Aylê-Salassié F. Quintão *
“Sou louco pelo poder, seduzido pelo poder... É para isso que eu vivo.” A declaração não foi de Temer, não foi do Renan, não foi da Dilma ou o do Lula. Foi de Ulysses Guimarães, o dom Sebastião do PMDB, numa entrevista a jornalista Sylvia Popovich. Procurava ela uma explicação para insegurança dos cidadãos diante das atitudes dos políticos. Com a orgásmica resposta, Ulysses revelava a vocação de um grupo de pessoas que circulam pelo Poder do Estado, pouco sensíveis aos problemas da corrupção, dificuldades na Previdência, preocupação com os índices da inflação, com o salário mínimo, com o emprego e o desemprego. Uma patologia, supostamente benigna, mas, no fundo, indiferente aos problemas vividos pelo País e pelos indivíduos no seu cotidiano. No fundo incorpora o raciocínio daquele ditador, segundo o qual “ A morte de uma pessoa é dramática, a de milhões é apenas uma estatística.”
De Ulysses para cá o Brasil viveu várias crises, mas parece que nada mudou. Os políticos distraem-se com elas, enquanto a população angustia-se desorientada. Nem Temer, nem Meireles, nem Aécio, nem a esperta Marina falou ainda ao coração dos cidadãos. As diretrizes do novo governo não são suficientes para prever o que pode acontecer. Mesmo porque é de difícil para o homem comum compreender porque Temer é acusado de “ não ter legitimidade”, Dilma de ser impedida de governar, Jucá de ter atentado contra a Lava Jato, oitos ministros com processo na justiça governarem o País. Como digerir o fato de Gilmar Mendes ter devolvido ao Ministério Público a investigação sobre Aécio, Sergio Machado e outros continuarem a fazer lambança, metade do PMDB não fechar com o Governo? Confunde também partidos como o PSOL, Partido Verde e o Solidariedade não enxergarem a corrupção que o Tribunal de Contas denunciou, nem conseguirem explicar o déficit orçamentário, anunciado inicialmente em R$ 24 bilhões, e que foi oficializado em R$ 170 bilhões. São situações e valores tão extraordinários que não dá, sequer para imaginar a sua materialidade monetária . É o mundo da Política.
O cotidiano da vida política parece algo tão confuso que o cidadão termina por sentir-se desamparado e, ao mesmo tempo, inibido . De tal forma que o indivíduo evita emitir opiniões políticas (Noelle Neumann) para se preservar, diante do imponderável. “ A vida voa na sua cara, esbarra no seu rosto, suja sua vaidade, corrompe suas certezas, e você não pode fazer nada, a não ser lavar o rosto e começar tudo de novo” (Tati Bernardi).O homem comum precisa conhecer como funciona a política na cabeça dos políticos.
Apesar do “contrato social” – relação de interdependência e confiança entre a sociedade e o governante, o político - as expectativas dos cidadãos estão colocadas no que se chama de Políticas Públicas , que não é a mesma Política a que se referiu Ulysses. Há uma clara distinção entre a Política como a disputa e conquista do Poder do Estado e a política como espaço de gestão dos problemas da sociedade por meio das Políticas Públicas. São dois institutos ligados entre si, porém distintos.
A Politica tem como motivação imensos privilégios que transformam em autoridades cidadãos comuns em membros do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário (os Três Poderes). Entre suas prerrogativas passa a desfrutar do poder de coersão sobre a sociedade, de manuseio do dinheiro, do patrimônio e dos cargos públicos, da gestão das forças armadas e da soberania nacional ante outros estados. Daí a insistência em tomar ou permanecer no Poder. Para ampliar a base de apoio, o político seduz colegas e até inimigos , a maioria das vezes com dinheiro público. Político profissional, Ulysses justificava-se, definindo a Política como um “ espaço de entendimento e de confronto para a tomada o Poder”
Então tem-se, de um lado, a Política, essa figura tresloucada e orgásmica e lá dentro, na pluralidade segmentada do Executivo, as Políticas Públicas . São elas que dão materialidade as ideologias partidárias e aos sonhos exclusivos de alguns indivíduos no Poder: política agrícola, de educação, de saúde, de economia, de transportes e outras. São áreas que exigem conhecimentos qualificados, para as quais os políticos são atraídos devido aos recursos envolvidos em cada uma. Disputando avidamente os cargos de gestores: ministros, presidentes, diretores, assessores. Esss cargos premiam frequentemente pessoas que não tiveram o respaldo das urnas.
Seria ideal que as Políticas Públicas estivessem desvinculadas da Política enquanto espaço de luta pelo Poder. O nosso presidencialismo é um suicídio: um dia você tem um presidente socialista, um progressista; no outro, um conservador, um liberal. Uma descontinuidade sistêmica. Isso confunde a população, as Políticas Públicas e os próprios políticos. Seus reflexos tanto podem favoráveis aos empoderados e seus cúmplices na sociedade civil, como pode refletir negativamente sobre a imagem do Estado e a estrutura da sociedade. Assim, pensar num parlamentarismo talvez não seja uma ideia tão esdrúxula.
Jornalista, professor. Doutor em História Cultural.
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