Adriano Benayon *
Michael Hudson, professor da Universidade
Misouri-Kansas, escreveu excelente artigo, “O enganoso abismo fiscal dos EUA em
2012”. A enganação diz respeito a que o déficit orçamentário não precisaria
existir (mas existe) e às suas reais causas.
2. Ele está em US$ 14 trilhões, o equivalente a
quase um PIB anual dos EUA e menos que seu governo gastou para salvar os
bancos. Nouriel Roubini aponta que o recente acordo entre Obama e parlamentares
do partido “republicano” prenuncia novo colapso, pois prevê reduções fiscais, e
não há como abrir mão de receitas tendo que cobrir um déficit dessa magnitude.
3. Os economistas do sistema clamam que, para
reduzir os déficits públicos, há que: 1) cortar despesas sociais, obrigando os
trabalhadores a financiarem seus planos de saúde e aposentadorias; 2) fazer que
o Estado deixe de investir nas infra-estruturas econômicas e sociais; 3)
demitir servidores; 4) privatizar as propriedades e os serviços públicos.
4. O Brasil seguiu, mais de uma vez, esse caminho,
o que intensificou os malefícios da desnacionalização, encetada em 1954, e
causa primordial de o País estar muito atrás de países, antes, muito mais
pobres. O serviço da dívida e as privatizações acabaram de inviabilizar o
desenvolvimento, de modo irreversível até que sejam substituídas as atuais
estruturas econômicas e políticas.
5. A Europa - desprovida de soberania - pois o
Banco Central não emite moeda para financiar os países membros, arruína-se
através das políticas de “austeridade”,que agravam a depressão a pretexto de
reduzir os déficits públicos gerados pelo colapso dos derivativos.
6. Os EUA só não estão de todo afundados, por
empregarem a força para obrigar produtores de petróleo a vendê-lo em dólares e
por emitirem-nos à vontade para pagar importações e o serviço da dívida.
7. Os analistas não submissos mostram que os
déficits não provêm das despesas sociais nem dos investimentos públicos nas
infra-estruturas. Na verdade, os orçamentos do Estado foram onerados pelas
operações de socorro aos grandes bancos, que ficaram em dificuldades quando os
derivativos se revelaram títulos podres, após terem gerado lucros fantásticos
para seus controladores.
8. Em suma, a oligarquia financeira, dona desses
bancos e de outras indústrias dominantes, comanda, através de títeres
políticos, os governos das “democracias”, bem como os formadores de opinião em
cátedras e nos meios de comunicação.
9. Ela subordina a todos, por meio das políticas
fiscal e monetária. Os 0,01% da oligarquia (incluindo executivos) são
privilegiados por isenções fiscais e como credores, com o endividamento do
Estado e de mais de 90% da população.
10. Por isso não admitem que os Tesouros nacionais
emitam moeda para financiar o de que precisa a economia. Criou-se a mentira –
aceita como verdade – que isso seria inflacionário. O sistema exige que o
próprio o Estado, endividado por ter socorrido os bancos, dependa do crédito
deles.
11. O cartel dos bancos, nos EUA, recebe dinheiro
emitido pela Reserva “Federal” a juros de 0,25% aa, muito abaixo da taxa da
inflação, e aplica em títulos especulativos e nos de países, como o Brasil e a
Austrália, que se deixam tosquiar pagando juros elevados nos títulos públicos.
12. Como assinalei em artigo, “No
Limiar de 2013”, não interessa à oligarquia acabar com a depressão, que dela se
serve para quebrar o poder e a resistência de quantos pretendam equilibrar a
sociedade e promover seu bem-estar.
13. O orçamento equilibrado é um
dos instrumentos ideológicos para arranjar depressões. Falam da economia como
se esta devesse ser gerida por quitandeiros ou políticos demagogos, na linha de
Cícero (século I AC): “não gaste mais do que arrecada”.
14. Michael Hudson recorda que as
depressões coincidiram com períodos de superávit orçamentário. Este precedeu
e/ou acompanhou as seis depressões iniciadas em 1819, 1837, 1857, 1873, 1893 e
1929. A atual, iniciada em 2007, é efeito retardado dos superávits de Clinton
(1998/2001), postergada em consequência das bolhas da internet e dos imóveis
residenciais, com inusitada explosão do crédito.
15. Quanto mais obtém maior concentração de riqueza
– reduzindo assim o poder relativo inclusive dos ricos fora do topo da pirâmide
– mais a oligarquia se converte em tirania
16. Discordo de Hudson quando conclui que isso é
não é capitalismo, mas sim feudalismo. Na verdade, o capitalismo converte-se em
algo pior que o feudalismo, porque nele não há limites à concentração.
17. Quanto ao Brasil, lembrou, há pouco, Carlos
Lessa, ex-presidente do BNDES: "Não estamos sequer reproduzindo a
República Velha. Esta República atual praticamente universalizou a
desnacionalização."
18. Enquanto isso, o sugado povo brasileiro é
distraído pelo “combate à corrupção”, como se essa não fosse sistêmica. Milhões
indignaram-se com o mensalão e aplaudem o STF.
19. Entretanto, até hoje, dormem, engavetados nos
tribunais superiores, os processos em foi provada a colossal roubalheira das
privatizações (Vale Rio Doce, elétricas, telecomunicações, siderúrgicas, bancos
estaduais), após terem esses tribunais cassado as liminares concedidas para
sustá-las. Elas já completaram, impunes e consolidadas, quinze anos em média.
20. Mais tragicômico: os atuais “governantes”, além
de nada terem feito para mudar a triste estrutura formada conforme o Consenso
de Washington, usam o BNDES e a política fiscal para cevar ainda mais os
concentradores, principalmente transnacionais, que desviam renda nacional, em
quantias crescentes, para o exterior.
21. Isso é pouco para a mídia e demais alienados -
antinacionais, desde antes do primeiro golpe contra Getúlio Vargas, 1945.
Trabalham pela volta dos perpetradores do desastre em mega-doses. Mais: mesmo
fora dos dois partidos ocupantes do Planalto nos últimos 18 anos, falta espaço,
sob as instituições presentes, para lideranças capazes de oferecer alternativa
real.
* - Adriano Benayon é doutor em
economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
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