos malditos” no caso de
suspeitar-se de uma invasão desta a Taiwan? É necessário que a ameaça seja real
e imediata, ou basta que seja simplesmente hipotética? Ou, uma vez aberto um
precedente, como evitar que outros membros da comunidade internacional também o
invoquem, alegando igual direito? Como negar à India a prerrogativa de um ataque-surpresa ao Paquistão, em aplicação
ao mesmo princípio?
Toda política
externa busca projetar graus razoáveis de certeza dentro das incertezas
naturais que entranham uma ordem internacional complexa e em permanente estado
de fluidez. Entretanto, quando a busca da segurança absoluta parece
transformar-se no objetivo da megapotência dominante, existem razões válidas
para preocupações.
Como sabiamente
enfatizava o ex-Secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, em
célebre frase “a busca da segurança absoluta por parte de um Estado,
acarreta a insegurança absoluta por
parte dos demais”. Este axioma de política externa assume caráter superlativo
quando gira em torno de uma potência hegemônica. O garrote discricionário da ação preventiva,
não somente propicia paranóias e desconfianças, mas, certamente, introduz
importantes elementos de desordem e anarquia dentro do sistema internacional.
Diante desta
constatação podemos inferir que a dissuasão e sua irmã gêmea, a doutrina de
contenção, não parecem estar sepultadas para sempre, como quiseram nos fazer
crer alguns analistas políticos e polemólogos-estrategos estadunidenses.
Definitivamente, a tese da ação preventiva poderá, em princípio, limitar-se a
ser a desculpa conceitual para acabar, de forma peremptória, com uma tarefa
inconclusa e iniciada no início dos anos noventa do século passado, durante a
gestão presidencial de George Bush (pai) e que encontrou eco e aceitação nas
administrações seguintes dos Estados Unidos.
* O autor é Coronel-Aviador, membro
emérito do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil, conselheiro do Instituto
Histórico-Cultural da Aeronáutica, membro do conselho editorial da Revista do
Clube Militar e conferencista especial da Escola Superior de Guerra. (
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