Almirante Arlindo Vianna Filho
“SE VIS PACEM PARA BELLUM”
No início do Século XX, nas
décadas de 20 e 30, logo após a Primeira Grande Guerra, a posição da Delegação
Brasileira na Quarta Conferência Pan-americana, em Santiago do Chile, 1923,
deixava claro a visão político-estratégica do Cenário mundial e que a defesa
nacional, em conflitos que se prenunciavam, é coerente com as premissas do
direito soberano de organizar a defesa dos interesses nacionais e participar de
compromissos regionais.
O desenrolar das posições políticas
planetárias agravava o espectro dos conflitos internacionais. A Liga das
Nações, de crescente inoperância no desenrolar de latentes e evidentes
conflitos de interesses internacionais, mais enfraqueceu com a invasão italiana
da Etiópia, a Guerra civil espanhola (1936 a 1939), a invasão japonesa da
Mongólia (1938), a anexação da Áustria pela Alemanha (1938). Em 1º de setembro
de 1938, a invasão da Polônia pela Alemanha representa o início da que viria a
ser designada pelos historiadores de Segunda Grande Guerra ou Segunda Guerra
Mundial (ou seria a continuação da Guerra 1914-18?). Em 03 de setembro, em
apoio à Polônia, França e Reino Unido declaram guerra à Alemanha. Em 1941, com
a invasão da União Soviética pela Alemanha e os ataques aos Estados Unidos e
Austrália pelos japoneses a guerra se tornou global
Neste contexto conjuntural, permeado
por hipóteses de conflitos, os estrategistas navais brasileiros contribuíram
para a elaboração e proposição de programas ministeriais de aparelhamento
adequado das forças navais, coerentes com a realidade da política externa e dimensão
dos recursos financeiros. Datam deste período os programas navais do Ministro
Almirante Gomes Pereira (1919), e do Ministro Alexandrino (1923). Na sequência,
os programas do Ministro Protógenes Guimarães (1932) e a revisão programática
realizada pela administração Guillem.
Tais programas navais, elaborados
com saber político-estratégico e conhecimentos profissionais, ancorados em
indiscutíveis constatações, análises profundas e conclusões, corresponderam,
sempre, à argumentação patriótica de Protógenes Guimarães: “estávamos em uma encruzilhada: ou fazemos renascer o Poder Naval sob
bases permanentes ou nos resignamos a ostentar nossa fraqueza provocadora, a
nossa ingênua pretensão de manter brasileiros os oito milhões de quilômetros
quadrados de solo, diante de um mundo sequioso e considerando valores
exclusivos a competência e a coragem”.
É histórico que a realidade
política interna e os constrangimentos dos recursos financeiros frustraram os
programas navais. Entretanto, é dever observar, com justo orgulho do
patriotismo, do nível profissional naval, da dedicação e da exata compreensão
da relevância institucional que, mesmo à míngua de recursos, preterida por
vezes por visões menores, ameaçada pela obsolescência e decrepitude de seus
meios, a Marinha do Brasil mantinha, abnegadamente, a eficácia possível na
manutenção dos meios navais disponíveis. É que, de forma análoga à que os mares
continuam seu trabalho incessante quando a terra adormece, os homens do mar
seguem diligentes e atentos, mesmo quando visões telúricas percebem pouco além
dos horizontes.
Em cenário de crescente desenvolvimento
tecnológico, novos e eficazes meios navais, como submarinos, aeronaves e
sistemas de detecção, modificavam o balanço dos poderes navais e exigiam
profundos estudos e evoluções das estratégias básicas e das táticas navais. Na
evidência que “a utilização das linhas de comunicações marítimas se fazia cada
vez mais imprescindível ao intercâmbio entre as nações e, em decorrência, ao
desenvolvimento e, mesmo, à sobrevivência da soberania nacional”, a Marinha do
Brasil, em seu planejamento estratégico, priorizava hipóteses de conflito nas
quais, em antagonismos extra-regionais, delineava-se a necessidade de, patriótica
e prudentemente, ampliar e desenvolver conceitos de emprego do poder naval que
possibilitasse, por exemplo com a utilização de comboios, patrulha naval em
áreas sensíveis e eventuais escoltas a navios isolados; proteger, defender e
manter o tráfego marítimo vital e essencial à economia nacional.
CAMPANHA NAVAL BRASILEIRA NO ATLÂNTICO SUL
A máxima “se vis pacem para bellum” e a responsabilidade em precaver e
inibir intenções subjacentes de atos previsíveis contra a soberania e a
segurança nacionais incluiu no Brasil, desde logo, a ocupação militar pela
Marinha do Brasil da Ilha de Trindade, e a 15 de abril a escolta de comboio
marítimo que transportou pessoal e material do Exército brasileiro para
guarnecer Fernando de Noronha.
As primeiras agressões que a
soberania e a neutralidade brasileiras sofreram foram no mar. De 16 de
fevereiro de 1942, com o torpedeamento do navio mercante BUARQUE, até 19 de
agosto foram postos a pique por submarinos alemães e italianos operando nas
rotas do Atlântico Sul, entre Santos, Salvador, Recife, Natal e Trinidad, dezoito navios mercantes brasileiros.
A 22 de agosto de 1942, o Governo do Brasil
reconhece o Estado de Beligerância. A 31 de agosto de 1942 a nação se declara
em Estado de Guerra contra a Alemanha, Itália e Japão.
A Nação em guerra ─ decisão política para manter o
Brasil soberano e digno, responder às agressões, honrar compromissos com
princípios de Nação independente e participar do esforço aliado contra
inaceitáveis ambições de expansionismo com afronta bélica ao respeito mútuo
internacional ─ correspondeu à adoção de ações enérgicas do Estado para
garantir os legítimos interesses brasileiros ameaçados.
No mesmo dia 31 de agosto, quando o Governo
brasileiro declarou o Estado de Guerra, a Marinha do Brasil imediatamente
evoluiu da estrutura organizacional de situação de paz e neutralidade para
estrutura de guerra, reunindo meios navais em Comandos operativos, estes
diretamente apoiados com recursos logísticos. Imediatamente ativada com apoio
logístico da Base Naval de Natal (institucionalizada pelo Aviso
Ministerial Nº 1661, de 05 de outubro de 1942), a Força Naval do Nordeste (FNNE), sob o Comando do
Capitão-de-Mar-e-Guerra Alfredo Carlos SOARES DUTRA (promovido a
Contra-Almirante no Comando da FNNE),
incorporou inicialmente os cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul, os
navios-mineiros Carioca, Caravelas, Camaquan e Cabedelo e os caça-submarinos Guaporé
e Gurupi.
Os meios navais disponíveis para o esforço de
proteção do tráfego marítimo colocados sob o Comando da Força Naval do Nordeste compreendiam dois cruzadores, com
artilharia destinada a ações de superfície, capazes de atacar submarinos quando
na superfície e, de alguma forma, inibir e dificultar suas ações. Foram
instaladas nos cruzadores calhas de bombas de profundidade, de mesma forma que nas
corvetas da classe Carioca, o que os
capacitava atacar submarinos em imersão, após detectá-los na superfície. Os
caça-submarinos Guaporé e Gurupi, construídos em estaleiro norte-americano por encomenda da Marinha
brasileira e logo, no primeiro momento, incorporados à FNNE, dispunham de sonar, de significativa e atualizada aplicação
na guerra antissubmarino. Mais tarde, foram incorporados contratorpedeiros da
classe Bertioga (destroyers) do mesmo
tipo dos também cedidos anteriormente pelos Estados Unidos à Royal Navy
A ameaça dos
submarinos alemães e italianos às linhas de comunicações marítimas brasileiras
fazia-se predominante no litoral nordeste e no deslocamento até o Caribe. O
estágio tecnológico dos submarinos limitava o período de operação submersa e os
levava, periodicamente, a navegar na superfície e optar até por ataques nesta
condição com o uso de canhões. Para combater estas ameaças, havia que dispor e
coordenar capacitações de sistemas de detecção de superfície e submarina e de
armamentos específicos.
Coerente com a posição política maior, desenvolvido
com saber e talento, competência e patriotismo, visão da realidade o conceito
estratégico naval caracterizou-se pela natureza defensiva e que incluía ações
ofensivas para garantir o uso das rotas oceânicas, requisito imprescindível
para a manutenção da soberania nacional, sobrevivência econômica e participação
com honra e dignidade nas ações de defesa de justo e equilibrado relacionamento
internacional.
Rápido e intenso processo de organização da força
naval e a difusão e preparo dos procedimentos de coordenação complexa do
sistema de comboios por escoltas e navios mercantes comboiados asseguraram
condições de proteção do tráfego marítimo do litoral brasileiro a portos do
Caribe.
A Força
Naval do Nordeste, com apoio logístico em manutenção e reparos de seus
meios pela Base Naval de Natal, de
1942 a 1945, navegando um total de 700.000 milhas marítimas (equivalente a 28
vezes à volta à Terra) realizou 574 operações de comboio envolvendo a proteção
de 3.164 navios mercantes de várias nacionalidades. Registra-se que submarinos
inimigos lograram atingir neste período três navios em situações cinemáticas
inevitáveis. A FNNE, ao longo do
conflito, impediu ações contra os navios comboiados, realizando 66 ataques contra
submarinos germânicos, número confirmado em registros constantes de
documentação histórica da Marinha alemã.
Dois anos após a declaração do
estado de beligerância, em dois de julho de 1944, quando o primeiro escalão da
heróica Força Expedicionária Brasileira
partiu com destino a Nápoles, para projetar a vontade nacional em cenas de
histórico heroísmo no teatro de operações europeu, sua escolta entre Rio e
Recife foi realizada pelos recém-incorporados contratorpedeiros Marcílio
Dias, Mariz e Barros e Greenhagh, construídos no Arsenal de Marinha do
Rio de Janeiro, em notável esforço industrial.
Tem real valor epopeico a série de feitos heróicos
e demonstrações de entrega patriótica, emoldurados por coragem e sacrifícios
patrióticos, acima da própria capacidade material disponível, porém municiados
na competência e dedicação de brasilidade dos Homens do mar, marinheiros da Marinha Mercante e da Força Naval brasileira, na nobre missão
de contribuir para manter a soberania do Brasil e assegurar condições de
sobrevivência econômica dependente do uso das rotas marítimas, respondendo a
agressões com honra e dignidade. Por real motivação, o lema da Marinha do
Brasil: TUDO PELA PÁTRIA.
A História jamais deixará ser
esquecido nas brumas do passado o heróico esforço e sempre reconhecerá a
patriótica dedicação dos marinheiros brasileiros na epopéia naval da Marinha do
Brasil no Atlântico Sul, na Segunda Grande Guerra, a Guerra Mundial.
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