Adriano Benayon *
O caso da Grécia ajuda
a compreender o desafio que o Brasil terá de enfrentar.
2. Como salienta a
auditora Maria Lucia Fattorelli, que prestou inestimável colaboração ao
Parlamento grego no exame da dívida pública daquele país, ele vem sendo
sangrado, há anos, pelo sistema da dívida, governado por grandes bancos de
âmbito mundial.
3. Só de 2010 ao
presente, a renda nacional da Grécia foi reduzida em 30%, os salários caíram
nessa proporção, os pensionistas perderam mais de 50%. O desemprego passa dos 27% e atinge mais de 60%
entre os jovens.
4. Mesmo tendo o povo
rejeitado, em plebiscito, o mais recente programa dos “credores”, e tendo o
Parlamento mostrado à nação as ilegalidades e fraudes originadoras da maior
parte da dívida, faltou coragem ao governo do Syriza para desistir de mais um
acordo com a União Europeia.
5. Entretanto, esse
acordo dará prosseguimento à destruição econômica e social do país. Trata-se de
um terceiro programa de “resgate”, na realidade, de arrocho com calendários de
curto prazo.
6. Até quarta-feira
(15), o Parlamento grego tem que aprovar mais aumentos de impostos e reformar o
sistema de pensões. Só depois disso, os ditadores da União Europeia (Alemanha e
França), autorizarão negociar um memorando de entendimento com Atenas.
7. Até outubro, as
autoridades gregas têm que implementar mais reformas nas pensões e zerar o
déficit, além de cumprir programa de privatizações. Também, alterar as relações
de trabalho, facilitando as demissões.
Em suma, elevar as doses dos “remédios” que têm arruinado a saúde do
paciente.
8. A mensagem está
claríssima. A tirania financeira mundial não tolera qualquer medida dos países
envolvidos pelo sistema da dívida, em defesa de suas economias e de seus povos,
por mais moderada que seja: eles são pressionados a enredar-se, cada vez mais,
na armadilha financeira.
9. Pergunto-me por que motivo, afora a corrupção – que jogou papel importante na passividade de
muitos de seus antecessores - o atual
governo grego se curvou às imposições do Banco Central Europeu, FMI e tiranos
da União Europeia, entidade gradualmente moldada pela oligarquia financeira
angloamericana, para subordinar os países da Europa continental.
10. Suponho que as
causas sejam os temores de: a) sanções por parte da Alemanha, da França e
associados, os maiores importadores das
produções primárias e origem do grosso do turismo, as duas principais fontes de
divisas da Grécia; b) corte do crédito
por parte do sistema financeiro internacional e congelamento de fundos
depositados no exterior, além de arresto de bens.
11. Não se podem
comparar as dimensões, nem as dotações de recursos naturais do Brasil e da
Grécia. O Brasil poderia até beneficiar-se das sanções a que estaria sujeito,
em caso de cumprir a cláusula da independência, evidentemente superior à
própria Constituição (que também a proclama, embora ignorada na prática).
12. Antes, deve ficar
claro que, sem autonomia nacional, não há a menor possibilidade de evitar a
ruína, que avança a passos largos em nosso País.
13. A soberania vem
sendo, há decênios, preterida pelas “boas relações” com as potências imperiais
e pela subordinação da política econômica ao sistema financeiro, comandado pelo
eixo Londres-Nova York e operado nessas praças e nas offshore, sob controle
delas.
14. É de notar,
ademais, o espantoso grau dessa subordinação, que supera, em muito, a existente
até em países de menor dimensão e aparentemente mais frágeis que o Brasil.
15. Haja vista, entre
os exemplos mais notáveis, as
estratosféricas taxas de juros aqui praticadas:
a) as que, compostas,
estão levando a dívida pública brasileira a mais crises conducentes a ainda
mais vergonhosas abdicações de soberania e a perda de substância econômica;
b) as impostas a
empresas nacionais atuantes na produção e a pessoas físicas dependentes de seu
trabalho, taxas, como se sabe, grandes múltiplos daquelas, mais que absurda
16. Duas premissas têm
de sustentar uma análise realista:
1) o truculento sistema da dívida não faz
concessões aos que nele se enredam: as ameaças, pressões e sanções são
manipuladas de forma a obrigá-los a subscrever os “acordos” praticamente por
inteiro;
2) portanto, tentativas de atenuar as penosas
condições a que os “devedores” são submetidos, são reprimidas do mesmo modo que
seriam medidas capazes de, a médio e longo prazos, liberá-los do crônico
enfraquecimento a que vem sendo forçados.
17. Apesar de a
presidente ter reduzido os já deprimidos investimentos federais e elevado os já
inadmissivelmente altos ganhos dos concentradores financeiros, estes e seus
mentores da oligarquia angloamericana não estão satisfeitos e usam seus
diversos instrumentos de pressão política para desestabilizar e derrubar o
governo.
18. Está claro que as potências imperiais e seus
vassalos brasileiros não toleram mudanças na política econômica nos últimos 61
anos, por mais modestas que sejam. Ao contrário, só admitem radicalizá-la, o
que implica levar o País à miséria, intensificando-se a desnacionalização e a
desindustrialização da economia.
19. Portanto, se quiser
ter alguma chance de, um dia, encontrar o desenvolvimento, o Brasil terá de
adotar, desde já, políticas, por completo, diferentes das que têm prevalecido.
20. Por exemplo,
reduzir a taxa de juros dos títulos públicos em 2 pontos percentuais, já
escandalizaria a grande mídia e os acadêmicos que papagueiam doutrinas
econômicas inaplicáveis aos contextos reais.
21. O que se deve
fazer, em lugar disso, é diminuir essas taxas em 15 pontos percentuais (cerca
de 17% aa. para 2% aa.). Sobre a dívida interna bruta de R$ 3,3 trilhões, isso
significa economizar R$ 500 bilhões anuais, quantia equivalente a 10% do PIB.
22. Vale lembrar que os
defensores do arrocho gerido pelo ministro da Fazenda e Banco Central alegam
que ele fará economizar entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões.
23. Além disso, esses
cortes têm efeito multiplicador negativo, por implicar redução de investimentos
e de despesas, enquanto o dinheiro poupado com o estéril gasto financeiro da
dívida pública poderia ser investido produtivamente, com apreciável geração de
receitas adicionais.
24. A sensível redução
dos juros é também indispensável por ser o único meio de evitar a capitalização
deles, o fator determinante do crescimento exponencial da dívida pública.
25. Mas, para fazer o serviço completo nessa
área, há que suprimir artigos lesivos ao País da falsa Constituição “cidadã”,
de 1988, a começar pelo de nº 164, que usurpa do Tesouro Nacional o direito de
emitir moeda e o confere exclusivamente ao Banco Central. Pior, ao proibir que
este financie o poder público, o submete à agiotagem dos bancos privados.
26. É também espantoso
que a Lei 4.595, de 31.12.1964, tenha sido recepcionada pela Constituição, como
Lei complementar, e continue sendo o arcabouço do sistema financeiro do País,
tendo sido elaborada sob medida para os interesses dos bancos concentradores.
Há que fazer outra sob princípios bem diferentes.
27. Essas são algumas
das medidas de que o País precisa, a fim de realizar políticas macroeconômicas
decentes, devendo-se também enunciar a reformulação completa das estruturas
microeconômicas, sem as quais aquelas de pouco valem.
28. Ou seja: novas
políticas industrial, tecnológica, de serviços e dos mercados, afora
infraestruturas econômicas e sociais compatíveis com tais estruturas, livres
das garras dos carteis e abertas à concorrência dos produtores.
29. Claro que a defesa
nacional deve ser uma das prioridades, em interação com a indústria voltada
para o bem-estar e para o progresso técnico.
Tudo isso exige administrações civil e militar inspiradas em valores elevados e
conscientes de que a solidariedade nacional tem de prevalecer sobre ambições
pecuniárias e de poder.
30. Em tal sistema, o
mérito, não só intelectual, é aferido desde as primeiras letras, e o importante
setor estatal tem de ser administrado de modo que os equipamentos e empresas
estatais estejam a serviço da sociedade em seu conjunto e, portanto, não sejam
objeto de comércio.
* - Adriano Benayon é
doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização
versus Desenvolvimento
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