sexta-feira, 20 de maio de 2016

Da lojinha de R$1,99 ao rombo de R$199,99 bilhões

Não há como fugir do nosso destino: Somos eternamente prisioneiros de nossas próprias circunstâncias, ou seja, nossa falta de atenção para com nossas responsabilidades no plano individual pode nos levar a cair nas armadilhas que a vida e o mundo do trabalho armam em decorrência do desempenho daqueles que conosco convivem, sejam eles amigos ou inimigos.
Assim, em nosso cotidiano, corremos sempre o risco de apoiar decisões que se transformam em erros tão colossais que podem destruir o esforço legítimo de vidas dedicadas a lutar pela própria sobrevivência, poucas vezes por um mundo melhor, como se espera que devam fazê-lo os governantes eleitos pelo povo, mas dentro dos limites do império da lei, em respeito ao Estado democrático de Direito.
Sabemos que a presidente Dilma Vana Rousseff, defensora de princípios libertários desde seus arroubos ideológicos juvenis, lutou bravamente contra a ditadura militar que dominou este país por mais de duas décadas, mas é impossível acreditar que ela, depois de acumular tanta experiência de vida burocrática no serviço público e na resistência, não enxergasse o desempenho desonesto de auxiliares com os quais convivia no dia-a-dia palaciano.
O que, então, pode explicar a cegueira que ajudou a levá-la a ter que enfrentar um processo de impeachment juridicamente perfeito, que ela afirma ser um golpe?
Uma guerreira como a presidente Dilma Vana Rousseff acostumou-se a enfrentar desafios e, por um breve momento, tornou-se a faxineira da Esplanada dos Ministérios, demitindo companheiros de jornada política e de governo, vítimas, no jargão petista, de duvidosas denúncias de envolvimento em episódios de corrupção interna do seu governo.
No entanto, o Palácio do Planalto continuou infestado de gente a serviço do governo, políticos ou amigos, uma turma apressada que não temia envolver-se em mensalões e petrolões, falcatruas que dilapidaram os cofres do Tesouro Nacional, de Bancos como a Caixa Econômica Federal e o BNDES e de empresas estatais como a Petrobrás, em bilhões não de reais, mas de dólares norte-americanos, a moeda mais forte do mundo, pelo menos desde 1945.
Será que a ideologia, ou melhor, o idealismo de uma visão revolucionária de mundo que nunca vingou em outras partes do globo, mas firmemente defendida por uma elite dominadora do partido político ao qual a presidente filiou-se, uma facção defensora de um presidencialismo de coalizão que se transmutou rapidamente em presidencialismo de corrupção, com alguns líderes sabendo tirar proveito financeiro de tão malfadado modelo, afetou o desempenho da corajosa mandatária no Palácio do Planalto levando-a a não enxergar o elenco de fraudes que desestruturou as finanças públicas nacionais?
Sim, porque não foram os chamados programas de inclusão social, como os variados tipos de bolsas, bolsa-disso-bolsa-daquilo, nem o Pronatec, o FIES, o Prouni, tampouco o Minha Casa, Minha Vida e suas extensões, nem o programa de médicos cubanos, gerenciado pela Organização Pan-Americana de Saúde, repassadora de recursos do Tesouro Nacional para os Irmãos Castro (tão necessitados, coitadinhos!) que arrebentaram as burras do Estado e forraram substancialmente os cofres do Partido dos Trabalhadores no território nacional, quiçá no estrangeiro.
É óbvio que a visão de mundo da presidente Dilma influenciou sobremaneira a sua visão do mundo político republicano brasileiro, de um presidencialismo limitado pelas leis e pelo sistema de checks and balances, apesar da possibilidade de se construir coalizões, e o resultado de suas decisões políticas levaram-na a perder o rumo na condução das finanças públicas nacionais, inclusive ordenando a liberação de recursos financeiros que não poderia autorizar, conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal, para citar apenas um dos instrumentos jurídicos que balizam o desempenho presidencialista no Brasil.
A história da antiga URSS nos ensina que Karl Kautsky, o herdeiro intelectual de Friedrich Engels e profundo conhecedor de toda a obra de Karl Marx, dominou, com suas teses, a II Internacional Comunista, realizada em 1918, desagradando o emergente líder bolchevique Vladimir Lenin, assim como hoje a presidente Dilma domina o modo petista de governar, a ponto de não ceder ao desejo do ex-presidente Lula, seu mestre e grande guia, de substituí-la após o primeiro mandato de 2010-2014.
Por causa de seus argumentos em favor da democracia como meio para alcançar o socialismo, Kautsky foi execrado por Vladimir Lenin ao divulgar que Marx “sustentava a ideia de que na Inglaterra e na América a transição podia realizar-se pacificamente, portanto, por via democrática”, sem necessidade da violência de uma tomada do poder pelas armas.
Contra este argumento de Kautsky, o líder Lenin apelidou-o de Renegado, num célebre artigo do qual retiramos estas informações, pois advogava o recrudescimento da luta de classes e, com a vitória, a implantação da ditadura do proletariado, que, por sua vez, inauguraria um mundo sem classes e sem a presença do Estado.
Ledo engano de Vladimir Lenin, apenas um sonho que o tempo, senhor da razão (que saudades dos tempos colloridos...), encarregou-se de provar e comprovar, tanto o engano quanto o sonho.Na verdade, a Revolução de 1917 produziu uma nova classe dominante, a “nomenclatura”, uma nova ditadura, a do partido, e um novo Estado, mais forte que o Estado burguês capitalista.
Com certeza a corajosa presidente Dilma Vana Rousseff, por sua trajetória na resistência armada, se fosse uma jovem idealista russa nas primeiras décadas do século XX, assumiria sem pestanejar o papel de Ana Kaplan, a militante que eliminou Vladimir Lenin do jogo político na emergente URSS. Vamos ter que aprender russo para descobrir a mando de quem agiu Ana Kaplan, porque, por aqui, a presidente Dilma, sempre voluntariosa, parece agir por conta própria.
Mas a presidente Dilma vive outros tempos, em que os líderes políticos populistas não mais pregam a luta armada, até porque, mais experientes e melhor assessorados, utilizam-se do que Kautsky ensinou e denunciou: “a ditadura é um poder que não está amarrado por nenhuma lei, e a democracia pode ser o meio para implantá-la”.
E viva a democracia, alardeiam os líderes populistas que se dizem de esquerda, incentivando com entusiasmo a máxima do socialismo científico: “Proletários do mundo, uni-vos”. E façam da democracia o meio para chegar à ditadura do proletariado, dizem os políticos populistas de hoje, elegendo-se e reelegendo-se com projetos de poder que não conseguem vingar por duas décadas, até se esgotarem por seus próprios tropeços, sendo repudiados pelo mesmo voto popular que os glorificaram ou por erros administrativos que se transformam em graves delitos punidos pelas mesmas instituições que referendaram sua chegada ao poder, atitude democrática de ofício que, quando acontece contrariando a vontade e o autoritarismo populista, sempre é classificada de golpe de Estado, veja-se os recentes casos brasileiro, argentino, venezuelano e boliviano em nosso território sul-americano.
Longe da América Latina, a antiga URSS sobreviveu como ditadura do proletariado por mais de sete décadas, tornou-se uma potência bélica mundial e dominou a tecnologia espacial, tornou-se exemplo de sucesso socialista, para, ao final, ter que render-se ao modo capitalista de produção, ainda que dominado por um grupo de tecnocratas filhos da “nomenklatura” soviética implantada por Josef Stálin, responsáveis por destroçarem as finanças públicas do Estado investindo erradamente, inclusive nas disputas das corridas armamentista e espacial com os Estados Unidos, mas sem jamais largar a rapadura do poder.
A propósito, diz a lenda que Vladimir Lenin ocupou apenas um dos aposentos do Palácio de Inverno, enquanto buscava consolidar a duras penas o processo revolucionário de 1917, o que indica, em sendo verdadeira a estorinha divulgada nos bares do Baixo Leblon brasileiro, a sobriedade e o desapego do grande líder a bens materiais; exemplo que nos lega, nos dias de hoje, o ex-presidente uruguaio “Pepe” Mujica com seu Fusca e seu sítio de pobre, contrariando o Prefeito das Olimpíadas e Fidel Castro, o grande líder cubano, que transformou um pequeno cayo (uma ilhota perdida nos mares de Cuba) em uma maravilhosa pousada presidencial para desfrute seu e dos seus convidados especiais. Será que Luis Inácio Lula da Silva conhece este paraíso? A presidente Dilma, com certeza, não.
É natural que governantes possam cometer erros com suas decisões políticas, e, sem qualquer sombra de dúvidas, a presidente Dilma errou, e está pagando por isso ao enfrentar mais um desafio, de um processo legal de impeachment, porque acreditou que tinha poderes ilimitados, como se estivesse em uma ditadura, onde, disse Kautsky e confirmou Lenin, “a ditadura não está amarrada por nenhuma lei”, e Stálin, em seu longo período ditatorial, comprovou sobejamente.
Diz a lenda que a presidente Dilma, após a luta contra a ditadura militar, em seu retorno aos pampas gaúchos, administrou uma lojinha de mercadorias no valor de R$1,99 (um real e noventa e nove centavos), isso antes de se tornar secretária municipal de finanças da cidade de Porto Alegre, e que não se saiu muito bem como administradora de ambas as empreitadas.
Isso é o que diz a lenda, mas o que se sabe com absoluta certeza comprovada pelos números divulgados pelo seu próprio governo petista, sem medo de cometer qualquer tipo de injustiça, é que a presidente Dilma deixou como terrível herança para o governante que vier a substituí-la, um inacreditável rombo nas contas públicas no montante de mais de R$199.000.000.000,00 (cento e noventa e nove bilhões de reais), e, para si mesma, um modesto apartamento de classe média em um bairro porto-alegrense, além de uma pequena “Dacha” na região do Belenzinho, área nobre nos arredores de Portinho, a capital gaúcha, para viver com dignidade seus dias de aposentada estatal como guerreira do vilipendiado povo brasileiro, com direito a proteção da Polícia Federal, o que será muito bom para o povo seu vizinho.
Karl Marx tinha razão: a história sempre se repete, quase sempre como tragédia. Pena que os teóricos petistas não tenham entendido o que o barbudo de Trier queria dizer com esta reflexão sobre a história política, mas, será que a presidente Dilma, que agora vai andar pelo Brasil e pelo mundo afora se dizendo vítima de um golpe de Estado, teria ouvido, com a devida atenção, tal aconselhamento?
Também diz a lenda que a presidente Dilma não gosta de receber aconselhamentos, de ouvir advertências, quem sabe em decorrência do longo aprendizado de liberdade absoluta dos tempos da brava resistência à ditadura militar.Os marxistas podem até não gostar, mas o Brasil está precisando de uma ajudazinha de Deus, e também de São Francisco de Assis, “il poverello”.
José Everaldo Ramalho, 76, graduado em Direito, com especialização em Parlamento e Direito e em Ciência Política, foi CNE na Comissão do Mercosul por duas décadas, na Câmara dos Deputados em Brasília.

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