Pedro Rogério Moreira
Neste momento em que o Ocidente assiste com horror e misericórdia à maior onda migratória forçada desde a empreendida pelos povos perseguidos pelo nazismo, é oportuno visitar (ou revisitar, como fez este redator), a magistral obra do historiador inglês Edward Gibbon, “Declínio e queda do Império Romano”. Gibbon colocou o ponto final em seu estudo, o mais completo da historiografia romana, no dia 27 de junho de 1787. Portanto, há 228 anos. E quanta atualidade o livro escancara aos olhos espantados do leitor do século 21! Mais: o quanto Gibbon adverte para o futuro, que afinal chegou.
Ao contrário do que muitos pensam, o Império Romano, em diversos momentos de sua grandiosa existência, foi de uma liberalidade leviana que rivaliza com seus piores momentos de intensa crueldade. Tal qual hoje se comportam os Estados Unidos e as nações européias que no século 19 e 20 mantinham sob seu tacão nações inteiras da África e do Oriente. Maus ali, bonzinhos aqui. Maus com crueldade. Bonzinhos com leviandade.
A política externa de Roma, sob o imperador Valente (365), pressionada pelo huno Átila, abriu as fronteiras do Norte ao acolhimento dos godos, chamados “bárbaros” pelo Império. Afinal, é preciso demonstrar boa vontade, misericórdia com os vencidos. Fala mais alto a alma latina.
Foi o marco do declínio imperial, assinala Gibbon. Os godos foram admitidos no exército romano, até como oficiais! Prosperaram no magistério e na administração pública, sem falar nos serviços domésticos.
Até que, no inicio dos anos 400, a trombeta de Alarico soou pelo Império Romano, despertando de um aparente sono toda a ira, humilhação, recalques e barbárie dos homens do Norte que viviam sob o acolhimento romano. O grande guerreiro queria conquistar o mundo. E sobretudo cobrar o tributo de séculos de governantes romanos ímpios, embora, de vez em quando, bonzinhos...
Gibbon revive assim este momento: “O rei dos godos, que não mais dissimulava sua sede de pilhagem e vingança, surgiu em armas sob as muralhas da capital, e o trêmulo Senado, sem nenhuma esperança de socorro, preparou-se para, através de uma desesperada resistência, retardar a ruína de sua pátria. Mas nada pôde fazer contra a secreta conspiração de seus escravos e criados, os quais, por nascimento ou interesse, perfilhavam a causa do inimigo. Após 1163 anos de sua fundação, Roma, que subjugara e civilizara parte tão considerável da humanidade, viu-se entregue à fúria licenciosa das tribos da Germânia e da Cítia”.
Nada havia sido esquecido, naqueles povos antes oprimidos pela bota imperial. O que se deu, então? Oficiais godos matavam seus colegas de farda, oficiais romanos; soldados godos saqueavam os quartéis onde serviam. Alunos godos matavam seus mestres romanos! Criados godos matavam patrões romanos que os tinham como fiéis servidores.
Prossegue o historiador inglês: “É lícito perguntar-nos, com ansiosa curiosidade, se a Europa ainda está ameaçada da repetição das calamidades que afligiram as armas e as instituições romanas”.
Ele mesmo responde: “Novos inimigos e perigos ignorados podem possivelmente surgir de algum povo obscuro, mal visível ainda no mapa do mundo”.
Ora, 228 anos depois de Gibbon proferir a advertência, estamos nós, no Ocidente, espantados com o Estado Islâmico, o Boko Haran e outros povos cruéis que barbarizam a civilização.
O caráter do Ocidente cristão ou mesmo dos ocidentais sem crenças, está felizmente impregnado das virtudes da misericórdia e do sentido ético do humanitarismo. É exatamente isto que nos diferencia da barbárie. Não podemos dar as costas a crianças mortas no Mediterrâneo nem à onda de esfomeados que trilham hoje a Europa tentando uma nova existência digna. É o nosso evangelho, sejamos por Cristo ou não.
Pois o mundo civilizado espera, ou quer acreditar, que essa Hégira do século 21, que assistimos pela televisão, seja inspirada naquela empreendida por Maomé em 622: pela construção da paz.
Mas, depois de ler o Gibbon, eu cá me pergunto e passo a pergunta ao leitor: - Por que países ricos, imensamente ricos, e cultural e religiosamente afinados com a onda migratória, como a nababa Arábia Saudita, a bela Turquia, os Emirados endinheirados de petróleo – porque tais países de teocracia muçulmana não acolhem seus irmãos muçulmanos? O Egito, ali pertinho, com grandes áreas do Nilo ainda a agriculturar, por que não chama a si, ou pelo menos partilha com a Europa, a responsabilidade moral de amparar os refugiados?
E a pergunta de Gibbon permanece: e se ressoar a trombeta de um novo Alarico?
Um sucesso editorial em todo o mundo, este ano, é o romance “Submissão”, do escritor francês Michel Huelebequec (Prêmio Gouncourt). Ele ficciona de modo perturbador: em 2022, é eleito presidente da República da França o candidato do (inexistente hoje) Partido da Irmandade Muçulmana, que vinha pregando o bolsa-família para quem tivesse mais filhos. Desentendimentos internos (como sempre estúpidos) na Esquerda e na Direita tradicionais francesas, consagram o candidato popularíssimo da burca.
É mais um aviso da trombeta de Alarico?
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