terça-feira, 20 de maio de 2014

“Passaporto braziliano”


Aylê - Salassié F. Quintão
Fiquei assustado.
-Essa Copa já acabou! Não vai dar certo! Ninguém apóia esta corrupção e esta violência generalizada .

Há 22 dias do início da Copa do Mundo de Futebol, ouvir me filho, um jovem, com um enorme futuro profissional pela frente, fazer uma declaração dessas, e nela insistir com ênfase e convicção, é de assustar. É muita adrenalina e frustração represadas.

Não é momento mais de insistir no fracasso da Copa no Brasil - pensei. Ao contrário: é embarcar na canoa, e tentar fazer as coisas darem certo. Porque?

-  Porque tudo que acontecer na Copa agora vai refletir na vida do brasileiro por muitos anos aqui dentro e lá fora. São coisas como essas que são sinalizadas pela experiência.
- Mas, não é isso que você insinua no seu livro Rupturas, observou Alexandre.

 -  Eu?!
-Sim, é você mesmo! Qualquer pessoa que tiver o mínimo de informação sobre a sociedade do conhecimento, e ler seu livro está pronta para iniciar uma revolução.

Não havia pensado nisso.  O livro é um registro do que a minha vista alcançou sobre o comportamento das novas gerações. Só que há uma fronteira quase intransponível  entre o analógico – as coisas, costumes e expectativas dadas - e o digital – os efeitos  tecnológicos rupturais e viralmente inovadores  - que  certamente não consegui ultrapassar.
Isso me fez lembrar quando retornava de navio, pelo mar Adriático, da cobertura dos Jogos Olímpicos de Atenas.  No navio havia conhecido o Presidente do Comitê Olímpico do Paquistão, que viajava com sua família  por ali, e pretendia conhecer Veneza. Como já estivera na região em viagens anteriores, prometi ajudar-lhe nos translados e até na indicação de hotéis.    Descemos em Trieste. Era domingo. Os paquistaneses com muitas malas . Já fora da área do porto,  numa pequena praça, pedi licença ao grupo para ir até um bar à frente chamar um táxi por telefone.  Quando retornei encontrei a polícia italiana cercando os paquistaneses : o presidente, a mulher, duas crianças pequenas, seu sogro e sua sogra que viajavam juntos.
- Que sucede?!

- O policial virou-se para mim, e perguntou se eu estava com eles: Conosce questi signori?

-Si, cognocciamo nella nave.

- Passaporto! Voglio vedere il passaporto....Hum,... braziliano... Si, andate. Vade presto!
- Virou as costas , enfiou os paquistaneses amontoados dentro de um camburão, e desapareceu com eles.

Sem saber o que fazer, o táxi  já à espera, embarquei, e segui para a estação da estrada de ferro, onde tomaria o trem para Veneza. Nunca mais ouvi falar dos paquistaneses. O taxista me contou que eram ainda os reflexos do atentado ao World Trade Center, em Nova York. A seguranças dos países do Ocidente passaram a tratar com mais rigor viajantes asiáticos, sobretudo, aqueles que vinham do mundo árabe e de países mulçumanos:  Iraque, Síria,  Pasquistão, Afeganistão, Turquestão etc... 
Como  foi boa aquela sensação de sentir-me brasileiro. Concluo: perderemos muito mais, se o Brasil fracassar na Copa por causa de  incompetência, corrupção e violência, mas também discordo das conclusões cretinas  de que os legados da Copa são mais importantes que a construção de hospitais ou de escolas.
*Jornalista/professor/consultor da Catalytica Empreendimentos

Nenhum comentário:

Postar um comentário