Jornalista Francisco das Chagas
Leite Filho
O
desabafo de ontem do ex-presidente Lula me faz recordar algumas conversas que
tive ao telefone com Leonel Brizola, quando este já beirava os 90, nos albores
de 2002. Brizola era homem muito contido e policiado, presencialmente, mas, no
telefone, costumava se soltar. Nessas nossas ligações, lamentava a inércia do
PDT, sua cria que não chegou ao poder e nem por isso deixou de se acomodar.
“Nós nos aburguesamos”, dizia, ao vituperar contra a burocratização e a
fossilização que, impotente, via carcomer as entranhas de sua legenda e, junto
com ela, toda a política nacional.
Com
o Lula agora reclamando dos seus petistas que “só querem cargos” e “não mais
trabalham de graça” e da inação da atual presidenta Dilma, Brizola perguntava
para onde tinham ido a vibração e a pureza daqueles que lutaram contra a
ditadura, em favor das diretas-já e da anistia. Sua conclusão era de que tudo
ia acabar sendo engolido pelo sistema de dominação, ali pelo início do novo
milênio, a todo vapor, por causa da magia da globalização, por baixo da qual o
neoliberalismo devorava reputações, riquezas naturais e direitos do
trabalhador.
Brizola,
porém, não viveu para presenciar a virada contra os velhos dominadores que
ocorreria pouco depois de sua morte, em 2004, com o advento dos presidentes
progressistas Hugo Chávez, o próprio Lula, Evo Morales, Rafael Correa e Néstor
e Cristina Kirchner. A postura destemida e colaborativa desta nova fornada de
líderes, na mesma linha nacionalista de Brizola e Vargas, impôs uma nova
correlação de forças pela qual foi possível promover, em seus países, a
ascensão social de milhões de pessoas, a criação massiva de empregos, o fomento
do comércio regional e o desenvolvimento com inclusão.
Como
tal política implica contraria interesses secularmente incrustados,
principalmente porque nossas prioridades comerciais se deslocaram dos Estados
Unidos e da Europa para a China e a Rússia, a reação não se fez esperar. As
investidas isoladas para derrocar Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa,
todas desbaratadas a partir justamente da força que havia assumido aquela
cooperação regional.
Mas
agora, elas voltam com ímpeto de um furacão, redobrado, coordenado e
simultâneo, , para aniquilar não apenas um outro presidente progressista,
isoladamente, mas todos eles juntos, numa só bordoada. São as arremetidas
dirigidas que acabam de ser despejadas, indistintamente, contra a Venezuela, a
Argentina, o Brasil, a Bolívia e o Equador. A partir de uma articulação
midiática extra-continental, essa ofensiva se imiscui na sociedade civil, na
opinião pública, na Justiça, no Parlamento, nas igrejas, nos partidos políticos
e nas empresas de todos esses países.
Sua
estratégia visa, primeiro, desacreditar, com desinformação e fabricação de
escândalos, como o “petrolão” brasileiro, o “enriquecimento ilícito da família
Kirchner”, na Argentina, e as “operações de narcotráfico” do presidente do
parlamento venezuelano, Diosdado Cabello. Na segunda etapa, vem o assalto ao
poder, com ou sem sangue, para anular todas as medidas inclusivas que beneficiaram
a classe média e trabalhadora, mas que provocaram prejuízos ao sistema
dominante, ou seja, as empresas transnacionais e o sistema financeiro.
Daí
os ataques a Lula,, Dilma, Cristina Kirchner, Nicolás Maduro, sucessor de
Chávez na Venezuela, Evo Morales, na Bolívia, e Rafael Correa, no Equador. Mas,
aqui, o importante a observar é que esses ataques vêm sendo rebatidos com
grande vigor e determinação, por Maduro, Cristina, Evo e Rafael, sobretudo
porque eles cuidaram de engendrar uma militância articulada que vai para as
ruas defender o governo e suas conquistas, sempre que estas são ameaçadas.
No
Brasil, reconheçamos, tanto Lula, como Brizola e Getúlio Vargas, vítimas das
mesmas ou ainda mais intensas ignomínias, descuidaram de organizar o povo para
defender seus projetos. A diferença de Lula para Getúlio e Brizola é que estes
últimos viviam num Brasil que se jactava de viver de costas para os vizinhos da
América do Sul. Hoje, não, Lula e Dilma têm o apoio da Argentina e da
Venezuela, que formam conosco as grandes potências do subcontinente, além, é
claro, da Bolívia e do Equador.
Lula
e Dilma, portanto, não estão sozinhos, só precisando construir seus apoios
efetivos internos, para, juntamente com as forças vizinhas, rebater os golpes
do grande império, inclusive porque assim estarão mais fortes para resistir. Se
os dois fraquejarem, será a perdição não só do Brasil mas de toda a América
Latina, progressista e não progressista, já que o arrastão imperial não se
dispõe a poupar a ninguém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário