Adriano
Benayon *
As
chapas de ferro-nióbio são o principal dos produtos do nióbio nas exportações
brasileiras, tendo totalizado US$ 4,8 bilhões, de 1996 a 2013. Somamos os
dados, ano a ano, que estão na tabela do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio.
2.
O mercado é fechado, estando concentrado
em poucas empresas importadoras e pouquíssimas empresas exportadoras. São transações entre empresas
dos mesmos grupos ou entre grupos associados. A CBMM, de Araxá, que exporta 90%
do total, vende o produto às suas próprias subsidiárias no exterior.
3.
O preço seria muito mais alto, se houvesse mercados abertos ou algum tipo de
concorrência, a não ser entre indústrias utilizadoras do metal.
4. A Bolsa de Metais de Londres não informa sobre negociações com o nióbio. Muitas
fontes dizem que o nióbio não é negociado nessa bolsa nem em outras.
5. Encontrei na internet notícia recente, 6 de setembro, da Bolsa de Metais de Bejing (Pekim) nestes
termos: “Os preços do nióbio metálico a 99,9% de pureza permanecem estáveis em
115 a 120 dólares por quilo, na Comunidade de Estados Independentes.” [Rússia,
Ucrânia e outros].
6. Guardei também uma cotação, de 22.02.2011, do sítio eletrônico
“chemicool.com/elements/niobium”, de nióbio puro (óxido de nióbio), a US$ 18,00
por 100g, ou seja, US$ 180 por quilo.
Além disso, outra do mesmo ano, em que barra de nióbio era cotada a U$
315,79/quilo.
7. Isso é mais de 10 vezes o preço oficial da exportação brasileira desse insumo,
i.é., US$ 30,00 por quilo, no último ano.
Já o preço oficial da chapa de ferro-nióbio é menor ainda (R$ 25,00),
mesmo porque não se refere propriamente ao nióbio incorporado às chapas de ferro-nióbio, nas quais o conteúdo
de nióbio é diminuto, embora suficiente para lhes dar qualidade muitíssimo
acima das outras ligas metálicas.
8.
Para ter uma ideia, o preço oficial das exportações das chapas de ferro-silício
e ferro-manganês, têm estado em US$ 1,77 e US$ 2,25, respectivamente. Dez vezes
inferiores aos do ferro-nióbio.
9.
Embora o óxido de nióbio tenha muito valor no exterior, mormente transformado,
após o processo de redução, ele é de pouca significação nas exportações
oficiais brasileiras. O valor oficial de
suas vendas ao exterior quase dobrou de 2009 para 2010, mas não é expressivo: foi
para US$ 44 milhões, com preço médio de US$ 30,00, para quase 1.500 toneladas.
10.
Esse preço de um produto processado em pouco supera o do minério bruto, que vem
associado ao tântalo e ao vanádio. As exportações oficiais desse minério
chegaram, em 2012, a quase US$ 50 milhões, com valor unitário de US$ 24,00.
11.
Note-se que as mineradoras instaladas no Brasil, a CBMM e a Anglo-American,
têm, com as chapas de ferro-nióbio, receita 36 vezes maior que a obtida com o
minério bruto e 41 vezes maior que a obtida com
o óxido de nióbio, mesmo contando-se só suas provavelmente subfaturadas
exportações.
12.
Devem isso à iniciativa do professor Bautista Vidal, titular, nos anos 70, da
Secretaria de Tecnologia Industrial. Ele mobilizou técnicos para criar o
processo de incorporar o óxido às ligas metálicas, através do Departamento de
Engenharia de Materiais - da Escola de Engenharia de Lorena- USP.
13.
As exportações oficiais das chapas de ferro-nióbio certamente não chegam a US$
6 bilhões, desde que começaram, nos anos 80,
até hoje. Pois, em 1996, o volume
ainda era diminuto, e os preços, muito baixos. De então até 2013, conforme a
Tabela do MDIC, foram US$ 4,8 bilhões.
14.
Causa, pois, surpresa esta notícia da
Agência Bloomberg, dos EUA, publicada em 03/03/2013, no Valor Econômico: “
Família mais rica do Brasil fez US$ 13 bilhões com o sonho do nióbio”.
15.
Nela foi reportado: “Ela [a CBMM, Companhia Brasileira de Metalurgia e
Mineração] vale pelo menos US$ 13 bilhões, baseado na venda da família de uma
parte de 30% para um grupo de produtores de aço asiático por US$ 3,9 bilhões em
2011”.
16.
O dado mais notável da notícia da Bloomberg/Valor Econômico é este: “ ... os
herdeiros de Moreira Salles, a família mais rica do Brasil, seus quatro filhos,
Fernando, Pedro, João e Walter, controlam uma fortuna combinada de US$ 27
bilhões, segundo o ‘Bloomberg Billionaires Index’ ”.
17.
Levando em conta que o outro patrimônio mais importante do grupo Moreira Salles
era o UNIBANCO, um banco que, há alguns anos, entrou em dificuldades e foi
absorvido pelo Itaú, parece nebuloso
como foi possível acumular US$ 27 bilhões, com os lucros decorrentes
fundamentalmente das exportações de nióbio, valoradas conforme as cifras
oficiais.
18.
De fato, os lucros disso para a CBMM não poderiam passar muito de US$ 1 bilhão,
diante destes fatos: 1) faturamento de $
6 bilhões; 2) mesmo que os lucros tivessem sido sempre 50% do faturamento, não
passariam de US$ 3 bilhões; 3) até 2007, a CBMM só tinha 50% das ações, além de
que a tecnologia e o provável controle serem da Molybdenum Corp; dos EUA, do
grupo Rockefeller; 4) desde 2011, há grupos siderúrgicos asiáticos com 30% de
participação na CBMM; 5) a CODEMIG (estatal de Minas Gerais) tem 25% de
participação nos “lucros operacionais” da CBMM; 6) 10% das exportações oficiais
provêm da Anglo-American.
19.
Com cerca de US$ 1 bilhão de lucros acumulados, e mais os US$ 3,9 bilhões da venda de 30% do capital da
CBMM, admitindo que tenham ido inteiramente para o grupo Moreira Salles, ainda
se fica muito longe dos US$ 27 bilhões referidos na notícia mencionada.
20.
Fica, pois, demonstrado que o Brasil está longe de ter, em seu proveito, as
receitas reais ou, no mínimo, as receitas reais possíveis, da extração de seu
subsolo de um metal tão precioso e estratégico como o nióbio.
21.
A Constituição nasceu com deficiências, e até fraudes, como a que privilegia o
serviço da dívida, e foi sendo emendada, quase que invariavelmente, para pior.
E o que tem de bom, fica, nas atuais condições, sem serventia. Exemplo: a
propriedade do subsolo e dos recursos minerais definidos como bens da União
(art. 20, VIII, IX e X).
22.
Seria a base para garantir o interesse do País nessa área. Entretanto, o Estado
tornou-se demissionário: praticamente tudo é objeto de concessões. No caso da
principal reserva de nióbio, a União a cedeu ao Estado de Minas. Este, depois
de mais de trinta anos de concessão à CBMM, renovou-a, em 2003, por mais 30
anos, sem licitação.
23.
Cabe indagar por que as coisas são assim? Creio que vêm de longe e se foram
agravando. Aí pelos anos 50, alguns líderes ainda tentavam consolidar a
consciência dos interesses nacionais, e o País fazia progressos para o
desenvolvimento. Nisso, o País sofreu intervenções, como a conspiração que
derrubou Vargas em 1954. Logo após esse golpe, foram dados privilégios às
empresas transnacionais, cujos carteis foram esmagando, em crescente
quantidade, promissoras indústrias nacionais.
24.
Isso acentuou-se sob JK, com a mesma política de atração de capitais
estrangeiros, a qual fez implantar o cartel da indústria automobilística. Esse,
até hoje, produz déficits externos e ainda se ceva de isenções fiscais e
subsídios da União, dos Estados e dos Municípios.
25.
Ora, a desnacionalização implica
inviabilizar o desenvolvimento tecnológico e faz que o apoio governamental à
ciência e a tecnologia seja, na maior
parte, desperdiçado, pois as tecnologias só se desenvolvem em empresas atuantes
no mercado. E dele as nacionais têm hoje poucos nichos. A consequência é a desindustrialização, entendida não só como
regressão à produção primária, mas também como confinamento da indústria a
produções de baixo valor agregado.
26.
Os capitais estrangeiros tornaram-se dominantes inclusive na informação, nas
comunicações e na política. As políticas passaram a ser desenhadas no seu
interesse. Entre os inumeráveis exemplos, está a lei Kandir, que isenta a
exportação, inclusive de produtos primários, de IPI, ICMS e contribuições
sociais. Primeiro lei complementar, ela ganhou mais status em 2003: através de
EC, foi incorporada à Constituição.
27.
Então, a sociedade fica sem forças para reagir, já que os empresários
industriais nacionais foram dizimados, e os que restam são acuados por
políticas adversas. Tampouco os trabalhadores estão bem organizados para
defenderem o País, o que seria a própria defesa deles.
28.
Tivesse o País evoluído nos últimos 59 anos, a economia ter-se-ia diversificado
para patamares crescentes de intensidade tecnológica, e, como no quartzo para
os chips e a eletrônica avançada, o
nióbio estaria sendo utilizado, em grande escala, nos bens de altíssimo
valor agregado.
29.
Nesse caso, não estaríamos falando das perdas atuais com subpreços. Nem
precisaríamos lembrar que nosso percentual da oferta do nióbio é muito maior que a de todos os membros da
OPEP, juntos, no tocante ao petróleo. Poderíamos criar a Bolsa do Nióbio e
defender seus preços.
30.
E ganharíamos centenas de vezes mais ao fabricarmos bens de elevada tecnologia,
competitivos, livres dos carteis e de grupos concentradores.
31.
Esse padrão de desenvolvimento e de consciência dos interesses nacionais, por
parte das lideranças políticas, faria
conhecer o real valor do nióbio e de outros recursos naturais, e,
assim, eles não seriam alienados por
praticamente nada. O Brasil teria também ganhado poder suficiente para defender
seu povo e seus bens.
[Notas:
1) a CBMM pertence à holding financeira, Brasil Warrants, originalmente
Brazilian Warrants, adquirida em Londres, a qual seria controlada pela família
Moreira Salles; 2) documentos oficiais classificam como de seu interesse estratégico
dos EUA as reservas de nióbio situadas em Araxá (MG), concedidas à CMBB e
Catalão (GO), à mineradora britânica Anglo-American.]
*Doutor em Economia e Professor da Universidade de Brasília
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