Não há como fugir do nosso
destino: Somos eternamente prisioneiros de nossas próprias circunstâncias, ou
seja, nossa falta de atenção para com nossas responsabilidades no plano
individual pode nos levar a cair nas armadilhas que a vida e o mundo do trabalho
armam em decorrência do desempenho daqueles que conosco convivem, sejam eles amigos
ou inimigos.
Assim, em nosso cotidiano,
corremos sempre o risco de apoiar decisões que se transformam em erros tão
colossais que podem destruir o esforço legítimo de vidas dedicadas a lutar pela
própria sobrevivência, poucas vezes por um mundo melhor, como se espera que
devam fazê-lo os governantes eleitos pelo povo, mas dentro dos limites do
império da lei, em respeito ao Estado democrático de Direito.
Sabemos que a presidente Dilma
Vana Rousseff, defensora de princípios libertários desde seus arroubos ideológicos
juvenis, lutou bravamente contra a ditadura militar que dominou este país por
mais de duas décadas, mas é impossível acreditar que ela, depois de acumular
tanta experiência de vida burocrática no serviço público e na resistência, não
enxergasse o desempenho desonesto de auxiliares com os quais convivia no
dia-a-dia palaciano.
O que, então, pode explicar a
cegueira que ajudou a levá-la a ter que enfrentar um processo de impeachment juridicamente perfeito, que
ela afirma ser um golpe?
Uma guerreira como a presidente
Dilma Vana Rousseff acostumou-se a enfrentar desafios e, por um breve momento,
tornou-se a faxineira da Esplanada dos Ministérios, demitindo companheiros de
jornada política e de governo, vítimas, no jargão petista, de duvidosas
denúncias de envolvimento em episódios de corrupção interna do seu governo.
No entanto, o Palácio do Planalto
continuou infestado de gente a serviço do governo, políticos ou amigos, uma
turma apressada que não temia envolver-se em mensalões e petrolões, falcatruas
que dilapidaram os cofres do Tesouro Nacional, de Bancos como a Caixa Econômica
Federal e o BNDES e de empresas estatais como a Petrobrás, em bilhões não de
reais, mas de dólares norte-americanos, a moeda mais forte do mundo, pelo menos
desde 1945.
Será que a ideologia, ou melhor,
o idealismo de uma visão revolucionária de mundo que nunca vingou em outras
partes do globo, mas firmemente defendida por uma elite dominadora do partido
político ao qual a presidente filiou-se, uma facção defensora de um
presidencialismo de coalizão que se transmutou rapidamente em presidencialismo
de corrupção, com alguns líderes sabendo tirar proveito financeiro de tão
malfadado modelo, afetou o desempenho da corajosa mandatária no Palácio do
Planalto levando-a a não enxergar o elenco de fraudes que desestruturou as
finanças públicas nacionais?
Sim, porque não foram os chamados
programas de inclusão social, como os variados tipos de bolsas, bolsa-disso-bolsa-daquilo,
nem o Pronatec, o FIES, o Prouni, tampouco o Minha Casa, Minha Vida e suas
extensões, nem o programa de médicos cubanos, gerenciado pela Organização
Pan-Americana de Saúde, repassadora de recursos do Tesouro Nacional para os Irmãos
Castro (tão necessitados, coitadinhos!) que arrebentaram as burras do Estado e
forraram substancialmente os cofres do Partido dos Trabalhadores no território
nacional, quiçá no estrangeiro.
É óbvio que a visão de mundo da
presidente Dilma influenciou sobremaneira a sua visão do mundo político republicano
brasileiro, de um presidencialismo limitado pelas leis e pelo sistema de checks and balances, apesar da
possibilidade de se construir coalizões, e o resultado de suas decisões
políticas levaram-na a perder o rumo na condução das finanças públicas
nacionais, inclusive ordenando a liberação de recursos financeiros que não
poderia autorizar, conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal, para citar apenas
um dos instrumentos jurídicos que balizam o desempenho presidencialista no
Brasil.
A história da antiga URSS nos
ensina que Karl Kautsky, o herdeiro intelectual de Friedrich Engels e profundo
conhecedor de toda a obra de Karl Marx, dominou, com suas teses, a II
Internacional Comunista, realizada em 1918, desagradando o emergente líder bolchevique
Vladimir Lenin, assim como hoje a presidente Dilma domina o modo petista de
governar, a ponto de não ceder ao desejo do ex-presidente Lula, seu mestre e
grande guia, de substituí-la após o primeiro mandato de 2010-2014.
Por causa de seus argumentos em
favor da democracia como meio para alcançar o socialismo, Kautsky foi execrado
por Vladimir Lenin ao divulgar que Marx “sustentava a ideia de que na
Inglaterra e na América a transição podia realizar-se pacificamente, portanto,
por via democrática”, sem necessidade da violência de uma tomada do poder pelas
armas.
Contra este argumento de Kautsky,
o líder Lenin apelidou-o de Renegado, num célebre artigo do qual retiramos
estas informações, pois advogava o recrudescimento da luta de classes e, com a
vitória, a implantação da ditadura do proletariado, que, por sua vez,
inauguraria um mundo sem classes e sem a presença do Estado.
Ledo engano de Vladimir Lenin, apenas um sonho
que o tempo, senhor da razão (que saudades dos tempos colloridos...),
encarregou-se de provar e comprovar, tanto o engano quanto o sonho.Na verdade, a Revolução de 1917
produziu uma nova classe dominante, a “nomenclatura”, uma nova ditadura, a do
partido, e um novo Estado, mais forte que o Estado burguês capitalista.
Com certeza a corajosa presidente
Dilma Vana Rousseff, por sua trajetória na resistência armada, se fosse uma
jovem idealista russa nas primeiras décadas do século XX, assumiria sem
pestanejar o papel de Ana Kaplan, a militante que eliminou Vladimir Lenin do
jogo político na emergente URSS. Vamos ter que aprender russo para descobrir a
mando de quem agiu Ana Kaplan, porque, por aqui, a presidente Dilma, sempre
voluntariosa, parece agir por conta própria.
Mas a presidente Dilma vive
outros tempos, em que os líderes políticos populistas não mais pregam a luta
armada, até porque, mais experientes e melhor assessorados, utilizam-se do que
Kautsky ensinou e denunciou: “a ditadura é um poder que não está amarrado por
nenhuma lei, e a democracia pode ser o meio para implantá-la”.
E viva a democracia, alardeiam os
líderes populistas que se dizem de esquerda, incentivando com entusiasmo a
máxima do socialismo científico: “Proletários do mundo, uni-vos”. E façam da
democracia o meio para chegar à ditadura do proletariado, dizem os políticos
populistas de hoje, elegendo-se e reelegendo-se com projetos de poder que não
conseguem vingar por duas décadas, até se esgotarem por seus próprios tropeços,
sendo repudiados pelo mesmo voto popular que os glorificaram ou por erros
administrativos que se transformam em graves delitos punidos pelas mesmas
instituições que referendaram sua chegada ao poder, atitude democrática de
ofício que, quando acontece contrariando a vontade e o autoritarismo populista,
sempre é classificada de golpe de Estado, veja-se os recentes casos brasileiro,
argentino, venezuelano e boliviano em nosso território sul-americano.
Longe da América Latina, a antiga
URSS sobreviveu como ditadura do proletariado por mais de sete décadas,
tornou-se uma potência bélica mundial e dominou a tecnologia espacial,
tornou-se exemplo de sucesso socialista, para, ao final, ter que render-se ao
modo capitalista de produção, ainda que dominado por um grupo de tecnocratas
filhos da “nomenklatura” soviética implantada por Josef Stálin, responsáveis
por destroçarem as finanças públicas do Estado investindo erradamente,
inclusive nas disputas das corridas armamentista e espacial com os Estados
Unidos, mas sem jamais largar a rapadura do poder.
A propósito, diz a lenda que
Vladimir Lenin ocupou apenas um dos aposentos do Palácio de Inverno, enquanto
buscava consolidar a duras penas o processo revolucionário de 1917, o que
indica, em sendo verdadeira a estorinha divulgada nos bares do Baixo Leblon
brasileiro, a sobriedade e o desapego do grande líder a bens materiais; exemplo
que nos lega, nos dias de hoje, o ex-presidente uruguaio “Pepe” Mujica com seu
Fusca e seu sítio de pobre, contrariando o Prefeito das Olimpíadas e Fidel
Castro, o grande líder cubano, que transformou um pequeno cayo (uma ilhota
perdida nos mares de Cuba) em uma maravilhosa pousada presidencial para
desfrute seu e dos seus convidados especiais. Será que Luis Inácio Lula da
Silva conhece este paraíso? A presidente Dilma, com certeza, não.
É natural que governantes possam
cometer erros com suas decisões políticas, e, sem qualquer sombra de dúvidas, a
presidente Dilma errou, e está pagando por isso ao enfrentar mais um desafio,
de um processo legal de impeachment, porque acreditou que tinha poderes
ilimitados, como se estivesse em uma ditadura, onde, disse Kautsky e confirmou
Lenin, “a ditadura não está amarrada por nenhuma lei”, e Stálin, em seu longo
período ditatorial, comprovou sobejamente.
Diz a lenda que a presidente
Dilma, após a luta contra a ditadura militar, em seu retorno aos pampas
gaúchos, administrou uma lojinha de mercadorias no valor de R$1,99 (um real e
noventa e nove centavos), isso antes de se tornar secretária municipal de
finanças da cidade de Porto Alegre, e que não se saiu muito bem como
administradora de ambas as empreitadas.
Isso é o que diz a lenda, mas o que se sabe
com absoluta certeza comprovada pelos números divulgados pelo seu próprio
governo petista, sem medo de cometer qualquer tipo de injustiça, é que a
presidente Dilma deixou como terrível herança para o governante que vier a
substituí-la, um inacreditável rombo nas contas públicas no montante de mais de
R$199.000.000.000,00 (cento e noventa e nove bilhões de reais), e, para si mesma,
um modesto apartamento de classe média em um bairro porto-alegrense, além de uma
pequena “Dacha” na região do Belenzinho, área nobre nos arredores de Portinho,
a capital gaúcha, para viver com dignidade seus dias de aposentada estatal como
guerreira do vilipendiado povo brasileiro, com direito a proteção da Polícia
Federal, o que será muito bom para o povo seu vizinho.
Karl Marx tinha razão: a história
sempre se repete, quase sempre como tragédia. Pena que os teóricos petistas não
tenham entendido o que o barbudo de Trier queria dizer com esta reflexão sobre
a história política, mas, será que a presidente Dilma, que agora vai andar pelo
Brasil e pelo mundo afora se dizendo vítima de um golpe de Estado, teria
ouvido, com a devida atenção, tal aconselhamento?
Também diz a lenda que a
presidente Dilma não gosta de receber aconselhamentos, de ouvir advertências,
quem sabe em decorrência do longo aprendizado de liberdade absoluta dos tempos
da brava resistência à ditadura militar.Os marxistas podem até não gostar,
mas o Brasil está precisando de uma ajudazinha de Deus, e também de São
Francisco de Assis, “il poverello”.
José Everaldo Ramalho, 76, graduado
em Direito, com especialização em Parlamento e Direito e em Ciência Política,
foi CNE na Comissão do Mercosul por duas décadas, na Câmara dos Deputados em
Brasília.
Nenhum comentário:
Postar um comentário