quarta-feira, 24 de junho de 2015

Lula, Getúlio, Brizola, Chávez, Cristina e a resistência


Jornalista Francisco das Chagas Leite Filho
O desabafo de ontem do ex-presidente Lula me faz recordar algumas conversas que tive ao telefone com Leonel Brizola, quando este já beirava os 90, nos albores de 2002. Brizola era homem muito contido e policiado, presencialmente, mas, no telefone, costumava se soltar. Nessas nossas ligações, lamentava a inércia do PDT, sua cria que não chegou ao poder e nem por isso deixou de se acomodar. “Nós nos aburguesamos”, dizia, ao vituperar contra a burocratização e a fossilização que, impotente, via carcomer as entranhas de sua legenda e, junto com ela, toda a política nacional.
Com o Lula agora reclamando dos seus petistas que “só querem cargos” e “não mais trabalham de graça” e da inação da atual presidenta Dilma, Brizola perguntava para onde tinham ido a vibração e a pureza daqueles que lutaram contra a ditadura, em favor das diretas-já e da anistia. Sua conclusão era de que tudo ia acabar sendo engolido pelo sistema de dominação, ali pelo início do novo milênio, a todo vapor, por causa da magia da globalização, por baixo da qual o neoliberalismo devorava reputações, riquezas naturais e direitos do trabalhador.
Brizola, porém, não viveu para presenciar a virada contra os velhos dominadores que ocorreria pouco depois de sua morte, em 2004, com o advento dos presidentes progressistas Hugo Chávez, o próprio Lula, Evo Morales, Rafael Correa e Néstor e Cristina Kirchner. A postura destemida e colaborativa desta nova fornada de líderes, na mesma linha nacionalista de Brizola e Vargas, impôs uma nova correlação de forças pela qual foi possível promover, em seus países, a ascensão social de milhões de pessoas, a criação massiva de empregos, o fomento do comércio regional e o desenvolvimento com inclusão.
Como tal política implica contraria interesses secularmente incrustados, principalmente porque nossas prioridades comerciais se deslocaram dos Estados Unidos e da Europa para a China e a Rússia, a reação não se fez esperar. As investidas isoladas para derrocar Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, todas desbaratadas a partir justamente da força que havia assumido aquela cooperação regional.
Mas agora, elas voltam com ímpeto de um furacão, redobrado, coordenado e simultâneo, , para aniquilar não apenas um outro presidente progressista, isoladamente, mas todos eles juntos, numa só bordoada. São as arremetidas dirigidas que acabam de ser despejadas, indistintamente, contra a Venezuela, a Argentina, o Brasil, a Bolívia e o Equador. A partir de uma articulação midiática extra-continental, essa ofensiva se imiscui na sociedade civil, na opinião pública, na Justiça, no Parlamento, nas igrejas, nos partidos políticos e nas empresas de todos esses países.
Sua estratégia visa, primeiro, desacreditar, com desinformação e fabricação de escândalos, como o “petrolão” brasileiro, o “enriquecimento ilícito da família Kirchner”, na Argentina, e as “operações de narcotráfico” do presidente do parlamento venezuelano, Diosdado Cabello. Na segunda etapa, vem o assalto ao poder, com ou sem sangue, para anular todas as medidas inclusivas que beneficiaram a classe média e trabalhadora, mas que provocaram prejuízos ao sistema dominante, ou seja, as empresas transnacionais e o sistema financeiro.
Daí os ataques a Lula,, Dilma, Cristina Kirchner, Nicolás Maduro, sucessor de Chávez na Venezuela, Evo Morales, na Bolívia, e Rafael Correa, no Equador. Mas, aqui, o importante a observar é que esses ataques vêm sendo rebatidos com grande vigor e determinação, por Maduro, Cristina, Evo e Rafael, sobretudo porque eles cuidaram de engendrar uma militância articulada que vai para as ruas defender o governo e suas conquistas, sempre que estas são ameaçadas.
 
No Brasil, reconheçamos, tanto Lula, como Brizola e Getúlio Vargas, vítimas das mesmas ou ainda mais intensas ignomínias, descuidaram de organizar o povo para defender seus projetos. A diferença de Lula para Getúlio e Brizola é que estes últimos viviam num Brasil que se jactava de viver de costas para os vizinhos da América do Sul. Hoje, não, Lula e Dilma têm o apoio da Argentina e da Venezuela, que formam conosco as grandes potências do subcontinente, além, é claro, da Bolívia e do Equador.
Lula e Dilma, portanto, não estão sozinhos, só precisando construir seus apoios efetivos internos, para, juntamente com as forças vizinhas, rebater os golpes do grande império, inclusive porque assim estarão mais fortes para resistir. Se os dois fraquejarem, será a perdição não só do Brasil mas de toda a América Latina, progressista e não progressista, já que o arrastão imperial não se dispõe a poupar a ninguém.

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