A população do Pará disse um “não” às oligarquias e um “sim” à democracia, ao rejeitar, por 67% dos votos, no plebiscito do último domingo, a divisão do estado em três: Pará, Carajás e Tapajós. Pesquisa da Datafolha, na véspera do plebiscito, antecipara o resultado de apenas 33% de aprovação e 58% de rejeição, sendo que esse último número subiu para 67% na apuração final.
Se a divisão fosse aprovada, seria o início de um processo de redivisão territorial do Brasil que culminaria no controle do Senado Federal pelas oligarquias do Norte/Nordeste/Centro-Oeste, criando um novo pólo de poder administrativo unicameral de fato, pois os próximos presidentes praticamente governariam por intermédio do Senado, que representa as unidades federativas, e não da Câmara dos Deputados, que representa o povo.
Essa divisão do Pará, contudo, é um teste importante, um “balão-de-ensaio”, para a votação de projetos no Congresso Nacional criando mais seis estados e três territórios. Afirma-se que a estratégia de unificação da campanha, adotada pelo publicitário Duda Mendonça, é a causa da rejeição da divisão paraense pela população. Ou seja, se a campanha para criação do Carajás e do Tapajós fosse separada, o resultado seria outro.
Evidentemente, os erros cometidos agora não se repetirão em possíveis novos plebiscitos sobre a redivisão territorial, ainda mais estando em jogo interesses do poder central do País, que, no momento, passa por um processo de concentração – o que Golbery denominava “sístole”, metáfora com o processo cardíaco, quando o coração se contrai para liberar o sangue.
Essa “diástole” aparente (quando o coração se descontrai), que á a criação de novos estados, abriria caminho para a maior concentração de poder político já vista na história do Brasil, no período republicano, pois o bicameralismo atual passaria a ser de fachada, com o Senado dando as cartas e o povo (a Câmara dos Deputados) endossando.
Algum anjo da democracia andou sobrevoando o estado do Pará e iluminando a população sobre a conseqüência de aprovação da proposta. Não tenho dúvidas, as cartas estavam lançadas e, a qualquer momento, voltarão à mesa, porque a tentação pelo poder é grande...
Na área acadêmica, no estudo dos mecanismos da democracia direta – plebiscito, referendo, voto destituinte, “recall”, etc., impera certo ceticismo quanto à eficácia democrática do emprego desses mecanismos em países sem tradição democrática, como o Brasil, onde a manipulação pelos donos do poder é mais atrativa.
Na enquete que esse blog realizou, a democracia brasileira chegou a ser qualificada de relativa, mínima e até periclitante. Nos cantões suíços, onde tais mecanismos são empregados com rigor, o risco de manipulação é o mínimo, até mesmo em prol da memória do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, o defensor original da democracia direta que se praticava na Grécia e Roma antigas.
Se os paraenses votaram conscientes ou não das conseqüências da divisão para a democracia brasileira, ou se votaram por instinto de defesa contra o pauperismo a que ficariam relegados o Pará e o Tapajós,são “outros trezentos” - como se diz na linguagem vulgar -, mas o fato é que votaram como cidadãos suíços.
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