Aylê –Salassié F. Quintão
(Jornalista e Professor)
O vice-presidente da
República, Michel Temer, ganhou a prerrogativa de redistribuir cargos no Governo. O que o PT
está aprontando? Tentativa de seduzir os dissidentes do PMDB no Congresso ou
dividir com o partido, suposto aliado, os encargos políticos dos grandes escândalos?
Isso remete a um episódio na passagem do regime
militar para o civil, nos idos dos anos 80, no momento proclamado como o do
surgimento da Nova República. O gabinete do ministério da Reforma Agrária, ainda
sem a devida configuração, sem plano de trabalho e até sem nome, foi invadido
literalmente por uma representação da coalizão vencedora da ditadura, integrada
pelo deputados Ulysses Guimarães, Pimenta da Veiga, Luiz Henrique e os
senadores Fernando Henrique Cardoso e Marcos Maciel.
Aquela comissão de “notáveis”
vinha dar os arremates finais na configuração
dos recursos humanos do ministério. Sem existir, os cargos de assessoria
superior (DAS) já estavam todos ocupados pelas diferentes representações
políticas, que compunham a coalisão : o ministro vinha da CNBB e da AP, o
presidente do Incra do PCdoB, o chefe da assessoria econômica do PCB, a Ala
vermelha tinha uma diretoria, e assim por diante. Cabia à Comissão atender agora
à avidez dos demais sócios daquela vitória política. Os “notáveis” estavam ali
com a finalidade de distribuir os cargos de
assessoria intermediária chamados
de DAI, que contemplavam funções de remuneração e status funcional mais
modestos como chefes de seção . Era surpreendente o número de candidatos para
cada um daqueles cargos.
Pairava no ar o receio de que
houvesse uma reviravolta no Poder, e os militares retornassem, fazendo emergir
uma frustração , que aborreceu também a Lênin, ao reclamar que suas ordens
chegavam desvirtuadas em baixo, ou
sequer eram cumpridas. Stálin mudou tudo. Incrustou o partido na estrutura do
Estado e das empresas, criando ainda uma
polícia própria. Os subalternos estavam compulsoriamente comprometidos em dar
cumprimento a qualquer ordem superior. Assim, na gestão de Stálin, os Planos
Quinquenais registraram expansões do produto interno bruto da Rússia nunca
antes - e nem depois - conseguidas. Stálin instituíra uma estrutura de apoio à
governabilidade que ia dos aparelhos repressivos e ideológicos à burocracia de
Estado. De menos de 300 mil , o número de funcionários públicos nos anos
iniciais da revolução passou para mais de 5 milhões.
A estratégia terminou por gerar uma casta dentro da luta de classes,
chamada de nomenklatura , manipuladora
das políticas e dos resultados (ver o filme Armagedon) e que levou Trostski a
denunciá-la no livro A Revolução Traída, resultando no seu assassinato. Um
dissidente dessa casta, Michael Voslenki, em 1970 , escreveu um outro livro
Nomenklatura: The Soviet Ruling Class, que, nos governos seguintes, quase colocou uma pá de cal na burocracia
soviética.
No Brasil, a lanterna de popa
dos militares foi acompanhar a fase stalinista da revolução russa, instituindo
uma categoria profissional, chamada genericamente de “tecnocracia”, sujeitos altamente preparados e
descompromissados com partidos políticos. Com ela vieram os Planos de
Desenvolvimento. Por meio deles fruía de maneira orgânica indicações claras
para as políticas públicas setoriais, com objetivos, metas, metodologias,
fontes de financiamentos reais e massa crítica competente para a sua execução.
Esses homens pavimentaram o caminho para o tal
salto no desenvolvimento de que falava Gunnar Myrdal.
Veio a Nova República. Não havia
um projeto de Nação. Buscava-se a democratização como panaceia. Era somente um projeto de Poder . Toda aquela
estrutura tecnocrática que amparava a governabilidade, e que não chegava a ter
a força da nomenklatura estalinista, foi substituída pelo aparelhamento
ideológico e partidário do Estado, que a serviço de cada um de seus membros e
correntes, começou a preocupar-se com pequenos eventos, tapando um buraco aqui
e outro ali.
O Brasil chegou a ter uma inflação de 1.200%
ao ano . A presença nos postos de decisão dentro no aparelho de Estado de
pessoas messianicamente preocupadas com projetos de poder, partidários ou
pessoais, fez com que o País caísse
finalmente em mãos corporativas: 39 ministérios, 6 milhões de funcionários –
dos quais um milhão de terceirizados – e
uma folha de pagamento responsável pelo gastos oficiais de quase 60% do Orçamento
da União .
Sem um projeto de Nação, o País
caiu num buraco sem fundo, alimentado por falácias discursivas,
transformando-se num campo fértil para as agências de publicidade e marketing e
uma mina de dinheiro para os grandes e sábios especuladores. Diante de um
cenário como esse seria de se perguntar para onde caminha Michel Temer, ao enfrentar as aves de rapina que sobrevivem
e circulam no espaço do Estado e do seu próprio partido?
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