Aylê - Salassié F. Quintão
Fiquei assustado.
-Essa
Copa já acabou! Não vai dar certo! Ninguém apóia esta corrupção e esta
violência generalizada .Há 22 dias do início da Copa do Mundo de Futebol, ouvir me filho, um jovem, com um enorme futuro profissional pela frente, fazer uma declaração dessas, e nela insistir com ênfase e convicção, é de assustar. É muita adrenalina e frustração represadas.
Não é momento mais de insistir no fracasso da Copa no Brasil - pensei. Ao contrário: é embarcar na canoa, e tentar fazer as coisas darem certo. Porque?
- Porque tudo que acontecer na Copa agora vai
refletir na vida do brasileiro por muitos anos aqui dentro e lá fora. São
coisas como essas que são sinalizadas pela experiência.
-
Mas, não é isso que você insinua no seu livro Rupturas, observou Alexandre.
Não
havia pensado nisso. O livro é um
registro do que a minha vista alcançou sobre o comportamento das novas
gerações. Só que há uma fronteira quase intransponível entre o analógico – as coisas, costumes e
expectativas dadas - e o digital – os efeitos
tecnológicos rupturais e viralmente inovadores - que
certamente não consegui ultrapassar.
Isso
me fez lembrar quando retornava de navio, pelo mar Adriático, da cobertura dos
Jogos Olímpicos de Atenas. No navio
havia conhecido o Presidente do Comitê Olímpico do Paquistão, que viajava com
sua família por ali, e pretendia
conhecer Veneza. Como já estivera na região em viagens anteriores, prometi
ajudar-lhe nos translados e até na indicação de hotéis. Descemos em Trieste. Era domingo. Os
paquistaneses com muitas malas . Já fora da área do porto, numa pequena praça, pedi licença ao grupo
para ir até um bar à frente chamar um táxi por telefone. Quando retornei encontrei a polícia italiana
cercando os paquistaneses : o presidente, a mulher, duas crianças pequenas, seu
sogro e sua sogra que viajavam juntos.
-
Que sucede?!
- O policial virou-se para mim, e perguntou se eu estava com eles: Conosce questi signori?
-Si, cognocciamo nella nave.
-
Passaporto! Voglio vedere il passaporto....Hum,... braziliano... Si, andate.
Vade presto!
-
Virou as costas , enfiou os paquistaneses amontoados dentro de um camburão, e
desapareceu com eles.
Sem saber o que fazer, o
táxi já à espera, embarquei, e segui
para a estação da estrada de ferro, onde tomaria o trem para Veneza. Nunca mais
ouvi falar dos paquistaneses. O taxista me contou que eram ainda os reflexos do
atentado ao World Trade Center, em Nova York. A seguranças dos países do
Ocidente passaram a tratar com mais rigor viajantes asiáticos, sobretudo,
aqueles que vinham do mundo árabe e de países mulçumanos: Iraque, Síria, Pasquistão, Afeganistão, Turquestão
etc...
Como foi boa aquela sensação de sentir-me
brasileiro. Concluo: perderemos muito mais, se o Brasil fracassar na Copa por
causa de incompetência, corrupção e
violência, mas também discordo das conclusões cretinas de que os legados da Copa são mais
importantes que a construção de hospitais ou de escolas.
*Jornalista/professor/consultor
da Catalytica Empreendimentos
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