quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Parlamento digital: a implosão da “espiral do silêncio”


Aylê-Salassié F. Quintão

                           Se cada  cidadão repassar esta  mensagem para vinte pessoas, em três dias  a maioria dos brasileiros tomará conhecimento do seu conteúdo.
Representado por 80 milhões de brasileiros conectados em rede,  o Parlamento Digital, reúne-se neste próximo domingo (16)  nas ruas das grandes cidades e no amplo espaço virtual brasileiro,  com a finalidade de reivindicar rumos novos para o País. Aparentemente, há uma grande desilusão com a política, com os políticos e com o próprio governo analógico. Será, por isso, uma manifestação das minorias silenciadas pelos excessos retóricos hegemônicos.
Atuando autônomo e independentemente, o Parlamento Digital, cuja estrutura se faz presente nas redes sociais - Linkeden, Twitter, Facebook,  App.net, Identi.ca etc.- configura um poder inusitado do cidadão, com potencial para cobrar a  solução de problemas que o aflige  no cotidiano. Nos Estados Unidos e na Europa, em 2013, o fechamento da Wall Street, a discussão da Constituição na Islândia e até a Primavera Árabe , no norte da África mudaram os rumos de políticas, governos e governantes.
À semelhança daqueles movimentos, no Brasil, em junho/julho do mesmo ano, mais de 10 milhões de pessoas saíram às ruas movidas eletronicamente, pelos celulares, para expressar sua indignação com os rumos dados para as políticas públicas. Ao abrigo das redes sociais, milhares de opiniões solitárias, inibidas no contexto político, explodiram do seu silêncio , e fizeram opiniões pessoais ganhar  adesões e   inspirar tomadas de posição coletivas para contestar  a conjuntura .
A preocupação com a reunião do Parlamento Digital no domingo, 16, está fazendo emergir uma pauta preventiva dentro do Governo, que , até agora, parecia anestesiado pelas condições políticas e econômicas adversas ,criadas por eles mesmo, contaminando toda a sociedade.   Aqui e ali, cresce nos últimos dias o número de analistas e avaliações sobre as tendências das manifestações, que deverão ir às ruas reivindicar ,  denunciar ou condenar  os programas e iniciativas políticas e partidárias. 
 
É difícil localizar os agentes dessa grande trama social, porque  esses cidadãos estão incrustadas em empresas, em governos, partidos, grupos sociais, tribos, clubes e até em escolas de nível médio. Pior é que dificilmente abandonarão suas posições individuais, atraídos pela possibilidade de coletivizá-las. Os políticos tentam atrair a atenção dos manifestantes para o processo legislativo formal, e assim imobilizar ações sociais emergentes. Contudo, sabe-se que 50%  dos internautas são hoje pessoas politizadas. As tecnologias ampliaram o poder de cada indivíduo, permitindo gerar   correntes intermináveis de solidariedade.   
As ruas sabem que qualquer sugestão legislativa da sociedade civil para ter encaminhamento no Congresso precisa de 1,3 milhão de assinaturas, e só tramitam   via parlamentares. O projeto Ficha Limpa foi contornado,   esvaziado e praticamente ignorado na sociedade política.O Congresso tornou-se o “não-lugar” da representação dos brasileiros.   Daí , essa reunião inspirada nas frustrações de cada sujeito ignorado por eles.
Os cidadãos estão procurando no mundo digital a recuperação do Poder que a natureza lhes outorgou,  e os políticos usurparam.  Laços  eletrônicos  interativos vão se estabelecendo. Com ações mobilizadoras,  em tempo real e no espaço virtual, abre-se a possibilidade de serem   provocadas enormes   rupturas   nos modelos institucionais, sem a interferência de ideologias ou partidos.Age-se anônima, espontânea e independentemente .
A explosão do indivíduo parece acionada por  uma espécie de libido social. Desperta os cidadãos da  letargia do seu silêncio, para decidir , em espiral, por conta própria, situações que afetam o seu cotidiano. As redes aglutinam pessoas em torno de aparentes micro-causas, demonstrando uma enorme eficiência. Para os políticos tradicionais, parece aterrorizante esse mundo da Midiosfera (Morin, 2005),  que desvenda e emula corações e mentes.
O nome Parlamento Digital (Quintão,2005)nada tem a ver com o do Parlamento convencional. Começa por sugerir distâncias cada vez maiores entre a sociedade civil não organizada e a sociedade política e mesmo os sindicatos. Mas, não é uma questão apenas de mudança de palco, “mas de afeto, de contaminação, de potência coletiva” (Pelbart,2013). Há um destravamento da imaginação política. O locus das forças  rupturais desloca-se dos espaços analógicos e institucionais para os imaginários e digitais em rede, descolando da prática política tradicional. São milhões de anônimos transitando inconformados pelas redes. Os atuais políticos não parecem compreender, e sequer têm resposta para as demandas sociais represadas .
Forças armadas digitais, governos digitais, eleições digitais,   livros digitais, ciências digitais, comércio digital, igreja digital,  jornais e tvs digitais. Ora, porque não Parlamento Digital ? Trata-se de um organismo vivo sem forma, viralmente convergente, democrático, movido digitalmente, e com capacidade de mobilização capaz de alterar o  status institucional de um País.

 *Jornalista, professor, Doutor em História Cultural.

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