José Everaldo Ramalho *
A teoria das elites nos ensina
que o poder estatal, em qualquer sistema político, tem se concentrado sempre
nas mãos de grupos, ou elites, que lideram a sociedade em nome da maioria dos
cidadãos, considerados, através dos tempos históricos, como massa de manobra,
para o bem ou para o mal, até no moderno Estado democrático de Direito.
Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto
descreveram a massa como um amalgama de cidadãos desorganizados e de
comportamento imprevisível, apontando, em seus estudos, as demonstrações
populares na forma de violentas greves gerais que surgiram nas cidades
industrializadas dos países europeus no início do século XX.
Robert Michels é outro teórico
das elites que soube enxergar uma “lei de ferro das oligarquias”, segundo a
qual os políticos, ao se entronizarem nos partidos políticos deles se tornam
proprietários, e graças às facções que comandam no ambiente partidário, no
Congresso Nacional e no poder Executivo, jamais podem ser apeados dos nacos de
poder que dominam por décadas a fio.
Os teóricos das elites também
souberam enxergar como um líder carismático pode se impor perante a massa, como
disse Max Weber, desempenhando um papel populista, por exemplo, formulando e
implantando políticas públicas distribuidoras de bolsas de estudo e casas de
baixo custo que trazem embutidos os juros que fazem a felicidade de grandes
instituições bancárias e de empresários da construção civil, e até investimentos
de alto nível tecnológico que possibilitam o desvio de grandes somas de
recursos do Tesouro Nacional e dos cofres de empresas estatais, como a
Petrobrás em nosso país, diretamente para os cofres do seu próprio partido
político e dos partidos seus aliados.
Souberam ainda enxergar, os
teóricos das elites, que uma doutrina como o marxismo, que pregava a revolução
armada do proletariado para a tomada do poder, inaugurando a sociedade sem
classes e sem Estado, sob a liderança de uma nova classe trabalhadora
industrial, viu os novos líderes empalmarem o poder e transformarem-se em uma nova
elite que deixou a massa, mais uma vez, fora dele.
Hoje, os teóricos marxistas e os
partidos políticos que se dizem de esquerda, contrariando Vladimir Lenin e aceitando
o que Karl Marx previu e Karl Kautsky pregou, buscam chegar ao poder, e nele se
eternizar, utilizando os sistemas eleitorais e as reformas constitucionais que
a democracia aceita, e até defendem que a organização estatal não deva ser
destruída, e sim aparelhada em proveito próprio, exatamente como as elites do
poder o fazem.
Por fim, ainda quanto aos
teóricos das elites, o conhecido C. Wright Mills formulou o conceito de “elite
do poder”, constituída por políticos,
dirigentes corporativos, militares e
até líderes sindicalistas, do
qual se aproveitou o presidente norte-americano Dwight David Eisenhower, para,
em discurso ao final do seu mandato, alertar que a sociedade do seu país
precisava ficar atenta ao desempenho do novo conjunto elitista, que denominou
de complexo industrial-acadêmico-militar.
Vamos, finalmente, após tão longo preâmbulo,
adentrar no assunto principal deste artigo.
No Brasil de hoje, a massa é
informada a todo instante, praticamente no decorrer de todo o seu extenuante dia
de trabalho, graças aos avanços tecnológicos da telemática, por exemplo, com
seu diabólico grampo telefônico, e ao trabalho investigativo da Operação Lava-Jato,
sobre o comportamento das elites do poder no país, melhor ainda, sobre as
tramas e tentativas de conspirações de lideranças que tiveram a oportunidade do
exercício de altos cargos no aparelho do Estado, até da Presidência da
República, para continuarem circulando no poder, como bem quiserem e sem ter
que prestar contas ou serem incomodados pelos malfeitos praticados contra as
finanças públicas que deveriam aplicar com eficiência na busca do que se
considera o bem comum.
Em 2013, a massa brasileira,
cansada de ser sempre passada para trás pelos governantes e pelos políticos,
foi às ruas reivindicar mudanças no ultrapassado modus operandi da
política nacional, e se Mosca e Pareto vivos ainda fossem, teriam que
incorporar às suas argutas observações o surgimento de novas técnicas de
protesto no cenário do deslocamento do populacho enfurecido e desencantado,
pois surgiram grupos, nominados de black
blocs, que se misturam às multidões
insatisfeitas e aproveitam para destruir as vidraças iluminadas e incendiar
veículos e latas de lixo expondo, com esse expediente, um modelo de capitalismo
em apuros, avançando em passo acelerado para despencar no abismo.
Luiz Inácio Lula da Silva entende
muito do tema “elites do poder”, pois, quando no exercício da presidência da
República brasileira, em inúmeras oportunidades se utilizava da expressão para
responsabilizar setores da sociedade pelo descaso com a questão da inclusão
social, uma herança maldita que o Brasil construiu e arrasta por mais de cinco
séculos, e que o seu governo petista, acreditava ele, estava resgatando por
meio de bolsas-disso e bolsas daquilo que aceleravam o consumo e davam
sustentação ao parque industrial, enquanto se construía uma economia
sustentável e uma melhor qualidade de vida.
Confirmando a tese weberiana de
que o líder carismático é aquele que é escolhido pelo voto e é possuidor de
dons pessoais extraordinários, Lula, sem nunca ter lido “A política como vocação”, entende tanto desse negócio das elites do poder que aproveitou
para se tornar um de seus membros, isso em apenas oito anos como presidente da
República, e seu bilhete de ingresso foi uma defesa apaixonada do ex-presidente
José Sarney como um cidadão acima de qualquer suspeita, ou melhor, como um
cidadão diferenciado que deve pairar nas nuvens, acima de qualquer conjunto de
leis humanas vigentes no país.
E para dar continuidade ao
projeto petista de poder, depois de oito anos, Lula elegeu uma cidadã que nunca
se dera ao trabalho de enfrentara o desafio das urnas, uma revolucionária em
tempo integral e fiel seguidora do modo petista de governar, protegendo petistas
e aliados a cada nova descoberta da Operação Lava-Jato, mas que nada entendia
desse negócio de lidar com as elites em permanente luta pelo poder, e que
enquanto rondam o poder ao qual se associam, não abrem mão do assalto aos
cofres públicos.
Em pouco tempo, antes mesmo de
dar início ao seu segundo mandato presidencial, a criatura escolhida por Lula
viu seu governo, que jurava ser de uma solidez absoluta no quesito das finanças
públicas, desmanchar-se no ar, em decorrência de inúmeras decisões e tropeços
administrativos por ela cometidos, tudo estampado nas manchetes da mídia impressa
e eletrônica para conhecimento do eleitorado desiludido com a política, ao
mesmo tempo em que grampos telefônicos assombravam a opinião pública revelando
as conversas entre políticos, dirigentes de empresas estatais e empresários dividindo
entre si a malversação dos dinheiros arrecadados do cidadão comum, afinal, pecunia non olet, dizia o
imperador romano Vespasiano ao seu filho Tito, que reclamava do novo imposto
sobre os esgotos, uma criativa invenção do pai, ainda no ano 69 d. C., e que,
em tempos modernos ganhou o significado de ganhos moralmente censuráveis.
Enfim, chegamos aos
surpreendentes grampos do homem-bomba Sérgio Machado, um político que assumiu o
posto de dirigente de uma estatal como a Petrobrás por obra e artes do
princípio da circulação das elites, e envolvido, como manda o figurino do
presidencialismo de coalizão, em repasses de “dinheiro que não cheira mal” a um diretor
da petroleira que, aprisionado pela Polícia Federal, resolveu abrir-o-bico
garantido pelo instituto da delação premiada.
Os diálogos revelados pelos
grampos do homem-bomba deveriam ser apresentados e discutidos, em todo o
Brasil, pelo alunado de sociologia, de política e de direito como peça
fundamental para se entender os conceitos revelados pela teoria das elites,
dentre eles o fundamental conceito que aborda a questão da circulação das
elites.
Apanhado pelas redes da Operação
Lava-Jato, também optando como seu delator pelo instituto da delação premiada,
o homem-bomba gravou alguns dos companheiros políticos em conversas que revelam
como circulam as elites brasileiras no caminho desesperador do esforço para
manutenção do status quo da impunidade dos poderosos, que se lhes
salve a pele ainda que se danem as instituições, o povo, as leis positivadas ou
o país por inteiro.
Para começar, deveriam ler o
texto extraído de um grampo telefônico, no jornal Folha de S. Paulo, edição de
28 de maio de 2016, que reproduz a revelação de Luiz Inácio Lula da Silva, chorando,
segundo o ex-presidente José Sarney, e mostrando-se arrependido pela escolha de
Dilma Vana Roussef para exercer a presidência da República do Brasil. Pode-se
imaginar que Lula acreditava poder tirar umas férias de quatro anos enquanto Dilma
exercia seu primeiro mandato, e ele, ora, ele espalharia a imagem do “I’m the one !” ( “Eu sou o
cara,” que o presidente norte-americano Barack Obama lhe pespegou, com o verbo
na segunda pessoa: “You’re the one!”), ao mesmo tempo em que vendia, literalmente, o serviço das
grandes empreiteiras nacionais em terras africanas e sul-americanas.
As gravações do homem-bomba
comprometeram o senador Romero Jucá, titular do Ministério do Planejamento do governo
interino de Michel Temer, que foi obrigado a se exonerar do cargo, o
ex-presidente José Sarney e até a presidente afastada, Dilma Rousseff, além de
envolver o tucano senador Aécio Neves, provável presidenciável para 2018.
Segundo os investigadores da
Operação Lava-Jato, tudo indica que o homem-bomba teria produzido mais provas
contra políticos de diferentes partidos, ou seja, as elites brasileiras em seu
processo circulatório vão se beneficiando com “dinheiro que não cheira mal” ao mesmo
tempo em que estocam provas que comprometem toda a classe política e
empresarial ao seu redor, independente de partido, facção política ou grupo
empresarial, em outras palavras, todo aquele que fizer parte do conjunto da
obra de malversação dos dinheiros arrecadados do povo.
Em sua explicação de participante
do grampo telefônico, o ex-presidente José Sarney argumentou que manteve o
diálogo com o homem-bomba imbuído de sentimento de solidariedade em uma hora
tão difícil e desesperadora, tão carente de uma palavra de conforto.
Incrível como o sentimento de
solidariedade mantém unidos os membros de uma elite política que trama a
eliminação de institutos jurídicos de combate a ações criminosas, num amparo
tribal que só beneficia a quem, eleito pelo povo que acredita no instituto da
representatividade, se especializa em assaltar os cofres públicos supridos pelo
mesmo povo que entrega o poder do Estado em suas mãos.
O senador Aécio Neves, futuro
candidato presidencial, e a presidente afastada Dilma Rousseff, deram as
desculpas de sempre, que se comportam com toda a lisura que os cargos políticos
exigem. E não só eles, mas também um grande elenco de parlamentares também
denunciados que se viciaram nesse padrão de desculpa do “eu me comporto com
toda a lisura que a pompa e a circunstância do cargo exigem”.
Já o senador Romero Jucá, fez
comentários sobre a necessidade de enquadramento da Operação Lava-Jato, sobre o
incomodo da delação premiada e até sobre a necessidade de uma conversa com os
juízes do Supremo Tribunal Federal, para atraí-los para um acordo geral que
desse um fim a tanto ativismo judicial contra as elites envolvidas na crise política,
ética e moral que aflige o Brasil enquanto invade e arrebenta as arcas do
Estado em proveito próprio.
Muito interessante, porque revelador
do modus operandi das elites brasileiras, é o instante em que o ex-presidente
José Sarney e o homem-bomba concordam em tentar resolver o imbróglio “Sem meter advogado, sem meter advogado, sem meter
advogado”, porque “Advogado é perigoso”, donde se pode concluir que mesmo para
um advogado será difícil desfazer as acusações do Ministério Público
fundamentadas em provas levantadas pela Operação Lava-Jato, só lhes restando o
velho expediente do acordo que passe uma borracha nos próprios malfeitos para
que se mude o cenário da política, mas tudo continue como sempre foi, o melhor
dos mundos para a classe dominante.
Outro raciocínio interessante é
aquele de mudar o mecanismo da delação premiada, fazendo com que ela só possa
ser considerada legítima se o delator estiver solto, pois a elite dominante
deste país é muito ciosa do respeito aos direitos humanos de quem pratica atos
delituosos, mais ainda se os delinquentes forem criaturas pertencentes ao
círculo das elites do poder.
Por este argumento das elites, um
larápio de bagatelas pode pagar pelos crimes que comete encarcerado por muitos
anos no esplêndido sistema prisional brasileiro, que um Ministro da Justiça, promotor
de profissão e ex-deputado petista, no governo da presidente Dilma Rousseff, disse
preferir se suicidar a ter que responder por delitos em suas celas.
A Operação Mani Pulite, na
Itália, teve início com o flagrante de um suborno de apenas três mil euros, uma
incrível semelhança com os três mil reais que deram início ao flagrante de suborno
que levou à descoberta do “mensalão” brasileiro, e, mais adiante, ao
impressionante assalto aos cofres da Petrobrás e de outros ícones
organizacionais estatais, num circuito de corrupção logo apelidado de
“petrólão”, dado à luz pela Operação Lava-Jato.
A Operação Mani Pulite, em pouco
menos de três anos (1992-1994), investigou mais de cinco mil pessoas, dentre
estas prendeu umas mil, e desfez o tradicional acordo de assalto ao tesouro
público existente há cinco décadas, mas acabou desmontada pela ação de novos políticos
que se alçaram ao poder na Itália e, temerosos de serem alcançados pela onda de
ativismo judicial que varria o país, conseguiram paralisá-la e, finalmente, desativá-la.
A operação italiana foi marcada por suicídios
de políticos e de empresários, envergonhados ou desiludidos, dizem os analistas
acadêmicos e da imprensa, e até um primeiro-ministro exilou-se na Tunísia para
não ser preso, e por lá morreu, e os dois principais partidos políticos que
davam sustentação ao esquema de corrupção, a Democracia Cristã e o Partido
Comunista Italiano, desapareceram. Por fim, dizem os italianos que a corrupção
instalou-se novamente no país.
E no Brasil, será que a Operação
Lava-Jato autonomizou-se de verdade? Ou será que a poderosa elite circulante
brasileira, conseguirá fragilizar, desarticular ou paralisar a Operação Lava a
Jato e, finalmente, desativá-la? Teremos ou não suicídios na terra brasilis? E políticos exilados, teremos?
E quais partidos políticos serão tragados pelo tsunami da Lava-Jato? Surgirá ou não um novato político, magnata
das comunicações como Sílvio Berlusconi, com o poder econômico, o carisma e a
vontade suficientes para ingressar no ambiente político disposto a enfrentar a justiça
e a consciência da cidadania desesperançada, ainda que bem informada, que
aguarda um desfecho favorável à complexa sociedade brasileira, nesse imbróglio político? Com a palavra, os
senhores proprietários das poderosas redes de telecomunicações nacionais.
José Everaldo Ramalho, 76, graduado em Direito com
especialização em Parlamento e Direito, Ciência Política e Pedagogia, foi CNE
na Comissão do Mercosul por duas décadas na Câmara dos Deputados em Brasília.
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