Baltasar Gracián, o grande filósofo e jesuíta espanhol de meados do século XVII, apreciado por Nietzsche como um dos mais refinados intelectuais da Europa, alerta num dos seus escritos que a porta de entrada da sorte pode se tornar a porta de saída da ruína, porque nenhum jogador ganha o tempo todo.
O livrinho de conselhos de Gracián está por aí, para ser lido por todos os que se consideram espertalhões na política e acreditam que sempre estarão na crista-da-onda, situação que até o socialista italiano Norberto Bobbio, o maior filósofo político do século XX, despreza, em seu livro autobiográfico “O Tempo da Memória”.
É preciso que haja renovação nos quadros políticos brasileiros e que os herdeiros do poder identificados por Raymundo Faoro se reciclem nos ares liberais da Europa, como vive sugerindo o senador Marco Maciel, para quem as elites brasileiras precisam ser repensadas.
Essa necessidade de reciclagem das elites brasileiras é antiga convicção do político pernambucano, que, mesmo prestando relevantes serviços ao país, chegando a exercer ministérios e a Vice-Presidência da República, concomitantemente a vários mandatos na Câmara dos Deputados (que presidiu) e no Senado Federal, agora se encontra alijado da representação política depois de perder as últimas eleições.
É muito luxo de Pernambuco e do Brasil colocar Marco Maciel no banco de reservas da política, ele que sabe tudo da prática, da ciência e da arte da Política: ele que conhece a fundo os meandros do poder nacional.
É ridículo que um país com o tamanho e as riquezas do Brasil, com pretensões de poder mundial, aceite passivamente uma democracia onde se alternam no poder apenas dois partidos, o PSDB e o PT, quando há outros partidos de grande porte em condições de disputar o poder.
O PMDB acordou de seu sono letárgico e resolveu disputar o poder, como é dever de todo partido que não queira voltar a ser uma simples facção, colocando o deputado Michel Temer na vice-presidência, a muito custo.
Esse bipolarismo pragmático (a primeira vez que vi essa expressão foi na boca do general Golbery do Couto e Silva, figura que, casualmente, é o tema de meu artigo anterior. Ele propunha essa fórmula para o Brasil, em plena abertura política, no final do regime militar. Chegou até a defender o máximo de três partidos de verdade disputando o poder, e os demais apenas figurativos.
Trata-se de um falso bipartidarismo, inibe o crescimento das demais siglas e tem sido deletério para o sistema eleitoral-partidário brasileiro, além de não passar de uma tentativa de imitação do sistema dos Estados Unidos, onde vários partidos disputam, mas só vencem o Republicano e o Democrata.
Falso ou real, bipartidarismo é coisa de regime de exceção, como ARENA e MDB da década dos sessenta e setenta. Pluripartidarismo é diversidade e ventilação das doutrinas e idéias, que, no Brasil, parecem adormecidas em berço esplêndido.
Estudantes, sindicalistas, associações, operários, todos, enfim, com potencial de serem protagonistas de transformações sociais, permanecem calados. Tal é a democracia mitigada desmobilizante vigente, que começo a considerar como democracia mitigada imobilizante.
Os Estados Unidos têm um regime de governo livre e democrático, com bipartidarismo de fato, alternando-se no poder democratas e republicanos. Mas, lá, na terra do Tio Sam, embora haja partidos menores, há um pacto federativo resultante da Guerra de Secessão, de 1861 a 1865, onde teriam morrido mais de um milhão de pessoas.
Qual é o pacto federativo brasileiro, senão aquele sustentado a ferro-e-fogo pela Monarquia para sufocar ou debelar duas dezenas de insurreições por todo o País? Eis que a questão federativa permanece mascarada no Brasil de hoje, agravada pela globalização, que relativiza a soberania dos Estados.
No Brasil, nós temos muitos republicanos liberais e poucos democratas republicanos. Desconfio que o senador Marco Maciel, propondo que se repensem as elites, clama no deserto... Só que o deserto aqui não é o das arábias e nem o Saara, onde 17 países reclamam abertura política, no que se convenciona denominar “primavera árabe”, que se transformou em verão sangrento.
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