Adriano Benayon *
No momento em que
surgem novos avanços na nanotecnologia e na criação de materiais, como o
grafeno, é fundamental compreender a interação da tecnologia com o
desenvolvimento econômico e social.
2. Indispensável
afastar ilusões, pois não há algo de que se fale tanto e de que se entenda tão
pouco como essa interação. Mesmo os que trabalham em inovar com
produtos e processos não têm, na maioria, a percepção de como um país se
desenvolve através da tecnologia.
3. Na teoria
econômica, ela é vista como progresso técnico e elemento externo à função de
produção, na qual entram os fatores: recursos naturais, trabalho e capital
(conjunto de máquinas, instrumentos e materiais utilizados na produção).
4. Alguns autores
assinalam o papel da tecnologia como fator organizativo, que determina a
composição e a proporção dos fatores de produção.
5. Os que exercem
poder sobre o capital, privado ou público, escolhem a tecnologia a ser
adotada. Para isso, baseiam-se, de um lado, no que os técnicos criam e,
de outro, nas estratégias de mercado e/ou nos objetivos da política econômica.
Os criadores de tecnologias as desenvolvem em função de suas ideias e do que
lhes é demandado por parte dos que comandam o capital.
6. Fator invisível,
mas concreto, da produção, a tecnologia decorre do trabalho, pois é gente que a
produz: engenheiros, técnicos, artesãos (como nos primeiros séculos da
industrialização) ou operários.
7. Por outro lado,
tendo valor - e muito, do ponto de vista do mercado e em termos monetários - a
tecnologia é quase sempre apropriada pelos detentores do capital, podendo a
mais-valia ser especialmente elevada.
8. De resto, o
ordenamento jurídico da propriedade industrial está no Acordo TRIPS (Trade
Related Intellectual Property Rights) da Organização Mundial do Comércio (OMC),
aprovado no Brasil, no final de 1994.
9. Esse acordo
protege, muito mais que os direitos dos inventores, as corporações
transnacionais. É instrumento da oligarquia para aprofundar o apartheid
tecnológico, impedindo a absorção de tecnologia por países e empresas de
menor desenvolvimento.
10. A lesão ao
desenvolvimento tecnológico do País foi reforçada com a Lei de Propriedade
Industrial, 9.279/1996, enviesada em favor das empresas transnacionais,
que controlam os mercados no Brasil.
11. Essas
legislações inserem-se no salto qualitativo do crescimento da concentração do
poder sob o império anglo-americano, em seguida ao desmantelamento da União
Soviética. Foi assim radicalizada a apropriação da tecnologia pelos
concentradores transnacionais do poder econômico.
12 Se, antes de
1990, já prevalecia o comando do capitalismo – por definição, concentrador –
sobre os benefícios e os rendimentos monetários advindos da tecnologia, esta
passou, desde então, a ser cada vez mais amplamente expropriada do Estado, dos
empresários médios e pequenos, bem como dos técnicos e demais trabalhadores.
13. Tal como os
demais bens suscetíveis de serem públicos, ou de - embora privados -
beneficiarem o conjunto da sociedade, a tecnologia vem sendo objeto da
privatização concentradora.
14. E o que
isso tem a ver com a desindustrialização do Brasil, com o baixo percentual de
empregos de qualidade, com as infra-estruturas econômica e social mal
construídas e deterioradas? E com o enorme déficit nas transações correntes com
o exterior, o qual não arrefece nem com a redução da demanda, como foi em 2011?
15. Ora, o
Brasil, após agosto de 1954, foi sendo inviabilizado em termos de
desenvolvimento econômico e social, ao ter continuadamente subsidiado a
ocupação do mercado por empresas transnacionais. Com esse tipo de ocupação, não
se desenvolvem tecnologias nacionais, pois raras são as as empresas de capital
nacional que subsistem no mercado.
16. Aí reside um
ponto-chave: tecnologia capaz de alavancar o desenvolvimento só cresce dentro
de empresas em competição nos mercados. Entretanto, domina, na opinião comum, a
falsa concepção de que o Brasil está atrasado tecnologicamente porque
investe pouco em educação, ciência, pesquisa básica e tecnologia.
17. É verdade que
investe relativamente pouco. Mas o grave mesmo é que, desse pouco, quase nada
resulta em proveito da economia do País. Por que? Porque não há empresas
nacionais evoluindo com progressos tecnológicos próprios. Elas simplesmente
ficaram sem chance de permanecer no mercado ou de nele entrar, salvo em raros e
passageiros nichos, logo apropriados pelos concentradores, principalmente
transnacionais.
18. Poderíamos
comparar a tecnologia aos nutrientes e adubos de uma planta, que seria a
empresa produtiva. Ora, se a planta não é nossa, de pouco nos serve
alimentá-la.
19. As
transnacionais têm seus centros tecnológicos, em geral nas matrizes, e utilizam
nas subsidiárias daqui a tecnologia já paga no exterior durante anos de vendas,
o que lhes permite custo real zero no Brasil. Não têm, pois, interesse em
investir nem em adquirir alguma aqui desenvolvida.
20. Se alguma lhes
interessar, quase nada pagarão por ela, porque, controlando o mercado em
sistema de oligopólio, impõem os preços e as condições, na qualidade de únicas
compradoras. O que fizeram muito foi adquirir empresas nacionais apertadas pela
política econômica, que as oprime em favor das ETNs.
21. Esta é a
síntese da questão, como expus e documentei no meu livro “Globalização versus
Desenvolvimento: Não existe país que se tenha desenvolvido, havendo
entregado seu mercado a empresas comandadas por capitais estrangeiros.
22. Portanto, o
conceito de “transferência de tecnologia” no Brasil só tem sentido na direção
inversa àquela em que costumam falar dele: de brasileiros para as
transnacionais dos países ditos desenvolvidos, ao contrário do que acontece(u)
nos países realmente em desenvolvimento.
23. Agradeço ao
Prof. Weber de Figueiredo, da UFRJ, por me ter transmitido um exemplo
típico da ilusão “desenvolvimentista” fomentada
por JK: a eliminação de mais um projeto de indústria nacional, a
Romisetta.
24.
Figueiredo assim resumiu informações de Fernando Campanholo sobre esse
veículo produzido pela Romi, empresa brasileira de Santa Bárbara do Oeste
(SP), de 1956 a 1959:
“O governo JK abriu
linha de financiamento subsidiado destinado às multinacionais de
automóveis que se estavam instalando no Brasil. A nacional Romi também pleiteou
o financiamento, deixando os burocratas embaraçados, pois o financiamento fora
pensado apenas para as multinacionais. Mas uma solução engenhosa foi
encontrada. O governo baixou uma portaria definindo que automóvel é o
veículo que tem dois bancos, o dianteiro e o traseiro! E, assim, a brasileira
Romi foi jogada para escanteio, ficando fora do financiamento oficial, falindo
a sua linha automotiva.”
25. A Romisetta era
um carro leve, de um só banco. Mas o importante é começar a produzir para o
mercado, o primeiro passo para evoluir em tecnologia. Não importa não ser de
primeira linha.
26. O Fusca da VW
chegou a mais de 50% do mercado, dominou-o por mais de vinte anos e pouco
evoluiu. Fora desenvolvido nos anos 1930, e a VW ganhou o incrível
subsídio, dado às multinacionais, em 1954, de registrar como
investimento em moeda, o equipamento e tecnologia de produção, então mais do
que amortizados. Portanto, custo zero para o capital e a tecnologia. Além
disso, com JK, mais subsídios, como o financiamento oficial.
27. Campanholo
conclui: “A fabricação de 3.000 unidades no Brasil no período de 1956 até
1961, principalmente comparados às 22.543 Isettas-BMW fabricadas somente em
1956 pela Alemanha, fica como triste lembrança de quanto nós estamos
suscetíveis e passivos aos mandos e desmandos do capital estrangeiro. Até hoje.”
28. Resultado: as
transnacionais, que ficaram com o mercado brasileiro de graça, continuam
recebendo subsídios e remetendo centenas de bilhões de dólares para o exterior,
a diversos títulos. Isso significa descapitalizar o País.
29. O Brasil foi
programado pelo império anglo-americano para ser uma área de exploração de
recursos naturais, em condição semelhante à maioria dos países africanos,
submetidos ao mesmo tipo de intervenção. Além disso, em base de lucros
provenientes também da indústria, controlada pelas transnacionais.
30. Foram
elementos-chave da estratégia para que esse programa tenha sido realizado a
pleno contento das potências imperiais e associadas: 1) a intervenção política
e militar diretamente junto aos governos brasileiros; 2) a intervenção do
dinheiro e da corrupção nas eleições, no sistema formalmente democrático; 3) o
genocídio cultural; 4) o fomento da crença em que a entrada do capital
estrangeiro favorece o desenvolvimento, complementa a poupança nacional, e em
outras falácias.
31. Os entreguistas,
culminando com os mega-entreguistas Collor e FHC, radicalizaram a
aplicação dessa fé bizarra e fatal. Foram muito além da simples abertura ao
comércio: fizeram o Estado brasileiro subsidiar os investimentos diretos
estrangeiros, de forma inacreditável, e discriminar contra o capital nacional.
32. O Brasil
não deixará de ser um país saqueado e enganado pela conversa fiada, enquanto
não se reverter, de modo cabal, tudo isso e a mentalidade subjacente.
33. Eis algumas
consequências para um país que participa do BRICs e pleiteia assento permanente
no Conselho de Segurança da ONU, só para ser enrolado pela potência dominante:
"Dos 25
navios da Marinha de Guerra do Brasil apenas 14 estão em
condições de navegar, e dos seus 23 aviões apenas um tem
condições de levantar voo. Enquanto isso, a Rússia, a Índia e a China são
potências nucleares, detentoras de tecnologia militar de altíssimo
nível..."
"Não
produzimos sequer uma calculadora de bolso, pois falta-nos atéfábrica
de chips – somos meros montadores de aparelhos
eletrônicos."
* (Consultor em finanças e em biomassa. Doutor em Economia, pela Universidade de Hamburgo, Bacharel em Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Diplomado no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, Itamaraty. Diplomata de carreira, postos na Holanda, Paraguai, Bulgária, Alemanha, Estados Unidos e México. Delegado do Brasil em reuniões multilaterais nas áreas econômica tecnológica. Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal na área de Economia. Professor da Universidade de Brasília (Empresas Multinacionais; Sistema Financeiro Internacional; Estado e Desenvolvimento no Brasil). Autor de Globalização versus Desenvolvimento, 2ª ed. Editora Escrituras, São Paulo)
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