terça-feira, 8 de maio de 2012

Terrorismo: Reflexões Morais, Sociológicas, Culturais e Políticas


É preciso definir a abordagem que se quer dar ao tema “Terrorismo”, antes de tentar tipificá-lo por legislação, como se cogita atualmente no Brasil.

A Organização das Nações Unidas considera o terrorismo como crime comum, e não de natureza política, o que não permite o asilo, mas, sim, a extradição, mas, a União Européia vê o ato como intencional e doloso, abrindo espaço para que, no ordenamento jurídico de vários países, como a França, Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e Estados Unidos, as tipificações sejam muito semelhantes, variando apenas nas tentativas de classificação do ato com base no grau de violência empregado, nos instrumentos utilizados e na gravidade do dano que pode causar ou causa.

As conceituações existentes no formalismo jurídico, no direito consuetudinário e nos dicionários do mundo inteiro e as elaboradas reflexivamente por pensadores, escritores, filósofos, sociólogos, cientistas políticos, militares, políticos, juristas e outros estudiosos convergem para “imposição da vontade individual ou coletiva e do poder pelo uso sistemático do medo.” Assim é que tem sido a partir do termo “terror”, cunhado para se denominar a segunda fase da Revolução Francesa.

Claramente, os princípios morais e éticos civilizatórios indicam que o terrorismo é inaceitável e injustificável, mas a História indica que nenhuma vertente do Direito ou código religioso foi capaz de conter a violência humana potencialmente disruptiva.

Quando se trata, porém, de uma sociedade, como a brasileira, praticamente desprovida de uma legislação preventiva e punitiva do ato terrorista, a começar pela própria Constituição, entendo como necessário que se analisem os aspectos culturais intrínsecos a essa matéria. A cultura seria o referencial de análise.

O Brasil, com a sua diversidade cultural, requer que se desça às minúcias comportamentais do seu povo em todas as suas regiões, com clivagens dos períodos colonial, monárquico-imperial e republicano. Eis aí uma abordagem histórico-política, que não é a ideal. Afinal, terrorismo é assunto da Polemologia, o estudo dos fenômenos conflitivos, e também objeto da Teoria dos Conflitos e da Teoria dos Jogos, na Ciência Política.

Sob o aspecto de uma eventual abordagem sociológica, centrada na miscigenação racial ou étnica, também carece de melhor funcionalidade, pois faltará o elemento básico de análise: A estratificação social, que ainda não se consolidou no Brasil.

Se for uma abordagem econômica, com incursão no sistema produtivo colonialista, na exploração de mão-de-obra escrava e na atual dependência excessiva do país em relação ao capital internacional e ao fornecimento de matérias-primas, ficará diluída nas características atuais do mundo global, onde aspectos culturais são recalcados em nome do mercado.

Quando menciono aspectos culturais intrínsecos, quero me referir aos graus de percepção do que seja terrorismo e de reação aos mesmos pela sociedade. Há uma clara relação entre a consciência do medo e a tolerância ou reação ao ato. Tomemos alguns exemplos emblemáticos.

O cangaceiro “Lampião”, com toda a sua crueldade, é um mito admirado e cultivado em muitas regiões brasileiras, principalmente no Nordeste, reproduzido pelo inconsciente coletivo tanto quanto “Jack, o estripador”, da crônica policial da Inglaterra, o conde Drácula, aristocrata da Romênia, com sua crueldade universalizada pelo mito vampírico, e os genocidas Cortéz e Custer (“Búfalo Bill”), ambos, respectivamente, exterminadores de povos indígenas na América pré-colombiana e na colonização dos Estados Unidos, etc. São mitos gerados pelo medo que infundem.

Cabe,então,uma abordagem política dos agentes dos atos tipificáveis,usualmente, de terrorismos.Quando o agente é detentor de poder e pretende mantê-lo pelo uso de apelos ao medo,ao terror que possam inspirar –algo relacionado com a manutenção do poder contra soberanias ou,particularmente, a opinião dominante da sociedade nacional.Algo que, em determinados casos,pode tipificar “terrorismo pelo Estado,pelo Governo”.

São fatos universais e históricos, que, talvez, sejam mais bem enquadrados,quando entre Estados, como “estratégia de crises” para responder a um propósito político. Quando fato de política interna, a tentativa de manter poder declinante ou um golpe de Estado.

Há, sob o mesmo critério de tipificar politicamente o terrorismo pelos propósitos dos agentes, que se incluírem fatos de freqüentes e intensas constatações no mundo contemporâneo, os atos terroristas ou terrorismo por agentes ou grupos motivados por ideologias ou busca de poder contra a ordem vigente ou contestada. Neste caso, buscam derrubar o poder pela força e correm o risco de perder apoio social da sociedade, usualmente atingida por conseqüências diretas ou indiretas dos atos de violência. Oscilam entre atos idealistas e revolucionários ou subversivos, segundo pontos de vista, à ordem política social; ilegais ou ilegítimos.


Outros exemplos poderiam ser elencados no campo político: Os mitos criados pelo terrorismo de Estado na modernidade, como Hitler, Stalin, Lênin, Mao, Fidel Castro, Franco, Salazar, Trujillo, Duvallier, Pol Pot, e outros ditadores que montaram um aparato ostensivo de terror para se manter no poder.

Bin Laden, convertido em mito pelo 11 de Setembro, é o caso de individualismo  que se insurge contra a potência hegemônica mundial, os Estados Unidos, num misto de reação política, religiosa e militar. Ou seja, mito dotado de uma áurea ideológica e satânica, por mais diversas que tenham sido as alegações de sua atividade até a sua morte.


Teria sido uma versão abortada do Anticristo, pois contracenou com um império cristão, que o derrotou como inimigo, ao contrário de Jesus Cristo, que contracenou contra o império romano pagão, terminando vitorioso, pois os romanos vieram a adotar, desde Constantino, o Cristianismo como religião oficial, abolindo o politeísmo.

A justificativa dos métodos de Bin Laden seria responder ao terror imposto pela dominação norte-americana a vários povos, pelo emprego de recursos militares em casos de guerras declaradas unilateralmente, que geraram a morte de milhares de civis na Arábia e na Ásia (Vietnã, Iraque, Afeganistão). Um tipo de terrorismo imperial mascarado pela guerra, “que nada mais é que a continuação das relações políticas com o emprego de outros meios”, como diria Clausewits.

 Mas, em tese, uma guerra, mesmo expansionista e intervencionista, pode ser legitimada pelo consenso das nações e pelas normas internacionais, como no caso dos dois conflitos mundiais. Ao contrário, as guerras expansionistas e intervencionistas, declaradas unilateralmente, em toda a História, poderiam ser tipificadas como atos terroristas, o que justificaria a presença de Alexandre, Gengis Khan, Dario, Aníbal, Napoleão, etc., com certo paralelismo das políticas e de estratégias dos governos Truman, Lindon Johnson, George Bush, Tony Blair e outros perante tribunais internacionais de hoje.

A segunda metade do século XX foi marcada pela bipolaridade, mantida a paz pelo “equilíbrio do terror”, caso típico da ameaça crível do uso da força, do poder disponível para inibir seu efetivo emprego. Espécie de adaptação ampliada ao extremo do ditado latino “civis pacem para bellun”, sublimação de uma ordem mundial que tinha de um lado os Estados Unidos e aliados e de outro a União Soviética, numa gangorra sinistra cujo eixo de equilíbrio simétrico era o medo do “botão nuclear”.

Mesmo que não tenha ocorrido a temível guerra nuclear,  genocídios praticados por estados nos séculos XX e XXI, que geraram mais de 12 milhões de mortos, seriam, eticamente, formas de terrorismo em ampla escala, embora a ONU tenha os seus critérios de classificação do genocídio pelas motivações em diferenças raciais, nacionais e religiosas. Assim é que o órgão classificou boa parte deles na categoria de “politicídios”, cedendo a posições de alguns países.

Mas, em se tratando do Brasil, que não tem um mito emblemático desse porte, que tenha se imposto, notoriamente, como genocídio pela máquina do terror (na acepção original do termo que marcou a fase da guilhotina na Revolução Francesa), o povo rejeita até mesmo a pena de morte, que alguns políticos tentaram introduzir na Constituição. A tal pena não faz parte da percepção e da tolerância e reação popular quanto ao emprego do terror como instrumento de dominação.

Há um aspecto da cultura brasileira, a religiosidade, que permeia essa relação percepção/reação como espécie de isolante e que sublima a violência. A influência do Cristianismo, aguçado pelos métodos da Inquisição, principalmente durante o ciclo do ouro, entorpeceu a sensibilidade da sociedade em formação em relação ao regime escravista e contribuiu para o retardamento da evolução da percepção crítica que se exige sobre o terror em todas as suas vertentes. Expressões como “índole pacífica” e “cordialidade” do brasileiro contribuem para a ideologia da conciliação prevalecer sobre a do conflito.

Considerado o maior país católico do mundo, o Brasil é “culturalmente” religioso o que se confirma pelo sincretismo das confissões religiosas, produto da miscigenação. Essa característica, tão combatida atualmente pelo Vaticano, dificulta a percepção/reação ao terrorismo e a própria aceitação de uma legislação específica a respeito. E a própria Igreja, que já enfrentou os problemas do terrorismo na Espanha (terrorismo basco), Itália (Brigadas Vermelhas) Alemanha (Fração do Exército Vermelho) e Irlanda (IRA) teria dificuldades de aceitar que o seu maior rebanho de fiéis seja contaminado pela conscientização, que as leis introduziriam, desse tipo de ameaça. As leis poderiam gerar o efeito da extensão  que contamina...


No cenário internacional, sob o prisma da dominação, a contaminação poderia interessar às potências intervencionistas e invasivas. Mesmo estas arcariam com o ônus de colocarem em risco seus interesses pela exploração “pacífica” das riquezas do Brasil, em especial alimentos, água, energia, e matérias-primas, tendo que lidar com focos separatistas ou revolucionários. Melhor, a fortiori, para o Vaticano e Washington, que fiquem eventuais ameaças terroristas tipificadas como crimes comuns, crime organizado ou mero banditismo, mantendo-se  a tipificação  do terrorismo no porão... Até quando?

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