Aylê-Salassié F. Quintão*
Engana-se quem responsabiliza o excesso de endividamento do Estado , os bilhões de reais desviados para o exterior e os especuladores da vez pelo desarranjo da economia brasileira. O descalabro é tão grande que os números parecem todos absurdamente fora de propósito, dando margem a alternativa, sim, da sua vulgarização ou ao surgimento de uma teoria da demonização dos indicadores e das avaliações das agências de risco.
Os culpados verdadeiros da inflação caberiam num palanque: seriam os preços do fubá de milho e do feijão mulatinho. Eles estariam empurrando a inflação e, consequentemente, as taxas de juros ladeira acima. Com o pãozinho subindo a cada dia, o brasileiro passou a comer broa e feijoada em excesso. Nos últimos doze meses, o preço do fubá teve aumento de 41,24 % ; e o feijão em 35,57 %. Mas a carne da feijoada também subiu 50%.
Ora, por alegações como essas, todos caíram na gargalhada quando numa entrevista com os jornalistas, o ministro da Fazenda , do governo Geisel, Mário Henrique Simonsen, culpou explicitamente o chuchu pela inflação daquele mês. A cucurbitácea era apenas um item entre quase mil produtos que compunham a fórmula de cálculo dos índices da inflação. O ridículo foi tamanho que depois disso nenhum ministro da Fazenda ou presidente do Banco Central caiu na tentação de atribuir a um produto, mesmo que básico, a responsabilidade pela disparada dos preços. Surpreendentemente, no primeiro semestre deste ano, alguém mais novo no pedaço tentou arriscar ainda uma insinuação de que o preço do tomate puxava a inflação.
De gargalhada em gargalhada , o brasileiro vive há tempos um espetáculo circense, fantasioso dos indicadores, do qual é apenas um coadjuvante. Até o Real, balizador da política monetária, vem perdendo a expressão. As metas macroeconômicas fixadas a partir da expansão e controle da moeda vão se transformando em mera panacéia. Tempos para cá virou quase um conto de fadas amparando projeções sem correspondência efetiva no sistema produtivo.
Certo é que os indicadores, medidos cada um a seu modo, parecem fantasmas a rondar os negócios . A disparidade dos números e das análises funcionam como a aritmética do velho professor Malba Tahan. Os brasileiros não estão evidentemente sós. Há tempos os argentinos e venezuelanos convivem com as mesmas evidências.
No Brasil, os ministros da área econômica e a própria presidente, mesmo esforçando para serem realistas, tropeçam sistematicamente nas falas, nos discursos e, sobretudo, nas estatísticas e nos subterrâneos do preço da energia. Não se consegue tornar claro o tamanho do desacerto nas contas públicas, cujos efeitos arrastam a inflação e os juros infernizando a vida do cidadão, dos contribuintes e, sobretudo, das donas de casa.
As regras para o cumprimento da lei das responsabilidades fiscais pelos governantes e as da equanimidade dos preços na economia popular estão cheios de omissões e lances espetaculosos de efeitos enganosos, estimulando a criatividade transgressora. As leis de mercado tornaram-se meros sofismas.
Assim, o ano de 2015 deve fechar com o IPCA – Índice de Preços ao Consumo Amplo - próximo de 10 % e uma taxa de desemprego superior a 8 por cento, próximo de 8 milhões de desempregados, o que significa uma retração na demanda. Desestimulada, a produção industrial as agropecuária parecem em queda livre.
As vendas de automóveis novos caíram 37 %. A taxa básica de juros caminha para ultrapassar os 14,25% a.a nos empréstimos tomados pelo Estado. Para o cidadão comum a Selic empurra os juros para muito além dos 200 por cento. As exportações retraíram, mesmo com o cambio desvalorizado e as importações não sinalizam para futuras inovações.
Perdeu a credibilidade o milagre dos financiamentos fáceis de bens de consumo, ao endividara milhões de assalariados que se deixaram envolver pelos acenos do crédito fácil dos bancos. A teoria esgotou a sua capacidade de alimentar o crescimento. O endividamento familiar vem estourando em todas as frentes, particularmente entre as classes trabalhadoras, classe média e os aposentados.
Todo mundo está evitando comprar. Pelas estimativas otimistas do Governo, a economia deve encolher 1,5% em 2015. De tal forma que o Banco Central vem estimulando um abrandamento nas regras do Serasa. O pior é que não há nenhum sinal de bonança. Com os indicadores que aí estão o que de pode esperar das comemorações natalinas?
Se isso pode ser um problema , menos não se deve esperar para o ano de 2016, quando os supostos excessos de arrecadação terão de cobrir os rombos das pedaladas. Virtude ou negligência, as projeções e estimativas para o próximo ano começam a perder a sua credibilidade balizadora. Há quem projete para 2016 um PIB de 0,9%. Vamos torcer.
O jornalista Hélio Gáspari forjou um belo axioma, ao dizer que “Não existe ateu em trincheira, nem ideólogo em crise financeira”. Assim, mesmo defasados, a pergunta é quem o que sobreviverá aos indicadores? Não será surpresa se as tentativas de descredenciamento da lei da responsabilidade fiscal vier a ajudar a contabilidade criativa, ensinada pelo ex-ministro Mantega, a demonizar ainda mais os indicadores . Mesmo assim vai ser preciso muito fubá de milho e feijão com farinha, porque a panela ficou menor e a feijoada está se queimando.
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