José Everaldo Ramalho*
Mesmo na ágora das antigas cidades gregas, local reservado para os mercados que se transformavam em espaço para as assembleias do povo, este, com certeza, muitas vezes se deixava levar pelas palavras dos cidadãos que descobriam o bem bom de gerir os negócios públicos e não hesitavam em mancomunar-se com aqueles cidadãos que também buscavam aproveitar-se da riqueza geral arrecadada da cidadania e, em nome do bem coletivo, entesourada pelo Estado.
E tantas aprontaram os políticos gregos antigos que fizeram surgir pensadores como Sócrates, Platão e Aristóteles cujas falas colocadas no papel discorrem sobre a necessidade de se estruturar formas de governo para a condução dos negócios públicos, sem esquecerem que seria de fundamental importância educar cidadãos para o desempenho da arte de bem administrar organismos estatais responsabilizados, por exemplo, pelas finanças públicas, e, nos tempos modernos, educar e cobrar alto desempenho dos fiscais financeiros, em especial daqueles instalados nos Tribunais de Conta do Estado, organizações complexas ainda não existentes nos tempos socráticos.
Vejam os senhores leitores o exemplo do jovem médico que, trabalhando em São Paulo, um centro urbano bem distante da capital do Maranhão, recebia sete-mil-e-quinhentos reais mensais para assessorar um dos juízes da Corte de Contas daquela unidade nordestina da federação brasileira, sem a obrigação funcional de lá comparecer diariamente como os demais servidores da instituição, espera-se, como se supõe seja ordenado obrigatoriamente por decisões emanadas dos seus gerentes e juízes à testa da instituição.
Ah! Mas o jovem Maranhão (pode até não ter nascido no Maranhão, mas carrega-lhe o nome!) é filho do presidente em exercício da Câmara dos Deputados do Brasil, um espaço político surgido uns quatro mil anos depois da experiência grega, e que as imposturas políticas que nele convivem fazem questão de desconhecer bem como as necessárias reflexões e lições para o exercício da política nos tempos modernos, sempre colaborando de modo nefasto para o cumprimento do refrão: "farinha pouca, meu pirão primeiro", e dane-se a democracia, a nação e a cidadania brasileiras.
Afetando a importância que nunca possuiu, o pai do guapo rapaz, no exercício da presidência da Casa Legislativa que representa o povo, cometeu a barbaridade de tentar anular um ato jurídico perfeito, referendado por 367 votos de parlamentares que apoiaram o pedido de impedimento da Presidente da República(acusada da prática de delitos contra as finanças públicas),sob o manto decisório da Suprema Corte de Justiça do país.
E se deu mal, muito mal mesmo, o parlamentar maranhense, e por não saber ouvir nem discernir sobre o significado de uma gravíssima situação política nacional, e não só por isso, mas também pelas graves acusações de envolvimento em casos de corrupção, tendo, daqui por diante, seu futuro político local, partidário e federal a caminho da destruição.
Em primeiro lugar, o parlamentar maranhense está em maus lençóis perante a opinião do eleitorado maranhense, que recém defenestrou do poder um clã que fez o que bem quis do poder político por muitas décadas, e não deverá fomentar, espera-se, a sustentação e o fortalecimento de mais uma nefasta liderança política gerada em seu ventre.
Em segundo lugar, o líder maranhense colocou-se como alvo de um processo de expulsão pelo partido político que o abriga, que alega inclusive que o posto ocupado na Mesa da Câmara não lhe pertence, e sim à sigla partidária à qual se filiou, e, portanto, exige a sua renúncia imediata da posição de liderança que exerce interinamente.
Por fim, em terceiro lugar, o político maranhense perdeu a condição de aspirante a qualquer oportunidade de voltar a ocupar outro cargo de liderança no cenário do Congresso Nacional, em especial no ambiente da Câmara dos Deputados, pois perdeu a confiança de seus pares em indicá-lo para qualquer trabalho de natureza político-partidária.
O modelo democrático de política pode nos trazer, pela via do sufrágio universal, imposturas políticas sagazes, não importando se brasileiros nascidos no Rio de Janeiro ou no Rio Grande do Norte, criaturas que tem a capacidade de pinçar nulidades e entronizá-las em posições de autoridade legal ao seu redor, e que, transformadas em títeres incompetentes e despossuídas do mínimo senso político sobre o apodrecimento do modelo de presidencialismo de coalizão à brasileira, unicamente inspiradas pelo outrora glorificado mote de Gerson do "O negócio é levar vantagem" (Quem ainda se lembra do grande futebolista dos tempos da ditadura?), constituem-se em presas fáceis da semântica do "Rolando o Lero" (Obrigado pela personagem tão querida de todos os brasileiros, saudoso Chico Anísio) de experientes lideranças políticas, advogados do Estado ou mandatários estaduais, sejam eles oriundos de São Paulo, Minas Gerais ou até do Maranhão.
Com certeza a maior autoridade intelectual da II Internacional Comunista, Karl Kautsky, considerado o herdeiro intelectual de Friedrich Engels, apelidado de O Renegado e execrado por Vladimir Lenin por sua análises da conjuntura política russa à época, teria aconselhado o parlamentar maranhense com maior honestidade política e precisão intelectual sobre a presente realidade política nacional.
Afinal, a democracia ensina e permite que se dê um passo à frente e dois atrás, para aguardar os novos tempos que, inevitavelmente, sempre se apresentarão, ou, em outras palavras, "larguem o osso, rapaziada no poder, pois a dentadura já está quebrada!", é tempo de tentar recuperá-la.
No entanto, em que pesem as contradições e os desvios dos comportamentos políticos nacionais, o sistema societário democrático, apoiado em uma mídia com liberdade de expressão, é uma belezura só, pois, nele, as imposturas políticas são reveladas sem dó nem piedade, em especial quando as naturais crises cíclicas se apresentam, e nesta hora, "como disse Martinho da Vila, "Se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão"!, pelo menos no presente caso brasileiro, que o digam as mais de mil contas suspeitas de origem corrupta, abertas por cidadãos e empresas nacionais, reveladas pelo judiciário da República da Suiça, acionado pelo Ministério Público e pela Procuradoria Geral da República do Brasil, instituições nacionais cujo trabalho somente a Democracia autoriza e a imprensa pode revelar e consagrar perante uma cidadania tão vilipendiada.
Na conclusão deste artigo sobre a beleza da Democracia, em um contexto de plena soberania nacional, devemos ressaltar que ela somente se fortalece graças ao transparente funcionamento e desempenho das duas instituições políticas que se complementam formando um sistema tripartite de separação dos poderes, vigente na quase totalidade dos países do hemisfério ocidental, os poderes Legislativo e Judiciário brasileiros.
Na verdade, com seu atento e isento ativismo democrático, obedecendo às normas e diretrizes constitucionais do país, os poderes Legislativo e Judiciário brasileiros, fazem-se presentes em um cenário de absoluta integridade moral e política, estando aptos a responderem, se o quiserem, perante as cortes internacionais de justiça, pelos seus atos juridicamente perfeitos, se a ocasião for forçada, por simples apelação ao transconstitucionalismo vigente e em moda, como aconteceu no conflito hondurenho de 2009.
Em Honduras, há apenas sete anos, uma tentativa de golpe bolivariano foi interrompido pelo ativismo judicial da Suprema Corte de Justiça de Honduras, que terminou por se sobrepor a uma intensa corrida pela intervenção internacional em assuntos internos de um país soberano, da qual o Brasil, defensor da ideologia bolivariana de governo, participou de modo intempestivo e aloprado cedendo sua embaixada para abrigar o presidente golpista que tinha sido legalmente deposto.
Karl Marx tinha razão, a história sempre pode repetir-se, e quase sempre como tragédia.
*José Everaldo Ramalho, 76, graduado em Direito, com especialização em Parlamento e Direito e em Ciência Política, foi CNE na Comissão do Mercosul por duas décadas, na Câmara dos Deputados em Brasília.
Excelente texto,verdadeiro oásis em um país que se faz cego.
ResponderExcluirExcelente texto,verdadeiro oásis em um país que se faz cego.
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