quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Argenleaks, Politileaks e a marcha contra Cristina Kirchner

Francisco das Chagas Leite Filho
 
No último dia 18, uma marcha estrepitosa, estimulada pelos setores concentrados da mídia e da economia, tentou minar e até destituir a presidenta Cristina Kirchner. Em princípio, convocada por cinco promotores desavindos com o governo, a título de lembrar o primeiro mês da morte do promotor Alberto Nismman, ela foi logo instrumentalizada politicamente pelos Grupos Clarín, La Nación e Perfil, que controlam a mídia privada.
A marcha de los fiscales (promotores), como se autodenomina, é considerada um desafio político tão inquietante como aquele da revolta do campo, que ameaçou a chefa do Estado argentino, pouco depois de ela haver assumido a Casa Rosada, em 2008.
Neste contexto, os livros Argenleaks e Politileaks, do jornalista Santiago O'Donnel,  traduzem-se numa referência para entender o processo argentino e latino-americano na sua relação com os Estados Unidos e o chamado mundo ocidental.
Eles são considerados de suma importância, por desvendarem, através da publicação, edição e análise dos cables (documentos secretos) da embaixada estadunidense em Buenos Aires. É que eles indicam o nível de relacionamento, as opiniões e mesmo delações feitas pelas principais figuras da oposição, além de donos, editores e repórteres especiais de jornais, que costumam frequentar a sede da representação na Avenida Colômbia, 4300, ou trocar ideias com seus diplomatas e agentes secretos, em lautos almoços e jantares, em residências privadas ou nos finos restaurantes portenhos.
O jornalista Santiago O'Donnell, editor internacional do Página 12, recebeu, pessoalmente, em Londres, das mãos de Julian Assange, diretor do  Wikileaks, um pen-drive de 2.700 documentos (cables, telegramas, emails) trocados pela Embaixada Americana, em Buenos Aires, com a sede do Governo em Washington.
Ele, na verdade, integra o pacote de mais  de dois milhões de documentos publicados pelo site, em 2012, com grande repercussão internacional. O que O'Donnel encontrou nesse minúsculo dispositivo foram provas cabais daquilo que era simples voz corrente: a sistemática intromissão dos EUA nos assuntos internos daquele país, começando pelo tutelamento da mídia hegemônica, entidades empresariais, setores da sociedade e dos principais líderes oposicionistas com vistas a sabotar e torpedear as iniciativas envolvendo a emancipação e a soberania do país.
No caso específico do ex-procurador Alberto Nisman, essa intromissão, que também arrolou os serviços secretos da CIA, do israelense Mossad e do britânico MI6, resultaram no prolongamento indefinido das investigações sobre o atentado da AMIA, onde morreram 85 pessoas e outras 252 ficaram feridas. Isto foi ao ponto de, até hoje, passados 21 anos, de marchas e contramarchas, não produzir qualquer conclusão confiável, além de continuar a produzir mais controvérsias, destruição de reputações de juízes, promotores, jornalistas e mortes, como a de Nisman, encontrado morto numa poça de sangue no banheiro de seu apartamento de Buenos Aires, no último dia 18 de janeiro.
Desse modo, os documentos do Wikileaks renderam a O'DOnnell dois livros "Argenleaks" e "Politileaks", escritos em espanhol, ainda não traduzidos no Brasil, mas que já podem ser baixados, ao preço de dez dólares, pelo celular ou micromputador, nas lojas da Apple e da Amazon.
Eles são agora considerados essenciais para entender o momento do vizinho do Prata, sobretudo o "Politileaks", o último a ser lançado, já que escarafuncha a relação promíscua de Nisman, que poucos dias antes de sua morte, tinha denunciado a presidenta Cristina Kirchner e o chanceler Héctor Timerman de acobertarem os cidadãos iranianos acusados de autores do atentado da AMIA .
O Café na Política entrevistou O'Donnell, quando ele relatou sua experiência no trato com esses documentos, num vídeo através do Skype, ainda em preparação, assim como analisa a situação deflagrada pela súbita morte do procurador, anunciada em 18 de janeiro último.
O vídeo, que ainda depende de um contato final com O'Donnel, será apresentado neste espaço, e transmitido pela TV Cidade Livre de Brasília, Canal 12 da NET (DF) e postado no Youtube. Enquanto isso, convidamos o leitor a apreciar algumas das conclusões do escritor argentino, que ainda teve uma experiência de quatro anos de repórter policial no Washington Post e no Los Angeles Times.
“A embaixada diz ter uma relação muito estreita com o Clarín, do mais modesto periodista ao editor-geral, com quem está constantemente falando e mandando-lhes passagens para que se divirtam, (coisa) que o jornal muito agradece e que não opõe qualquer obstáculo em colocar matérias editoriais em suas páginas".
"O procurador que investiga o atentado de 1994 contra o edifício da sede da AMIA, Alberto Nisman se desculpou junto à embaixada dos Estados Unidos, por não lhe ter avisado de que pediria a detenção do ex-presidente e atual senador Carlos Menem, por suposto desvio da investigação, nos primeiros anos da causa contra os ex-funcionários iranianos.
Nisman estava “especialmente interessado em desculpar-se” porque sua atitude, que surpreendeu os americanos, num momento em que chegava ao país o diretor do FBI, John Pistole. As palavras entre aspas surgem dos emails do então embaixador Earl Wayne: 'Nisman disse várias vezes não ter pensado que a visita (de Pistole) coincidiria com seu anúncio. Referiu que pedia muitas desculpas e que agradecia o apoio e a ajuda do governo dos Estados Unidos e que de nenhuma maneira queria subestimá-lo

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