Adriano Benayon *
01. Transcorreu
agora o 59º aniversário do modelo dependente, implantado a partir
de 24 agosto de 1954, data da deposição do presidente Getúlio Vargas.
02. O atual quadro
da economia brasileira deixa clara a iminência de mais uma devastadora
crise externa, tão ou mais profunda que as anteriores, como a que levou à
moratória submissa em setembro de 1982 (cessaram os pagamentos por falta de
divisas), e a do final de 1998 com o mesmo problema.
03. É o déficit
(saldo negativo) com o exterior nas transações correntes (mercadorias, serviços
e rendas) que faz explodir a dívida externa e suscitar a incapacidade de fazer
face ao serviço dela sem sofrer a intervenção dos bancos estrangeiros e de seus
colaboradores, como o FMI e o Banco Mundial.
04. De janeiro a
julho de 2013, esse déficit ascendeu a U$ 52,5 bilhões, quantia quase
igual à do déficit total de 2012 (US$ 54,2 bilhões). Em 2013, ele já
corresponde a 4% do PIB, sendo que no caso do Brasil sequer o PIB é nosso, pois
a economia tem sido grandemente desnacionalizada.
05. O déficit
cresce demais nos últimos anos. De 2008 a 2012, somou US$ 204,1 bilhões. No
atual ritmo, 2013 poderá ultrapassar 50% do total acumulado nesses cinco anos.
06. Os déficits
nas transações correntes são causados pela volúpia das empresas transnacionais
de transferir lucros às suas matrizes, nas sedes destas e em paraísos
fiscais.
07. Os lucros
transferidos como lucros, embora imensos, são muito menores que os transferidos
disfarçadamente em contas do balanço de serviços e no de mercadorias, através
do subfaturamento das exportações e superfaturamento das importações e até
mesmo de operações fictícias.
08. A
característica do modelo dependente é a progressiva entrega dos patrimônios
nacionais às empresas transnacionais. O mercado foi o primeiro desses
patrimônios doados, através de incríveis privilégios, ao capital estrangeiro,
começando com a liquidação da indústria automobilística nacional e a entrega do
mercado às montadoras transnacionais no governo de Juscelino Kubitschek.
09. O senador
Vasconcelos Torres (1920/1982) publicou em 1977 o livro “Automóveis de Ouro
para um Povo Descalço”. Decerto “ouro” referia-se, não à qualidade dos
automóveis, mas ao preço deles.
10. A p. 94
relatava o senador:
“a) No
exercício de 1962, foi registrado, no balanço consolidado das onze
empresas produtoras de veículos automóveis e caminhões, lucro de 65% em
relação ao capital social, constituído por máquinas usadas,
e aumentado posteriormente, com incorporações de reservas e reavaliação dos
ativos.”
11. De fato, como
tenho mencionado, as empresas estrangeiras da indústria automotiva e de outras
indústrias - favorecidas por instruções da SUMOC, o banco central à
época) -puderam, a partir de janeiro de 1955, importar equipamentos usados, de
valor real zero, pois estavam há anos amortizados, e registrá-los, como se
fossem investimento em moeda, pelo valor que declarassem.
12. Isso significa
que o Brasil lhes deu um privilégio incrível, semelhante ao dos bancos, que
ganham dinheiro criando dinheiro do nada, com lançamentos contábeis, ao
conceder empréstimos. Além disso, beneficiadas pelo custo real zero do
capital e da tecnologia, as transnacionais esmagaram a concorrência de empresas
locais.
13. Vasconcelos
Torres, op. cit. p. 95, apresenta uma tabela referente aos balanços de 1963,
comparativa de preços de venda da fábrica à distribuidora com os preços de
venda do distribuidor ao público, abrangendo quatro montadoras, entre elas a
Volkswagen, já então a maior produtora no Brasil.
14. O preço nas
distribuidoras era mais de três vezes o preço na fábrica, valendo notar que
os donos desta são os mesmos daquelas ou, no mínimo, têm participação naquelas.
15. Como se fosse
pouco o que as transnacionais ganharam no Brasil nos anos 60, no final desse
decênio, elas foram agraciadas com novos e colossais subsídios, através de
isenções de IPI e ICM, nas importações de seus bens de capital e insumos, além
de créditos fiscais, na proporção das exportações.
16. Até hoje,
novos subsídios juntam-se aos antigos e caracterizam o modelo dependente como
aquele em que as empresas transnacionais recebem imensos prêmios, doações e
dinheiro para explorarem o mercado sem concorrência, com seus carteis e
oligopólios.
17. Por enquanto,
as reservas no exterior se mantêm em US$ 370 bilhões e acima da posição da
divida externa, de US$ 314 bilhões. Mas isso significa desnacionalização
galopante, pois decorre do brutal ingresso líquido de investimentos
estrangeiros diretos (US$ 62 bilhões de janeiro a julho) e mais US$ 24 bilhões
de investimentos estrangeiros em carteira (participações de capital).
18. Além disso, só
é possível o balanço de pagamentos com saldos positivos, em vez de com enormes
déficits, devido às aplicações estrangeiras em títulos de renda fixa.
19. Elas
totalizaram US$ 20 bilhões de janeiro a maio. Dados os sintomas de crise, o
Executivo suprimiu, em 04.06.2013, o imposto sobre operações
financeiras - IOF sobre essas aplicações, além de aumentar a taxa
de juros. Com isso elas atingiram US$ 7,1 bi em junho, mas voltaram a
declinar para US$ 3,9 bilhões em julho. De janeiro a julho: US$ 31
bilhões.
20. Apesar de a
maior parte das economias estrangeiras praticarem juros reais baixos e até
negativos, no Brasil voltou-se a elevar a taxa básica dos títulos públicos: em
julho, ela já foi para 8,5% aa, depois de ter baixado em 2012, ficando em 7,25%
aa. até abril de 2013.
21. Nada pode
justificar as elevações verificadas desde então, a não ser o fato de as autoridades
monetárias agirem como serviçais dos bancos e dos aplicadores
estrangeiros, ou a dependência de ingressos de capital para fechar as
contas externas, devido ao déficit nas transações correntes, causados pelo
modelo desnacionalizante.
22. Parece claro,
sem excluir a primeira hipótese, que a segunda desempenha influência
determinante. Tal como ocorre com os viciados em cocaína e outras drogas, o
Brasil, submetido ao modelo dependente, agrava cada vez mais a dependência,
recorrendo a doses cada vez maiores de drogas (capital
estrangeiro). Para isso, oferece a ele cada vez mais benesses para
atraí-lo.
23. A usual
desculpa da inflação é mais furada que queijos Emmenthaler e Gruyère,
pois, além de ela apresentar-se em queda antes dos aumentos na taxa de juros,
estes não levam à redução da alta dos preços.
24. A maligna
dependência não se limita a produzir crises externas, como as que contribuíram
para pôr de joelhos os submissos governos brasileiros, como em 1982, culminando
com os inqualificáveis Collor e FHC a entregar de graça às transnacionais
patrimônios públicos inalienáveis, conforme exigiram os governos imperiais,
coadjuvados por Banco Mundial e FMI. A política submissa continua sob os
governos petistas.
25. Por que os
desastres produzidos pela dependência não se limitam a isso? Porque ela faz
crescer exponencialmente a dívida pública interna, o que ocorre não só quando o
capital estrangeiro aplica em títulos do Tesouro - e este os emite - mas
também em função das altas taxas de juros, expediente “justificado” pela
“necessidade de atrair aquele capital”.
26. Terminou o
espaço, e assim não posso aditar ao que tenho escrito sobre a imperiosidade de
se anular o último leilão de petróleo e de cancelar o marcado para outubro, na
área do pré-sal. Tenho só de conclamar os compatriotas a participarem das ações
dos que estão lutando nessa direção. Não só as ações judiciais, mas
também as que transcendam as atuais regras legais.
27. E ainda não é
desta vez que resumirei a fraude em que os governos entreguistas transformaram
o setor de energia elétrica, criando um caótico sistema de preços, “de
mercado”, com o intuito de favorecer grandes empresas, principalmente
estrangeiras, as quais, enquanto sugam o País, extinguem o seu futuro, acabando
com sua infraestrutura.
*
- Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus
Desenvolvimento.
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