terça-feira, 21 de abril de 2015

Nomenklatura


Aylê –Salassié F. Quintão (Jornalista e Professor)

                 O vice-presidente da República, Michel Temer, ganhou a prerrogativa de  redistribuir cargos no Governo. O que o PT está aprontando? Tentativa de seduzir os dissidentes do PMDB no Congresso ou dividir com o partido, suposto aliado, os encargos políticos  dos grandes escândalos?               
                 Isso  remete a um episódio na passagem do regime militar para o civil, nos idos dos anos 80, no momento proclamado como o do surgimento da Nova República. O gabinete do ministério da Reforma Agrária, ainda sem a devida configuração, sem plano de trabalho e até sem nome, foi invadido literalmente por uma representação da coalizão vencedora da ditadura, integrada pelo deputados Ulysses Guimarães, Pimenta da Veiga, Luiz Henrique e os senadores Fernando Henrique Cardoso e Marcos Maciel.
               Aquela comissão de “notáveis” vinha dar os arremates finais na configuração  dos recursos humanos do ministério. Sem existir, os cargos de assessoria superior (DAS) já estavam todos ocupados pelas diferentes representações políticas, que compunham a coalisão : o ministro vinha da CNBB e da AP, o presidente do Incra do PCdoB, o chefe da assessoria econômica do PCB, a Ala vermelha tinha uma diretoria, e assim por diante. Cabia à Comissão atender agora à avidez dos demais sócios daquela vitória política. Os “notáveis” estavam ali com a finalidade de distribuir os cargos de  assessoria intermediária  chamados de DAI, que contemplavam funções de remuneração e status funcional mais modestos como chefes de seção . Era surpreendente o número de candidatos para cada um daqueles cargos.
                Pairava no ar o receio de que houvesse uma reviravolta no Poder, e os militares retornassem, fazendo emergir uma frustração , que aborreceu também a Lênin, ao reclamar que suas ordens chegavam  desvirtuadas em baixo, ou sequer eram cumpridas. Stálin mudou tudo. Incrustou o partido na estrutura do Estado  e das empresas, criando ainda uma polícia própria. Os subalternos estavam compulsoriamente comprometidos em dar cumprimento a qualquer ordem superior. Assim, na gestão de Stálin, os Planos Quinquenais registraram expansões do produto interno bruto da Rússia nunca antes - e nem depois - conseguidas. Stálin instituíra uma estrutura de apoio à governabilidade que ia dos aparelhos repressivos e ideológicos à burocracia de Estado. De menos de 300 mil , o número de funcionários públicos nos anos iniciais da revolução passou para mais de 5 milhões.
               A estratégia terminou por  gerar uma casta dentro da luta de classes, chamada de nomenklatura ,  manipuladora das políticas e dos resultados (ver o filme Armagedon) e que levou Trostski a denunciá-la no livro A Revolução Traída, resultando no seu assassinato. Um dissidente dessa casta, Michael Voslenki, em 1970 , escreveu um outro livro Nomenklatura: The Soviet Ruling Class, que, nos governos seguintes,  quase colocou uma pá de cal na burocracia soviética.
                   No Brasil, a lanterna de popa dos militares foi acompanhar a fase stalinista da revolução russa, instituindo uma categoria profissional, chamada genericamente de “tecnocracia”,  sujeitos altamente preparados e descompromissados com partidos políticos. Com ela vieram os Planos de Desenvolvimento. Por meio deles fruía de maneira orgânica indicações claras para as políticas públicas setoriais, com objetivos, metas, metodologias, fontes de financiamentos reais e massa crítica competente para a sua execução. Esses homens pavimentaram o caminho para o tal   salto no desenvolvimento de que falava Gunnar Myrdal.
               Veio a Nova República. Não havia um projeto de Nação. Buscava-se a democratização como panaceia.  Era somente um projeto de Poder . Toda aquela estrutura tecnocrática que amparava a governabilidade, e que não chegava a ter a força da nomenklatura estalinista, foi substituída pelo aparelhamento ideológico e partidário do Estado, que a serviço de cada um de seus membros e correntes, começou a preocupar-se com pequenos eventos, tapando um buraco aqui e outro ali.
              O Brasil chegou a ter uma inflação de 1.200% ao ano . A presença nos postos de decisão dentro no aparelho de Estado de pessoas messianicamente preocupadas com projetos de poder, partidários ou pessoais,  fez com que o País caísse finalmente em mãos corporativas: 39 ministérios, 6 milhões de funcionários – dos quais um milhão  de terceirizados – e uma folha de pagamento responsável pelo gastos oficiais de quase 60% do Orçamento da União .
                 Sem um projeto de Nação, o País caiu num buraco sem fundo, alimentado por falácias discursivas, transformando-se num campo fértil para as agências de publicidade e marketing e uma mina de dinheiro para os grandes e sábios especuladores. Diante de um cenário como esse seria de se perguntar para onde caminha Michel Temer,  ao enfrentar as aves de rapina que sobrevivem e circulam no espaço do Estado e do seu próprio partido?

 

 

 

 

 

 

 

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