Ayle-Salassié F. Quintão*
O Brasil retorna à globalização pela porta dos fundos . Cerca de 47 mil homens fazendo a segurança só em pontos estratégicos do Rio de Janeiro, sem contar a quantidade enorme de policiais das delegações de quase 100 países. É de assustar. Vai pro brejo aquela imagem de um povo cordial, cativante, hospitaleiro e intrigante, perfil próprio para evento Olímpico, de caráter puramente celebrativo . O brasileiro se descobre repentinamente numa guerra. Até parece que este cenário foi forjado intencionalmente por aqui. Sim, porque o “revolucionário” exército islâmico (EI) caracteriza-se por dois tipos de militância: jovens patologicamente desequilibrados e uma corrente de desempregados.
O esquema de segurança remete aos anos 70. Para qualquer lado que se virasse havia um escuta, um “dedo duro”. Mesmo assim, a ousadia era maior. Acontecia de tudo: assalto a banco, seqüestros de aviões, sabotagens. Mas, hoje, o ministro da Defesa, Raul Jungman, um dos relatores da Lei Antiterrorismo, atribui a violência ao “stress pré-olímpico”, e assim justifica o surgimento desse exército com prerrogativas quase paramilitares. Vi coisas similares em Pequim, em Atenas, em Dakar. Os marginais mais conhecidos e alguns ativistas políticos eram retirados previamente de circulação. Em Pequim, chegaram a deter jornalistas, intelectuais e políticos que gostavam de ver o circo pegar fogo. Certo dia, o hotel foi invadido por uma tropa à busca de nacionalistas tibetanos. Saíram de lá com dois deles arrastados e uma bandeira do movimento de libertação de quase 20 metros. Na Grécia, antes do início dos Jogos, foram registradas várias explosões pelas ruas. De outra feita, em Dakar, acompanhei a profilaxia para o Festival Mundial da Cultura, em que o governo mandou interiorizar os leprosos que viviam nas ruas da capital do Senegal.
Aqui , o país pacífico e tropical “já era”, como diz a minha amiga Marly Gonçalves, lá do blog do Brickmann. Não há espaço mais para ser contra as Olimpíadas. É preciso preocupar agora é com a segurança da população interna que, já mal amparada pela polícia, vai ficar, durante 60 dias, à mercê da bandidagem, banalizada em discursos oficiais e pela mídia. O chargista de um grande jornal, ilustrou, com ironia, um diálogo possível. Ao ser assaltado na rua, o cidadão coagido indagara do ladrão: “Você é só assaltante, não é terrorista, não é?” Os ministros pregam que a força compacta que atuará nas olimpíadas, com prerrogativas repressivas ampliadas, vai servir também de instrumento de dissuasão para os marginais. Que conversa hein! A liberdade agora será quase completa. A lei 13.260/2016 autoriza a detenção do sujeito, desde que identificado como envolvido em “atos preparatórios”. Estão nesse caso, os 12 presos, ingênuos ou não, suspeitos de ligação com o EI . Vão ficar lá apodrecendo até o final dos jogos. Não haverá juiz para mandar soltá-los neste “período de exceção” imposto pelos comitês Olímpico(COI) e Paralímpico (CPB).
A preocupação mesmo é com os viéses do “terror” e a entrada no Brasil, pela “triplíce fronteira”, desses estrangeiros estressados. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, acaba de ter um encontro preventivo com seus pares do Mercosul. O das Relações Exteriores, José Serra, reúne-se com representantes dos países participantes para acertar uma atuação integrada capaz de desestimular possíveis crimes transfronteiriços. Os EUA estão entrando no Brasil com uma tropa de mais de 100 policiais. Inglaterra, França e Alemanha não vão deixar por menos. Haverá um Centro Internacional de Inteligência operando dia e noite no período dos Jogos.
Enfim , o Brasil recupera a inocência perdida, e volta a ser global, pelo menos em matéria de violência explícita. A insegurança interna vai servir de palco para demonstração de como funciona o combate ao terrorismo no mundo, tema que passava já longe dos brasileiros. Com a economia em frangalhos e o descrédito político , voltamos a ser inseridos globalmente pelo terrorismo. Isso poderá vir a ser um legado: há uma mudança de patamar nos sistemas de segurança no planeta. O mundo está se integrando pela violência ou o seu combate. Até aqui o Brasil permanecia fora dessa inter relação. Agora, é inevitável nossa projeção global.
Na realidade, o Brasil não teria tanto a oferecer para os terroristas não fosse por sediar os Jogos Olímpicos de 2016, palco privilegiado para quem procura os 15 minutos de fama. Cabe todo tipo de ação destinada a alcançar um apelo global e instantâneo. Serão mais de 10 mil jornalistas, representando 30 a 40 mil meios de comunicação no mundo: conexão total. O espetaculoso esquema de segurança dos Jogos poderá empalidecer a realização do próprio evento, a imagem do Brasil com um país cordial e até o Rio de Janeiro como paradisíaco. Assim, o que vier de lucro vai custar muito caro. É mesmo uma oportunidade com o máximo de risco, tanto interno quanto externo. Para o Brasil vir continuar a ser visto como o País do futuro, vai ser preciso encontrar uma nova fórmula de preservação do mito que se desintegra: só isso nos salvará.
*Jornalista, professor. Doutor em História Cultural
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