O regime militar no Brasil, de
1964 a 1985, continua inspirando temas para a literatura, a música, o teatro, a
televisão e o cinema, incorporando ao consciente coletivo e à cultura nacionais
a leitura e mesmo o revisionismo críticos de um período ainda relativamente
desconhecido por uma parte da atual geração de brasileiros que vivenciam a
presente democracia.
O livro do jornalista, escritor e
editor Luiz Fernando Emediato, intitulado “O
outro lado do Paraíso”, que
virou best-seller infanto-juvenil,
com mais de 120 mil exemplares vendidos, está sendo adaptado ao cinema, através
de filme de longa metragem rodado em Brasília, no Polo de Cinema
e Vídeo de Sobradinho.
Na obra, lançada em 1981 (quando
eu e Emediato éramos colegas no jornal O
Estado de S. Paulo), Nando, um
menino de 11 anos, descreve a saga de sua família de garimpeiros de Bocaiúva,
em Minas Gerais, no início dos anos 60, que migrou para Brasília, movida pelo
sonho do seu pai Antonio, em busca de melhores condições de vida, nos
primórdios da inauguração da nova capital, e foi colhida pelo vendaval político
gerado pela deposição do presidente João Goulart, em 1963, e a instauração do movimento
revolucionário de 64.
Antonio, Maria, Silvinha, Nando e
Tuniquinho viram frustradas suas tentativas de encontrar em Brasília “o país de
Evilath, onde nasce ouro”, e Antonio acabou sendo preso, acusado de simpatizante
do Comunismo..
O filme, dirigido pelo laureado e
jovem cineasta André Ristum (de “O meu
País”), é da Geração Filmes/Mercado Cultural e tem orçamento de sete milhões de reais e retrata, como obra de
ficção, com flashes-backs em fatos e personalidades daquela
época, as vicissitudes impostas àquela família de mineiros e, por extensão, a
muitos outros brasileiros discordantes do novo regime.
No elenco, estão presentes atores
consagrados junto ao público nacional, como Eduardo Moscovis, Jonas Bloch, Simone
Iliescu , Flávio Bauraqui e Murilo Grossi, além do jovem ator Davi Galdeano, como um dos protagonistas,
interpretando o menino Nando, em narrativa que faz do drama vivido pela sua
família. Marcelo Muller assina o roteiro, e a produção é de Nilson Rodrigues, Luiz Fernando Emediato e Marcio Curi.
É a mais importante película filmada no Polo de Cinema e Vídeo de Sobradinho, construído em 1984 e agora resgatado de um longo período de abandono, reflexo da própria condição anêmica e incipiente do empreendimento cinematográfico na capital.
É a mais importante película filmada no Polo de Cinema e Vídeo de Sobradinho, construído em 1984 e agora resgatado de um longo período de abandono, reflexo da própria condição anêmica e incipiente do empreendimento cinematográfico na capital.
Convidado pela agência de modelos
Magneto Elenco, de Brasília, a participar como figurante nas filmagens,
tenho acompanhado as cenas reproduzindo os acampamentos dos pioneiros ou
“candangos” que povoavam os canteiros de obras de Taguatinga, hoje uma próspera
cidade-satélite do Distrito Federal.
Figurantes mais jovens, meninos e
meninas, participam das filmagens com diversas interrogações na cabeça, acerca de
uma ficção que retrata a realidade daqueles tempos ,quando trabalhadores e migrantes de todos os
quadrantes do Brasil, a maioria pouco instruída ou analfabeta, tentava exercer
a árdua tarefa de sobreviver no trabalho pesado e se alimentar debaixo do sol, chuva, calor, frio, vento e poeira inclementes,
para consolidar a nova capital.
Parte do folclore, naquele tempo,
vento contínuo nas construções soprava a poeira fina que entupia os olhos, as
narinas e os ouvidos dos “candangos”. Era o “lacerdinha”, alusão a Carlos Lacerda, governador do Estado do Rio
de Janeiro, jornalista polêmico e político pertencente à União Democrática Nacional
- UDN-, partido das elites urbanas, que fazia feroz oposição à transferência da
capital brasileira, da litorânea cidade do Rio de Janeiro para a nova cidade no
Planalto Central, iniciativa do Presidente Juscelino Kubitscheck, do Partido
Social Democrático-PSD-, partido das elites rurais.
Os “candangos”, que veneravam Juscelino, não perdiam a oportunidade de amaldiçoar Carlos Lacerda, diante de cada “lacerdinha” que rodopiava poeira vermelha e detritos gerados pelo desbaste da vegetação do cerrado para início das edificações.
Os “candangos”, que veneravam Juscelino, não perdiam a oportunidade de amaldiçoar Carlos Lacerda, diante de cada “lacerdinha” que rodopiava poeira vermelha e detritos gerados pelo desbaste da vegetação do cerrado para início das edificações.
O diretor André Ristum aceitou o
desafio de fazer o filme inspirado na sua própria história, pois teve sua
família perseguida pelo regime militar e foi obrigado a crescer e viver longo
tempo fora do Brasil.
Li a obra de Emediato, que interpreto
como uma transposição dos mineiros do Romantismo para o Realismo, e acompanho
parte das filmagens, como figurante, com a impressão de que o diretor André
Ristum e sua equipe têm o grande desafio de fazer o caminho inverso de
Emediato, ou seja, o do Realismo do ambiente árido do cerrado nas filmagens
para o Romantismo sublimado da estória na tela, com seus tons cinzentos.
A previsão é de que o filme seja lançado entre janeiro e março vindouro, quando transcorre o cinquentenário da instalação do regime militar em 64.
Parabéns pela matéria, eu como figurante não conhecia parte da história, agora o texto deu uma boa clareada!!
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