sexta-feira, 3 de outubro de 2014

A MARINHA DO BRASIL NA SEGUNDA GRANDE GUERRA, A GUERRA MUNDIAL



Almirante Arlindo Vianna Filho

“SE VIS PACEM PARA BELLUM” 

No início do Século XX, nas décadas de 20 e 30, logo após a Primeira Grande Guerra, a posição da Delegação Brasileira na Quarta Conferência Pan-americana, em Santiago do Chile, 1923, deixava claro a visão político-estratégica do Cenário mundial e que a defesa nacional, em conflitos que se prenunciavam, é coerente com as premissas do direito soberano de organizar a defesa dos interesses nacionais e participar de compromissos regionais.
O desenrolar das posições políticas planetárias agravava o espectro dos conflitos internacionais. A Liga das Nações, de crescente inoperância no desenrolar de latentes e evidentes conflitos de interesses internacionais, mais enfraqueceu com a invasão italiana da Etiópia, a Guerra civil espanhola (1936 a 1939), a invasão japonesa da Mongólia (1938), a anexação da Áustria pela Alemanha (1938). Em 1º de setembro de 1938, a invasão da Polônia pela Alemanha representa o início da que viria a ser designada pelos historiadores de Segunda Grande Guerra ou Segunda Guerra Mundial (ou seria a continuação da Guerra 1914-18?). Em 03 de setembro, em apoio à Polônia, França e Reino Unido declaram guerra à Alemanha. Em 1941, com a invasão da União Soviética pela Alemanha e os ataques aos Estados Unidos e Austrália pelos japoneses a guerra se tornou global
Neste contexto conjuntural, permeado por hipóteses de conflitos, os estrategistas navais brasileiros contribuíram para a elaboração e proposição de programas ministeriais de aparelhamento adequado das forças navais, coerentes com a realidade da política externa e dimensão dos recursos financeiros. Datam deste período os programas navais do Ministro Almirante Gomes Pereira (1919), e do Ministro Alexandrino (1923). Na sequência, os programas do Ministro Protógenes Guimarães (1932) e a revisão programática realizada pela administração Guillem.
Tais programas navais, elaborados com saber político-estratégico e conhecimentos profissionais, ancorados em indiscutíveis constatações, análises profundas e conclusões, corresponderam, sempre, à argumentação patriótica de Protógenes Guimarães: “estávamos em uma encruzilhada: ou fazemos renascer o Poder Naval sob bases permanentes ou nos resignamos a ostentar nossa fraqueza provocadora, a nossa ingênua pretensão de manter brasileiros os oito milhões de quilômetros quadrados de solo, diante de um mundo sequioso e considerando valores exclusivos a competência e a coragem”.  
É histórico que a realidade política interna e os constrangimentos dos recursos financeiros frustraram os programas navais. Entretanto, é dever observar, com justo orgulho do patriotismo, do nível profissional naval, da dedicação e da exata compreensão da relevância institucional que, mesmo à míngua de recursos, preterida por vezes por visões menores, ameaçada pela obsolescência e decrepitude de seus meios, a Marinha do Brasil mantinha, abnegadamente, a eficácia possível na manutenção dos meios navais disponíveis. É que, de forma análoga à que os mares continuam seu trabalho incessante quando a terra adormece, os homens do mar seguem diligentes e atentos, mesmo quando visões telúricas percebem pouco além dos horizontes.
Em cenário de crescente desenvolvimento tecnológico, novos e eficazes meios navais, como submarinos, aeronaves e sistemas de detecção, modificavam o balanço dos poderes navais e exigiam profundos estudos e evoluções das estratégias básicas e das táticas navais. Na evidência que “a utilização das linhas de comunicações marítimas se fazia cada vez mais imprescindível ao intercâmbio entre as nações e, em decorrência, ao desenvolvimento e, mesmo, à sobrevivência da soberania nacional”, a Marinha do Brasil, em seu planejamento estratégico, priorizava hipóteses de conflito nas quais, em antagonismos extra-regionais, delineava-se a necessidade de, patriótica e prudentemente, ampliar e desenvolver conceitos de emprego do poder naval que possibilitasse, por exemplo com a utilização de comboios, patrulha naval em áreas sensíveis e eventuais escoltas a navios isolados; proteger, defender e manter o tráfego marítimo vital e essencial à economia nacional.
 
CAMPANHA NAVAL BRASILEIRA NO ATLÂNTICO SUL
A máxima “se vis pacem para bellum” e a responsabilidade em precaver e inibir intenções subjacentes de atos previsíveis contra a soberania e a segurança nacionais incluiu no Brasil, desde logo, a ocupação militar pela Marinha do Brasil da Ilha de Trindade, e a 15 de abril a escolta de comboio marítimo que transportou pessoal e material do Exército brasileiro para guarnecer Fernando de Noronha.
As primeiras agressões que a soberania e a neutralidade brasileiras sofreram foram no mar. De 16 de fevereiro de 1942, com o torpedeamento do navio mercante BUARQUE, até 19 de agosto foram postos a pique por submarinos alemães e italianos operando nas rotas do Atlântico Sul, entre Santos, Salvador, Recife, Natal e Trinidad, dezoito navios mercantes brasileiros.
A 22 de agosto de 1942, o Governo do Brasil reconhece o Estado de Beligerância. A 31 de agosto de 1942 a nação se declara em Estado de Guerra contra a Alemanha, Itália e Japão. 
A Nação em guerra ─ decisão política para manter o Brasil soberano e digno, responder às agressões, honrar compromissos com princípios de Nação independente e participar do esforço aliado contra inaceitáveis ambições de expansionismo com afronta bélica ao respeito mútuo internacional ─ correspondeu à adoção de ações enérgicas do Estado para garantir os legítimos interesses brasileiros ameaçados.
No mesmo dia 31 de agosto, quando o Governo brasileiro declarou o Estado de Guerra, a Marinha do Brasil imediatamente evoluiu da estrutura organizacional de situação de paz e neutralidade para estrutura de guerra, reunindo meios navais em Comandos operativos, estes diretamente apoiados com recursos logísticos. Imediatamente ativada com apoio logístico da Base Naval de Natal (institucionalizada pelo Aviso Ministerial Nº 1661, de 05 de outubro de 1942), a Força Naval do Nordeste (FNNE), sob o Comando do Capitão-de-Mar-e-Guerra Alfredo Carlos SOARES DUTRA (promovido a Contra-Almirante no Comando da FNNE), incorporou inicialmente os cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul, os navios-mineiros Carioca, Caravelas, Camaquan e Cabedelo e os caça-submarinos Guaporé e Gurupi.
Os meios navais disponíveis para o esforço de proteção do tráfego marítimo colocados sob o Comando da Força Naval do Nordeste compreendiam dois cruzadores, com artilharia destinada a ações de superfície, capazes de atacar submarinos quando na superfície e, de alguma forma, inibir e dificultar suas ações. Foram instaladas nos cruzadores calhas de bombas de profundidade, de mesma forma que nas corvetas da classe Carioca, o que os capacitava atacar submarinos em imersão, após detectá-los na superfície. Os caça-submarinos Guaporé e Gurupi, construídos em estaleiro norte-americano por encomenda da Marinha brasileira e logo, no primeiro momento, incorporados à FNNE, dispunham de sonar, de significativa e atualizada aplicação na guerra antissubmarino. Mais tarde, foram incorporados contratorpedeiros da classe Bertioga (destroyers) do mesmo tipo dos também cedidos anteriormente pelos Estados Unidos à Royal Navy
A ameaça dos submarinos alemães e italianos às linhas de comunicações marítimas brasileiras fazia-se predominante no litoral nordeste e no deslocamento até o Caribe. O estágio tecnológico dos submarinos limitava o período de operação submersa e os levava, periodicamente, a navegar na superfície e optar até por ataques nesta condição com o uso de canhões. Para combater estas ameaças, havia que dispor e coordenar capacitações de sistemas de detecção de superfície e submarina e de armamentos específicos.    
Coerente com a posição política maior, desenvolvido com saber e talento, competência e patriotismo, visão da realidade o conceito estratégico naval caracterizou-se pela natureza defensiva e que incluía ações ofensivas para garantir o uso das rotas oceânicas, requisito imprescindível para a manutenção da soberania nacional, sobrevivência econômica e participação com honra e dignidade nas ações de defesa de justo e equilibrado relacionamento internacional.
Rápido e intenso processo de organização da força naval e a difusão e preparo dos procedimentos de coordenação complexa do sistema de comboios por escoltas e navios mercantes comboiados asseguraram condições de proteção do tráfego marítimo do litoral brasileiro a portos do Caribe.  
A Força Naval do Nordeste, com apoio logístico em manutenção e reparos de seus meios pela Base Naval de Natal, de 1942 a 1945, navegando um total de 700.000 milhas marítimas (equivalente a 28 vezes à volta à Terra) realizou 574 operações de comboio envolvendo a proteção de 3.164 navios mercantes de várias nacionalidades. Registra-se que submarinos inimigos lograram atingir neste período três navios em situações cinemáticas inevitáveis. A FNNE, ao longo do conflito, impediu ações contra os navios comboiados, realizando 66 ataques contra submarinos germânicos, número confirmado em registros constantes de documentação histórica da Marinha alemã.
Dois anos após a declaração do estado de beligerância, em dois de julho de 1944, quando o primeiro escalão da heróica Força Expedicionária Brasileira partiu com destino a Nápoles, para projetar a vontade nacional em cenas de histórico heroísmo no teatro de operações europeu, sua escolta entre Rio e Recife foi realizada pelos recém-incorporados contratorpedeiros Marcílio Dias, Mariz e Barros e Greenhagh, construídos no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, em notável esforço industrial.
Tem real valor epopeico a série de feitos heróicos e demonstrações de entrega patriótica, emoldurados por coragem e sacrifícios patrióticos, acima da própria capacidade material disponível, porém municiados na competência e dedicação de brasilidade dos Homens do mar, marinheiros da Marinha Mercante e da Força Naval brasileira, na nobre missão de contribuir para manter a soberania do Brasil e assegurar condições de sobrevivência econômica dependente do uso das rotas marítimas, respondendo a agressões com honra e dignidade. Por real motivação, o lema da Marinha do Brasil: TUDO PELA PÁTRIA.
A História jamais deixará ser esquecido nas brumas do passado o heróico esforço e sempre reconhecerá a patriótica dedicação dos marinheiros brasileiros na epopéia naval da Marinha do Brasil no Atlântico Sul, na Segunda Grande Guerra, a Guerra Mundial.

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