quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Caixa de Pandora


 
Paulo Metri ( Conselheiro do Clube de Engenharia)
Ela começou a ser aberta em 1995, no momento em que o presidente FHC forçou a mudança do Artigo 177 da Constituição, o que significou, de fato, a extinção do monopólio estatal do petróleo. Tratou-se de uma mudança constitucional com redação dúbia, tanto que ganhou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) colocada pelo então governador Requião.
A pergunta que as pessoas expostas à questão fazem é o por que de ser preciso fazer uma mudança constitucional dúbia. A explicação é simples: para não se chocar a opinião pública, pois, se a sociedade fosse consultada, certamente iria negar a permissão para o término do monopólio estatal. Então, era preciso dar a impressão de que o monopólio continuaria existindo, enquanto as empresas petrolíferas estrangeiras entravam no país. Desta forma, foi preciso usar um texto aparentemente lógico para se conseguir ludibriar. O ministro do Supremo Eros Grau, ao proferir seu parecer sobre esta Adin, utilizou grande malabarismo argumentativo.
No entanto, apesar de a Adin ter sido negada pela composição de ministros do STF da época, uma dúvida ainda persiste. Como pode um monopólio estar determinado no Artigo 177, mesmo após a modificação, e existirem dezenas de empresas atuando no setor no Brasil? Mas, enfrentando a realidade, temos que a Caixa de Pandora foi aberta e os três governantes, que se sucederam desde então, já entregaram mais de 900 áreas do território nacional. Em menos da metade destas áreas, a Petrobras tem alguma participação. Em todas estas áreas, exceto uma, quem descobre o petróleo tem a sua posse e só precisa pagar alguns tributos em dinheiro.
Apesar de correr o risco de cansar o leitor, analiso de maneira exaustiva a atuação das empresas estrangeiras em comparação com a Petrobras, porque o tema é relevante. Elas não compram plataformas no Brasil, quase não empregam nacionais, não contratam engenharia no país, não encomendam desenvolvimentos tecnológicos aqui, têm menos preocupação com relação à segurança das instalações e dos que nelas trabalham. E, com relação à proteção ao meio ambiente, podem produzir de forma predatória e não se dispõem a executar políticas públicas. Enfim, só vêm para cá para levar, no tempo mais rápido possível, o petróleo nacional e deixar aqui só os tributos que são exigidos.
Em torno de 10% do petróleo brasileiro já auditado, cerca de 17 bilhões de barris, não pertencem mais ao Brasil e, sim, a empresas estrangeiras, que irão levá-los para o exterior, assim que forem retirados do subsolo. Nenhuma das empresas estrangeiras quer abastecer o país, à medida que nenhuma delas constrói refinaria aqui. Técnicos afirmam que a Petrobras já descobriu, no pré-sal, 60 bilhões de barris, que ainda não foram auditados. Contudo, ela não está sozinha na maioria destes campos. Por exemplo, em Carioca, ela detém só 45% do campo e, em Iara, só 65%. Estima-se que 40% das descobertas feitas pela Petrobras no pré-sal, em torno de 24 bilhões de barris, também não pertencem mais ao Brasil.
No entanto, a caixa de maldades de Pandora não tem só estas desgraças. Os possíveis danos causados pelas empresas estrangeiras, que atuam no mundo todo, são ainda maiores. Para tanto, basta ver o “curriculum vitae” destas empresas no último século. Já mantiveram governos corruptos, depuseram outros que não satisfizeram seus interesses, financiaram ditaduras opressoras de povos, foram responsáveis por guerras civis dentro de países, como, na Nigéria, com um milhão de mortos e, no Sudão, com um e meio milhão de mortos. Elas nunca tiveram compromisso algum com as sociedades dos países onde atuaram, produziram petróleo com pouca preocupação com a segurança, de forma a minimizar os custos, porém causando, muitas vezes, catástrofes ambientais e sociais.
O passado nada glorioso delas na Nigéria, no Gabão, no Sudão, na Líbia, no Iraque, no Irã, na Arábia Saudita, no Cáucaso, na Ásia Central, na Venezuela e em outros países e regiões, além da tentativa de se apropriar do petróleo russo, é contado em detalhes, com depoimentos de conhecedores dos fatos, em quatro vídeos da série intitulada: “O Segredo das Sete Irmãs – A Vergonhosa História do Petróleo”. Eles podem ser encontrados em mais de um site na internet, como, por exemplo, em: http://www.youtube.com/watch?v=jQYK3ttfVaw&list=PL65E3B3A3DC9AEBD0&index=1
Os responsáveis pelos vídeos são Frédéric Tonolli e Arnaud Hamelin. Cada vídeo é de aproximadamente 50 minutos, mas vale a pena assistir, até mesmo para se conhecer a caixa de Pandora que foi aberta, aos poucos, no Brasil, desde 1995. Hoje, já estão aqui todas as empresas citadas nos vídeos, como Chevron, Exxon, Shell, BP, Total, as chinesas e outras.
Porém, o tempo é outro e o Brasil está, hoje, em um estágio de desenvolvimento político diferente da maioria destes países. Mas o método para obtenção de petróleo e lucro destas empresas não mudou. Certamente, elas atuam em cartel e com seus países de origem dando total apoio às suas pretensões, o que inclui as mais baixas pressões. Não me espantaria ao ser informado que elas chegam a “capturar” órgãos do Estado brasileiro.
No entanto, grandes inocentes, existentes na imprensa de esquerda, acreditam na concorrência perfeita entre estas empresas e nas boas intenções das mesmas, como investir com máxima segurança para evitar acidentes e danos ambientais, mesmo que isto diminua o lucro. Ou a boa intenção de retirar o petróleo de um campo à taxa máxima de recuperação do petróleo, mesmo que esta taxa signifique redução da lucratividade.

ADENDO: POR ADRIANO BENAYON( Doutor em Economia e Professor da Universidade de Brasília) 
 
"Caro Paulo Metri,
Parabéns por mais esta meritória contribuição sua ao esclarecimento de nossos compatriotas sobre a vital e estratégica questão do petróleo.
Trata-se de uma das principais áreas em que o Brasil está sendo lesado não só em termos quantificáveis monetariamente e materialmente, mas também quanto à perda de sua condição de nação autônoma.
Juntamente, com seu fator desencadeador, a entrega graciosa e subsidiada do mercado brasileiro às empresas transnacionais - iniciada a partir do golpe de agosto de 1954 e que desembocou, ademais, na dívida pública e seu espoliador serviço (juros e amortizações) – a entrega do petróleo acarreta prejuízos colossais ao País.
Em resumo,  três fontes de saqueio operando simultaneamente:
1) a extração, por quase nada,  de recursos minerais de valor incalculável;
2) os preços de oligopólios/carteis, cujo lucro é objeto de transferência para o exterior, sob 15 formas diferentes em contas do balanço de pagamentos [lucro esse avolumado ainda mais pela continuidade dos subsídios governamentais nos três níveis da Federação];
3) o serviço da dívida, responsável em 2012 por  44% das despesas da União federal.
Essas são algumas das seqüelas da desnacionalização, causa também da desindustrialização e da primarização tanto na produção econômica como na consciência de tanta gente submetida à enganação acadêmica, midiática, que busca perenizar a reversão a algo pior que a condição colonial, apassivando e intoxicando os brasileiros, não só com os químicos nos alimentos e nos “remédios”, mas com a desinformação, a descaracterização cultural e a estupidez ideológica.
É interessante notar que, apenas um ano após a instituição do monopólio estatal do petróleo (1953), a oligarquia financeira angloamericana conseguiu dar a partida para a destruição dele, através do golpe de 1954, iniciando com a Instrução 113 da SUMOC (janeiro de 1955),  a entrega da economia nacional às empresas transnacionais, incrivelmente com a ajuda e os subsídios do governo brasileiro, que, assim, pagou para fazer essa entrega.
Demorou um tanto, mas o próprio monopólio estatal do petróleo soçobrou como consequência natural do debilitamento do País ao longo dos 43 anos decorridos de 1954 a 1977.
E hoje não é só o monopólio do petróleo que está quebrado, mas também o próprio Estado, o qual,  nos últimos decênios, se demitiu de todas as funções que deve ter um Estado minimamente interessado no desenvolvimento nacional."


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