O início, na próxima
quinta-feira, do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, dos 38 acusados de
envolvimento no “Mensalão” - um esquema ilegal de financiamento político que
teria sido organizado, durante o Governo Lula (2003-2010), para a compra de
apoio parlamentar no Congresso Nacional - é marcado por um clima artificial de
apocalipse ético e moral da república brasileira.
Considero um clima
“artificial” porque a mídia em geral tem dado sustentação ao caso como espécie
de “Rubicão” da atual política brasileira, tentando posicionar cada um dos 11
juízes do processo no STF na mesma situação do general Romano Júlio César e
criando um clima de expectativa quanto à estabilidade político-institucional do
País.
Mas, a toga não é
farda, e o Brasil não é Pompéia... Ainda que o ex-presidente Lula (que não é
réu), o PT e demais partidos envolvidos no “Mensalão”, vários deles atualmente
componentes da base aliada do Governo Dilma no Congresso Nacional, tenham
receio do que esse julgamento possa representar para sua reputação e força, no
jogo do poder, a corte que zela pela integridade da Constituição Federal, o
STF, apenas vai tomar mais uma decisão com base no estrito cumprimento da Lei,
impedindo sua violação, não cabendo nesta responsabilidade judicante nenhum
viés de heroísmo.
Com tanta pressão
sobre o STF, seria risível, senão trágico, que uma eventual imputação de culpa
aos réus e, por extensão, ao Governo Lula, desencadeasse o dilúvio... Assim
como, uma absolvição desacreditasse o primado da lei perante a Nação,
comprometendo o funcionamento das instituições. Esse julgamento não tem potencial
para servir de “cheville ouvrière” para qualquer golpe, mesmo porque
as instituições militares estão atentas à sua missão constitucional...
Valho-me da definição
de Francisco Bilac Moreira Pinto para corrupção: “A
corrupção constitui violação das normas éticas que devem orientar a conduta de
quantos exerçam cargos ou funções públicas. Ela revela sempre, da parte do seu
agente passivo - que é o político ou o servidor público - baixo nível de
moralidade”. “As causas da
Corrupção” – in Enriquecimento Ilícito no Exercício de Cargos Públicos. Rio de
Janeiro: Forense, 1960. P.59-63)
O “Mensalão” envolveu
141 milhões de reais em dois anos, mas somente o destino de 32 milhões foi
apurado pelo Ministério Público Federal. Onde se encontram os 109 milhões de
reais restantes? É a pergunta que permanece, sete anos após a imprensa ter
denunciado o esquema. O processo – Ação Penal 470 - já tem 50 mil páginas e
mais de 600 testemunhas ouvidas.
Os ministros
analisarão, perante os advogados dos réus, se eles cometeram sete crimes:
Formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, peculato, evasão de divisas,
lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta. Após a decisão e a publicação da
sentença, os réus ainda poderão apresentar recursos.
Afinal, quem seria
corruptor ou agente passivo? O empresário Marcos Valério, dono da DNA
Propaganda? O banqueiro Daniel Dantas, dono do Banco Opportunity? O ex-ministro
da Casa Civil de Lula e deputado José Dirceu, do PT, que proclama sua
inocência? O tesoureiro do PT à época, Delúbio Soares? O julgamento revelará...
Os Estados Unidos (no
Governo Truman, o famoso escândalo dos “five percenters”; no
Governo Nixon, o caso “Watergate”; no Governo Bush, “escândalos corporativos”),
a Itália(no Governo Berlusconi,escândalos sexuais, políticos e de corrupção); a
França( financiamento ilegal de campanha, no governo Sarkozy),etc., entre
outros países desenvolvidos, tiveram rumorosos processos de corrupção
envolvendo presidentes e altas figuras do governo, e o desfecho desses
escândalos não impediu que suas instituições mantivessem pleno funcionamento.
Por que seria diferente no Brasil?
O “Mensalão” teria
seu protótipo concebido em Minas Gerais, em 2007, quando o governador era
Eduardo Azeredo, do PSDB. Azeredo, ex-senador e autor de propostas de controle
da internet, foi considerado réu pelo STF por crimes de peculato (roubo de
dinheiro público) e lavagem de dinheiro. É possível que esse modelo tenha se
reproduzido hoje por todo o Brasil, e até outros países, de forma mais
requintada.
Na esteira do
“Mensalão” outros escândalos de corrupção política foram apurados, sendo um
deles o “Mensalão do DEM”, em 2009, envolvendo políticos do partido Democratas
e do PMDB, tendo como pivô o governador José Roberto Arruda, que chegou a ser
preso e deposto, após a operação “Caixa de Pandora” realizada pela Polícia
Federal. E, atualmente, os escândalos envolvendo os governadores de Goiás,
Marconi Perillo, do PSDB, e do Distrito Federal, Agnelo Queiróz, do PT, com o
contraventor “Carlinhos Cachoeira”, objetos de investigação de Comissão
Parlamentar de Inquérito instalada no Congresso Nacional.
O desfecho do
julgamento do “Mensalão é aguardado com expectativa porque tem potencial para
respingar no ex-presidente Lula e no próprio Partido dos Trabalhadores, com
repercussões nas próximas eleições municipais de outubro em todo o País, além,
de desdobramentos internacionais, à medida em que houver nexos entre algum
crime tipificado, votações parlamentares e atos do governo naquele período de
operação do esquema.
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