Aylê –Salassié F. Quintão
Com evasivas e silêncios prolongados, a presidente Dilma adia sistematicamente a decisão sobre o enxugamento da máquina do Estado que funcionaria como uma contrapartida do esforço do Governo para amenizar o impacto das contas no tal “orçamento deficitário”. Se se dispuser a fazê-lo, terá de começar pelos 18 mil cargos existentes dentro da própria Presidência da República e pelos 39 ministérios. Depois, passar uma borracha, mesmo que parcial, sobre os 130 mil novos contratados pelo governo do PT, espalhados dentro do aparelho de Estado e, concomitante, reduzir as 7 mil novas funções de chefia também criadas dentro do espaço público . Finalmente teria de negociar cada função comprometida com cerca de 15 partidos, centenas de políticos da base aliada e, sobretudo, seus milhares de militantes.
Isso remete a demissão em massa de servidores ocorrida, pela primeira vez, no Distrito Federal, na troca da chefia do Governo entre Joaquim Roriz (PMDB) e Cristovam Buarque(PT). Não se tratava bem de conter excessos de gastos, mas de aparelhamento da máquina. Governador pelo PT, Cristovam assumiu, e começou a desmontar a estrutura administrativa de Roriz, introduzindo em todos os cantos militantes do seu partido . Deu-se uma enorme confusão, e o Cristovam mal teve tempo de governar. Ao ganhar a eleição seguinte, Roriz tentou recuperar seu espaço, procurando demitir os petistas dos cargos de chefia. Os espaços estavam, contudo, minados politicamente, o que ajudou inclusive Agnelo Queiroz a vencer a eleição que veio a seguir.
Vem tudo isso do governo de Stálin (1922-1953) na Rússia, embora Lênin, que o antecedeu, já reclamasse do fato de que suas ordens chegavam desvirtuadas em baixo, ou sequer eram cumpridas. Stálin mudou tudo. Incrustou o partido na estrutura do Estado e das empresas, criando ainda uma polícia própria. Os subalternos estavam compulsoriamente comprometidos em dar cumprimento a qualquer ordem superior. Assim, na gestão de Stálin, os Planos Quinquenais registraram expansões do produto interno bruto da Rússia nunca antes - e nem depois - conseguidas. Instituíra uma estrutura de apoio à governabilidade que ia dos aparelhos repressivos e ideológicos à burocracia de Estado. De menos de 300 mil , o número de funcionários públicos nos anos iniciais da revolução passou para mais de 5 milhões. A estratégia terminou por gerar uma casta dentro da luta de classes, chamada de nomenklatura, que manipulava as políticas e os seus resultados, levando Trostski a denunciá-la no livro A Revolução Traída, do que resultou o seu assassinato.
No Brasil, é de surpreender alguns que a Laterna de Popa dos militares fê-los acompanhar a fase stalinista da revolução russa, instituindo uma categoria profissional, chamada genericamente de “tecnocracia”, profissionais altamente preparados e descompromissados com partidos políticos. Com ela vieram os Planos de Desenvolvimento. Por meio deles fruía de maneira orgânica indicações claras para as políticas públicas setoriais, com objetivos, metas, metodologias, fontes de financiamentos reais e massa crítica competente para a sua execução. Esses homens pavimentaram o caminho para o tal salto no desenvolvimento de que falava Gunnar Myrdal .
Veio a Nova República. Não havia um projeto de Nação. Buscava-se a democratização como panacéia. Era um projeto de Poder . O IPEA foi abandonado e o Banco Central perdeu os rumos dos indicadores.Aquela estrutura tecnocrática que amparava a governabilidade, e que não chegava a ter a força da nomenklatura estalinista, foi substituída pelo aparelhamento político e partidário , que a serviço de cada um de seus membros e correntes, começou a preocupar-se com pequenos eventos, tapando um buraco aqui e outro ali. O Brasil chegou a ter uma inflação de 1.200% ao ano . Com FHC o neoliberalismo desembarcou por aqui, e com o Lula surgiu uma fase de maquiagem das políticas anteriores associadas a iniciativas confusamente diversificadas de justiça social.
Divididos entre partidos os 39 ministérios, os cargos de secretários-executivos foram preservados para o pessoal com estreitos vínculos corporativos . Exemplo extremo é o do ministério da Defesa. A ocupação dos postos de decisão sobre políticas públicas por pessoas messianicamente preocupadas com velhos projetos de poder, partidários ou pessoais, fez com que o País caísse em mãos inadequadas: 6 milhões de funcionários – dos quais um milhão de terceirizados e sindicalizados – e uma folha de pagamento responsável pelo gastos oficiais de mais 60% do Orçamento da União . Disso tudo restam hoje os desafios: conseguir, numa mesma cajadada, matar a sobrecarga de gastos advindos de empregos públicos pouco produtivos e ,ao mesmo tempo, desmontar o aparelhamento do Estado. Quem tem coragem para mexer isso: a presidente Dilma, os ministros Levy e Barbosa ou o Congresso.
Jornalista e professor, Doutor em História Cultural. Consultor da Catalytica Empreendimentos e Inovação Social
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