Alguém acredita que um tribunal
superior, cujos juízes são nomeados pelo Presidente da República, possa algum
dia julgar ou permitir o julgamento e a condenação de quem os nomeou, como é o
caso do Supremo Tribunal Federal –STF- no Brasil?
A questão se coloca desta vez com
base na solicitação feita pela Polícia Federal ao Supremo Tribunal Federal para
ouvir o ex-presidente Lula no âmbito da “Operação Lava-Jato”, como ”informante”,
poupado de ser considerado “depoente”.
Em princípio, haveria restrições
a essa convocação, com base na Constituição Federal, que estabelece: “§ 4º O Presidente da República, na vigência
de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício
de suas funções”.
Este artigo, a meu ver, não inibe
a convocação de Lula, mas, também, não torna explícita a vedação do ato. Creio
que Lula vem sendo blindado mesmo por razões políticas, e mais ainda: O
Corporativismo político, que é muito forte no Brasil.
O impeachment do presidente Fernando Collor, em 1994, mostrou que o
STF inocentou com voto da maioria (cinco contra três) o Presidente, mas até
quem tinha sido nomeado por ele, como o ministro Carlos Velloso, votou pela
condenação. Muito se critica a nomeação dos membros do STF pelo Presidente da
República - que é o Supremo Magistrado do País -, mas não se tem comprovado que
o ministro nomeado deixe de atuar com a isenção que se exige de um juiz.
A situação atual de composição do
STF revela que só três dos onze ministros não foram nomeados pelos presidentes
Lula e Dilma Rousseff: José Celso de Mello Filho (Sarney), Marco Aurélio Mendes
de Farias Mello (Collor) e Gilmar Ferreira Mendes (Fernando Henrique). Em tese,
os ex-presidentes Sarney, Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso e
Luiz Inácio Lula da Silva, e a Presidenta Dilma Rousseff, são os compositores
do atual STF.
Lula e Dilma são visceralmente
unidos politicamente; FHC e Collor compactuaram com muita coisa que a coalizão
governamental PMDB/PT praticou, em nome da governabilidade. A oposição do tucano
Aécio foi milimetricamente combinada com a manutenção do status quo na última
disputa presidencial, porque há consenso entre Situação e Oposição de que o
Brasil não resistiria a uma ruptura político-institucional que afugentasse os
investidores, da mesma forma como ainda há importantes bolsões do sistema
político brasileiro que não admitem o impeachment
de Dilma, embora a atual Presidenta disponha de pouco apoio popular. Ocupando a
cimeira do condomínio político em que se transformou o Brasil, o PMDB não quer
saber de contrariar interesses econômicos e financeiros nacionais e
internacionais.
Lula já teria que ser interrogado
sobre o processo do Mensalão, que foi a compra de votos do Congresso Nacional
através de um esquema de propinas articulado pelo seu chefe do Gabinete Civil,
José Dirceu, também um dos mentores do esquema de corrupção na Petrobrás
apurado pela “Operação Lava Jato”.
Lula segue ileso, assim como
Dilma, que foi naquele período ministra das Minas e Energia e presidiu o conselho da estatal.
Mas a Oposição sabia de tudo que estava acontecendo, e, de certa forma, foi
conivente, porque não há nada no céu e na terra da política que não esteja sob a percepção
de quem participa direta ou indiretamente do poder. E os políticos mais poderosos, com raras
exceções, jogam corporativamente, acreditando, nesses tempos de miscelânea
ideológica, que a ética de resultados e a única que existe na política.
Não é só no Brasil, mas no mundo
inteiro, que acontece esse declínio da valorização do bem comum. Ouvi uma
entrevista do ex-ministro Delfim Netto, na TV BANDEIRANTES, em que ele louva o
aperfeiçoamento das instituições policiais e de fiscalização do Estado (Polícia
Federal, Procuradoria Geral da República, Procuradorias Estaduais, etc.) em
benefício do aperfeiçoamento democrático e atribui esse fenômeno hodierno ao
sufrágio universal.
Segundo o ex-ministro, com esse
aperfeiçoamento democrático, os mecanismos de combate à corrupção se tornam
mais eficazes e, evidentemente, muitos criminosos são descobertos e punidos.
Penso contrariamente ao Ministro.
O sufrágio universal realmente aprimora a democracia, mas o bem comum a ser
visado sofre com a precariedade do planejamento estatal, em muito condicionado
à aprovação de um povo, como no Brasil, com baixa educação política e sem condição
de maior participação na formulação e execução das políticas públicas. Assim,
as elites reforçam cada vez mais seu papel de protagonismo com exclusão da não-
elite do processo de decisão e execução políticas.
Stanislaw Ponte Preta dizia: “Restaure-se a moralidade ou nos locupletemos
todos”. No Brasil atual, percebe-se o valor de tal proposta, no sentido
negativo de locupletacão geral na política, com a prevalência da ética de
resultados. O Corporativismo na política é um fato comum e até natural no
Brasil. Conheço diversos trabalhos acadêmicos sobre o assunto e pude observar
de perto e constatar , durante décadas, essa realidade.
O Corporativismo é uma
instituição sólida e universal, que rege de fato os poderes no Brasil e em muitos
países de democracia em consolidação. Como doutrina, segundo consta na Wikipédia, “considera os agrupamentos profissionais como uma estrutura fundamental
da organização política, econômica e social e preconiza a concentração das
classes produtoras em forma de corporações tuteladas pelo Estado.”Como prática desta doutrina, consiste na defesa dos próprios
interesses profissionais por parte de uma categoria funcional; espírito de
corpo ou de grupo.”
O regime Salazarista que vigorou em Portugal de 1933 até à revolução de
25 de Abril de 1974 era expressamente corporativista. Também no Brasil, entre
os anos de 1930-45, sob a liderança do presidente Getúlio Vargas implantou-se
um modelo corporativo de Estado, o chamado Estado Novo, sendo a sua legislação
trabalhista claramente calcada na "Carta del Lavoro" de Mussolini. De
igual forma, muitos outros países, tais como a França sob o governo do Marechal
Pétain (1940-1945), a Argentina sob Juan Domingo Perón (1943-1952), o México
sob Lázaro Cárdenas (1934-1940) e a Espanha do Generalíssimo Franco (1939-1973)
estabeleceram uma imensa quantidade de leis e organizações inspiradas do
ideário corporativista.
Como doutrina, ideologia ou
ciência, o Corporativismo ganhou força no Brasil por influência das
características políticas autoritárias ibéricas, tais como o Patrimonialismo, o
Cartorialismo e o Autoritarismo. Democracia nunca foi mais importante do que o Liberalismo para a Monarquia e o Império do Brasil, que determinava Liberalismo, ainda que sem Democracia.
Hoje, no Congresso Nacional, é visível o
fatiamento do poder legislativo em “bancadas” de ordem religiosa, econômica,
financeira, etc. Assim, os ruralistas são numerosos, como os evangélicos, os
profissionais da saúde, os juristas, os militares e forças auxiliares
(policiais civis e militares e bombeiros). Todos se unem dentro dos seus
interesses acima dos ideais partidários para garantir verbas orçamentárias e a
aprovação de projetos em favor das respectivas classes.
Esse Corporativismo está acima
dos programas partidários e das ideologias, podendo entrar em choque com o
Capitalismo e o próprio Socialismo, pois é útil ao Estado, com este servindo-se
e manipulando as classes profissionais e representativas, inclusive os
sindicatos, como se pode constatar facilmente pela tutela exercida abertamente
pelo Governo sobre os movimentos sindicais, proporcionando a estes polpudas
verbas que podem ser gastas sem prestação legal de contas. É sólido também para
os grupos que conquistam e mantém o poder, seja pela via autoritária, seja pela
via democrática.
O PMDB é o partido das
empreiteiras, que dominam as rédeas políticas do Brasil moderno. O PT, partido
da coalizão de governo, representa os interesses da classe trabalhadora
privada; o PSDB representa o socialismo democrático; o PDT a democracia
trabalhista; o PP o empresariado de direita; o PTB a vertente de centro do
trabalhismo, o Democratas as correntes liberais, etc. Assim, as próprias
bandeiras partidárias se confundem no Brasil com os interesses das classes, o que não
ocorre em países de democracia madura, com poucos partidos, como a Inglaterra e a Alemanha Federal.
Unidos visceralmente na política,
Sarney, Lula e Dilma, Fernando Henrique e Collor, e seus apaniguados representam o Corporativismo
reinante na política brasileira e que se impõe acima das leis e dos tribunais.
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