segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Reeleição e o "iceberg" do continuísmo


A campanha que o governo de Cristina Kirchner vem fazendo na Argentina pela adoção da reelegibilidade ilimitada aos cargos executivos, vista como um mau exemplo para a democracia na América Latina, por alguns setores liberais, não é tão destoante do continuísmo imperante nos países da América Latina, entre os quais o Brasil.

As elites dominantes na região dispõem de um arsenal de truques ideológicos e dispositivos eleitorais, disfarçados no pluripartidarismo, que, por si mesmos, são deletérios para os princípios da impessoalidade e do pluralismo político e para a renovação de lideranças.

O assistencialismo, a massificação do discurso político com base no populismo, as alianças partidárias entre legendas díspares em pleitos eleitorais, a formação de bases congressuais governistas com a virtual supressão da oposição, o sindicalismo pragmático, os controles orçamentário e das concessões de emissoras de rádio e televisão, e o domínio das oligarquias em quase todos os países da América do Sul e da América Central são alguns exemplos de estratégias de dominação eficazes, que garantem mecanismos de perpetuação aos donos do poder sob o manto democrático.

O instituto da reelegibilidade, instaurado no Brasil pela Emenda Constitucional n° 16/1997, alterando a redação do art.14 da Constituição e permitindo a reelegibilidade do presidente da república, vice—presidente, governador, vice-governador, e prefeito e vice-prefeito, “para um único período subsequente”, não veda a reelegibilidade para o candidato ao retorno ao cargo, depois de cumprido o referido período.

Mas, isto não é reelegibilidade ilimitada, como a consideram alguns autores. Reelegibilidade ilimitada seria a mesma pessoa reeleita por períodos subsequentes sem limites, como foi o caso do Presidente Franklin Roosevelt, que governou os Estados Unidos durante 12 anos (1933-1945), motivo para que a oposição republicana promovesse mudança na Constituição limitando a reeelegibilidade a um período subsequente e vedando o retorno da mesma pessoa ao cargo mesmo que anos depois.

Os republicanos, em 1891, trataram de impedir o continuísmo típico da forma monárquica de governo aprovando uma Constituição com sistema presidencialista no molde da Constituição dos Estados Unidos.  Mas, aquela Carta não permitia a reeleição do Presidente da República, mas respeitava o princípio federativo e admitia que, por exemplo, a constituição do Rio Grande do Sul adotasse a reelegibilidade, o que ensejou a reeleição do presidente Borges de Medeiros, positivista que presidiu o estado durante 25 anos. Esse dispositivo foi alterado, em 1923, após o Tratado de Pedras Altas.

O exemplo de continuísmo de Borges de Medeiros, típico do caudilhismo, passou a assombrar os constituintes republicanos desde então, o que não impediu que surgisse, em pleno regime militar, com o Presidente João Figueiredo (1979-1985), tentativa de alteração da Constituição permitindo-se a reelegibilidade presidencial. O então deputado José Camargo (ARENA-SP) liderou movimento nesse sentido, pelo que consta, à revelia da vontade do Presidente, mas, discretamente estimulado pelo ministro Leitão de Abreu, chefe do gabinete civil de Figueiredo.

Algumas questões semânticas são frequentes nas reflexões sobre esse tema da reeleição:

A primeira: “Reelegibilidade”. Neologismo cunhado pelo ex-governador mineiro Rondon Pacheco, significa a possibilidade de ser reeleito, e não necessariamente a reeleição, pois esta depende do crivo eleitoral. Mas, os republicanos fazem questão de considerar que “reelegibilidade” e “reeleição” têm o mesmo significado, pois acreditam que o presidente e demais executivos, com a máquina do poder, não perdem eleição (uma implícita alusão à fragilidade da democracia nos trópicos...).

A segunda, elaborada por um jurista, cujo nome me escapa à memória: Eleição (elegibilidade) tem caráter propositivo, e reeleição (reelegibilidade) caráter retrospectivo... No primeiro caso, o eleitor vota como uma proposta de confiança no executivo; no segundo caso, reafirma sua confiança por causa do desempenho satisfatório do executivo no seu mandato, permitindo-lhe dar continuidade à sua obra.

Concluindo: O "iceberg" do continuísmo é amplo e profundo.Adotar o instituto da reelegibilidade (reeleição) significa somente dar maior visibilidade à ponta do fenômeno ...

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