Pretendo escrever aqui três artigos justificando minha convicção de que não há, ainda, potência no mundo que se iguale aos Estados Unidos ou que seja capaz de ameaçar sua hegemonia nesse século, apesar de vários paradoxos vividos pela sociedade estadunidense e do crescimento da China, que às vezes é apontada como a liderança emergente.
O que começou como ideal expansionista transformou os Estados Unidos em potência hegemônica, mas essa condição, a meu ver, decorre de uma vocação alimentada por certos valores cívicos e interesses de várias nações, hoje entrelaçados num capitalismo interdependente, que tornam essa liderança não apenas um objetivo nacional, mas, sobretudo, uma responsabilidade mundial, compartilhada, que muito tem custado à população daquele país, mas que não pode ser renunciada ou recusada.
Os Estados Unidos exercem sua hegemonia hoje por delegação do sistema internacional, que subsidia a “pax americana” porque sabe que a derrocada dos Estados Unidos vai gerar fraturas profundas nos sistemas europeu e asiático, um descalabro geral que pode ameaçar seriamente a paz mundial. Uma quarta guerra poderia devastar a humanidade, tamanho o arsenal de armas disponíveis nas mãos de potências e de grupos terroristas que fazem a chamada. “guerra dividida”.
O momento histórico, esse século, revela que liderança ou hegemonia não é condição que se reivindique. No caso dos Estados Unidos, ela veio com intencionalidade, mas também por delegação de outros países (claro que vários se opõem), como se fosse o corolário da história dos estados nacionais e da evolução do capitalismo , atrelada aos princípios morais e éticos desencadeados pela Revolução Francesa com base na liberdade, na igualdade e na democracia, hoje ampliados ao princípio da justiça social.
O presidente James Buchanan, em 1857,em sintonia com as ideias de John Sullivan sobre o “Destino Manifesto”, revelou a vocação imperial dos Estados Unidos: “A expansão dos Estados sobre o continente americano,desde o Ártico até a América do Sul, é o destino da nossa raça(...) e nada pode detê-la.” Sete anos depois, o presidente Abraham Lincoln proclamou o compromisso dos Estados Unidos com a defesa da Liberdade e da Democracia, em seu discurso no Cemitério de Gettsburgg.
Imbuídos do espírito da Colúmbia que inspirou “O Progresso Americano” de John Gast, dez anos após o discurso de Lincoln, premidos por grande depressão econômica, os estadunidenses iniciaram a sua arrancada internacional que os colocou, após a primeira e segunda guerras mundiais, ao topo da liderança mundial.
Essa hegemonia quase absoluta, escudada num poderoso complexo industrial militar, começa a ser questionada por estudiosos do poder e historiadores, tais como:
Paul Kennedy, “Ascensão e Queda das Grandes Potências”; Josep Nye, “O Paradoxo do poder americano”; Immannuel Wallersteim, ”O Declínio do Poder Americano” ; Paulo Nogueira Batista Jr.,”O triste fim de Wall Street”, Folha de São Paulo, em 2/11/2008, entre muitos outros autores, alguns inspirados na história do Império Romano escrita por Edward Gibbons(“Declínio e Queda do Império Romano”), e J.C.Stobart (“A grandeza que foi Roma”).
Sim, os impérios nascem, vivem e desaparecem, ao longo de ciclos atípicos, sob uma análise sincrônica e diacrônica da história, como se a razão estivesse com Heráclito, o filósofo grego que dizia que tudo muda a todo instante. Mas, Parmênides, que dizia que nada muda, também é bafejado pela razão, quando os estudos sobre os impérios até hoje surgidos revelam que o Império Romano até hoje é incomparável.
Se assim o é, o Império Romano não deixará de sê-lo nunca, tais os seus desdobramentos até os dias de hoje, desde a implantação da “pax romana” por Octávio Augusto, em 46 a.C.,o esplendor do Monte Palatino nos primeiros 250 anos, quando o império alcançou 100 milhões de habitantes e arregimentou 300 mil soldados, até a queda formal em 476,com o “bárbaro” Odoacro se apoderando da capital.
Assim como os impérios surgem de um esforço hercúleo de certa civilização decadente visando à sua sobrevivência de outra forma, como afirma Toynbee, em seu “Um Estudo da História”, os impérios começam a ruir quando deixam de se dedicar ao bem-comum. Gibbons considera que o Império Romano até durou muito, e comenta: “... a força das antigas instituições e idéias, presente de certa forma no próprio sangue de cada romano, conseguiu que se mantivesse vivo o Império muito tempo depois de ele ter perdido sua razão de ser.”
Não há, portanto, um modelo imperial comparável ao de Roma, cujos desdobramentos estão presentes no próprio modelo dos Estados Unidos, que podem ser avaliados mais a fundo se a variável independente de análise for a presença do Cristianismo, seja católico ou protestante.
Porventura, alguma civilização inspirada em Buda, Maomé, Zoroastro e algum outro líder se alevanta no horizonte visível para suplantar o Cristianismo? Não creio, mesmo com o avanço considerável do Maometismo e a propagação da forma republicana de governo.
Os Estados Unidos constituem um império que tem alma, a “religião cívica”, que põe a bandeira à frente de tudo, e esse detalhe pode decidir o seu futuro, porque essa alma faltou ao Império Romano,segundo Stobart: “O império era um colosso à procura de uma alma”.
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