Adriano
Benayon *
Desde há
séculos o Brasil carece de governo autônomo, capaz de promover o progresso
econômico e social. A independência proclamada em 1822 não se traduziu em
autonomia real, pois o País atravessou o Império e os primeiros anos da
República sob tutela financeira e política da Inglaterra, até o final da
Primeira Guerra Mundial, e do império anglo-americano desde então.
2. Os
lampejos de autonomia duraram pouco, logo apagados por intervenções da
oligarquia mundial. Assim, nos anos 1840 com a tarifa Alves Branco, uma
tentativa de viabilizar o surgimento de indústrias nacionais. Também, com os
empreendimentos abrangentes do Barão de Mauá, dos anos 1850 aos 1880, e com
iniciativas limitadas, como a fábrica de linhas de Delmiro Gouveia em Alagoas,
1912-1917.
3. Os
avanços na redução da dependência econômica foram contidos ou anulados pela
dependência política. E esta decorreu da subordinação da economia agrária e
exportadora de bens primários aos interesses comerciais e industriais de
potências estrangeiras.
4. Quando
Getúlio Vargas, promoveu maior grau de autonomia nacional - de 1934 a 1945 e de
1951 a 1953- as potências hegemônicas - coadjuvadas pelas “classes
conservadoras” locais e pela mídia venal – montaram complôs para desestabilizar
e derrubar o governo.
5. Como
Vargas antes, João Goulart, em 1962-1963, não se precaveu diante das
maquinações imperiais, tarefa difícil em regime “democrático” no qual o poder
financeiro determina o processo político.
6. Mesmo
sendo escassa a proteção tarifária e a não-tarifária, e operassem no Brasil
vários carteis e grandes empresas estrangeiras, surgiram numerosas indústrias de
capital nacional substituidoras de importações na segunda metade do Século XIX
e na primeira do Século XX.
7. Cito
quatro livros que o demonstram: Warren Dean, A Industrialização de São Paulo
(1880-1945); Edgard Carone, O Centro Industrial do Rio de Janeiro e
sua Importante Participação na Economia Nacional (1827-1977), ed.
Cátedra, Rio 1978; Delso Renault, 1850-1939 O Desenvolvimento da Indústria
Brasileira, SESI; Eli Diniz, Empresário, Estado e Capitalismo no Brasil
1930-1945, ed. Paz e Terra, SP 1978.
8. O
próprio Vargas só restringiu investimentos estrangeiros em poucos setores e
demorou a notar o volume das remessas de lucros ao exterior, o que está longe
de ser único dos prejuízos que eles causam à economia.
9. As
potências imperiais realizaram seus objetivos a partir de Café Filho, fantoche
dos entreguistas civis e militares (1954). JK, eleito em 1955, pelos
votos getulistas, ampliou os benefícios ao capital estrangeiro.
10. Daí
não terminou mais a escalada de desnacionalização, não obstante se terem criado
estatais na área produtiva –privatizadas de forma vergonhosa a partir de 1990 -
tendo o Estado feito também investimentos nas infra-estruturas econômica e
social.
11. O
poder público subsidiou as transnacionais, e esmagou empresas nacionais.
12.
Resultado: em 1971o capital estrangeiro já controlava setores
importantes: mercado de capitais 40%; comércio externo 62%; serviços públicos
28%; transportes marítimos 82%; transporte aéreo externo 77%; seguros 26%;
construção 40%; alimentos e bebidas 35%; fumo 93,7%; papel e celulose 33%;
farmacêutica 86%; química 48%; siderurgia 17%; máquinas 59%; autopeças 62%;
veículos a motor 100%; mineração 20%; alumínio 48%; vidro 90%.
13. Em
1971 o estoque de investimentos diretos estrangeiros (IDEs) não chegava a US$
3 bilhões. Em 2011 atingiu US$ 669,5 bilhões.
14. O
montante de 2011 é 40 vezes maior que o de 1971 atualizado para US$ 16,
6 bilhões. No período, o PIB, em dólares corrigidos, só se
multiplicou por 6.
15. Os
IDEs referem-se só às empresas com maioria de capital estrangeiro, não aos
“investimentos estrangeiros em carteira” (participações no capital de empresas
e aplicações em títulos públicos e privados). Esses acumularam US$ 597 bilhões
até 2011. Os empréstimos, US$ 190 bilhões. A soma dá quase US$ 1,5 trilhão.
16. É
fácil emitir dólares do nada e com eles comprar ativos. Mais: grande parte dos
IDEs é reinvestimento de lucros, e quantia muitíssimo maior que a dos
ingressos foi remetida ao exterior a título de lucros, dividendos, juros,
afora os ganhos camuflados em outras contas do balanço de transações correntes.
Disso originou-se a dívida pública, fator de empobrecimento e de dependência.
17. A desnacionalização prossegue galopante. Conforme
a “Pesquisa de Fusões e Aquisições” da consultoria KPMG, 247 empresas foram
adquiridas por transnacionais de janeiro a setembro de 2012. Em todo 2011
haviam sido 208. De 2004 para cá foram 1.247.
18. Em 2012 destacam-se: tecnologia da informação
(33); serviços para empresas (20); empresas de internet (19); supermercados,
açúcar e álcool (35); publicidade e editoras (10); alimentos, bebidas e fumo
(10); mineração (9); óleo e gás (8); educação (7); shopping centers (7);
imobiliário (7).
19. Ainda mais estarrecedora que a avassaladora
ocupação da economia brasileira é a persistência na mentalidade de que os
investimentos estrangeiros beneficiam a economia.
20. Não houve evolução, desde os anos 50 e 60, no
entendimento da realidade. Continuam sendo escamoteadas as causas do enorme
atraso tecnológico do País e disto tudo: pobreza, insegurança, infra-estrutura
lastimável, desagregação social, desaparelhamento da defesa e cessão de
territórios a pretexto de proteção ao ambiente e a indígenas.
21. O impasse da economia brasileira, prestes a
desembocar em dificuldades ainda maiores, sob o impacto da depressão nos países
centrais, decorre das percepções errôneas, subjacentes às recomendações da
CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina da ONU) e à política
“desenvolvimentista” de JK.
22. Estas foram as falsas premissas, ainda não
atiradas ao lixo, como deveriam ter sido há muito tempo: 1) a industrialização
como meta em si mesma, independente da composição nacional ou estrangeira e do
grau de concentração do capital; 2) o capital estrangeiro tido por necessário para
suprir pretensa insuficiência local de recursos.
23. As políticas decorrentes dessas ideias
redundaram na desindustrialização e na descapitalização do País. Ignora-se a
experiência histórica – sempre confirmada - de nunca ter existido real
desenvolvimento em países nos quais predominem os investimentos estrangeiros.
24. Recorde-se que, de 1890 a 1917, ano da débâcle
na guerra e da revolução, o volume de investimentos estrangeiros na Rússia foi
cerca de três vezes superior ao do capital nacional.
* - Adriano Benayon é doutor em
economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento, editora
Escrituras, SP.
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