quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Dinâmica dos conflitos e a greve das PMs

Gélio Fregapani (Membro da Academia Brasileira de Defesa)

Todo conflito inicia com divergências incompatíveis e mal administradas, mas só se desencadeia se houver, em ambos os lados, forças reativas capazes de lutar. Isto torna lugar comum a participação de força militar, sendo, por vezes, o elemento principal. Greves de militares simplesmente não são apenas greves.  São motins. Quando os motins tomam vulto e são vitoriosos, podem ser  chamados de revoluções.

Entre as circunstâncias que costumam levar uma tropa à insubordinação e revolta, avultam a falta de confiança na autoridade contra a qual se revoltam; disciplina frouxa ou injusta; o espezinhamento e maus tratos; o fato de passarem necessidades não compartilhadas pela autoridade; diferenças ideológicas ou religiosas em oposição e, naturalmente, uma combinação desses e de outros fatores menores.

Antes de chegar aos extremos, uma tropa terá dado sinais de desagrado, entre os quais é comum recusar a alimentação. Terá havido conspirações, não cumprimento de ordens (greves?) e boataria.

Um comandante perspicaz, em qualquer escalão, percebe facilmente. Quando compartilha da insatisfação esforça-se para corrigi-la. Pode chegar, em casos extremos, a liderar o movimento sedicioso, quando a divergência é com escalão superior e ele compartilha delas. Quando se aliena, perde a liderança. Aparecerá outra, contra ele ou deixando-o de fora, pois sempre aparecerá um líder. Todas as tropas estão acostumadas ao comando único, como  forma de coordenação de esforços chamada de disciplina. Não sendo assim perde a característica de tropa e passa a ser apenas um bando, fadado a derrota.
      
No caso da greve/motim da PM baiana, certamente, a maioria desses fatores esteve presente, e não somente naquela PM. Por alguns momentos não se sabia até que ponto  poderia se alastrar. Foi, ou deveria ter sido, motivo de preocupação para os mais altos escalões da República, não por causa do Carnaval ou da Copa do Mundo, mas pelo perigo para a coesão nacional, já que algumas das insatisfações eram compartilhadas por outras PMs e até por tropas federais.

As irredutíveis divergências partidárias internas sempre procuram cooptar tropas militares para compor suas “forças reativas”, completando assim as condições indispensáveis para o conflito. É claro que um conflito pode ser evitado, seja pela administração da divergência, seja pela apresentação de uma força esmagadora que iniba o conflito 
      
Felizmente, para o Governo, as tropas federais, mais disciplinadas e mais poderosas inibiram o prosseguimento do motim, mas não podem, sem o comando político, sanear-lhe as causas. Caxias, quem melhor venceu revoltas e administrou motins, só aceitou essas tarefas com o comando político, incluindo o direito de castigar e de dar anistias.

Interferir em choques internos é extremamente desagradável ao ideário do Exército, cujo inimigo sempre será o estrangeiro. Entretanto, por vezes, terá que ser feito. A divisão do País em facções irredutíveis (o perigo das democracias) impede a coesão nacional, e a segurança depende ainda mais do grau de coesão  do que de outros fatores, como o valor momentâneo de suas Forças Armadas ou do acerto de sua Diplomacia. Na verdade, a coesão nacional embasa tanto uma como outra.
      
Mesmo os conflitos mais graves um dia terminam. Teoricamente, terminam quando é quebrada a vontade de uma das facções, ou estejam esgotados seus meios de reagir, ou ainda pela resolução da divergência (que, aliás, poderia ter evitado o conflito)
     
O fato é que o apoio público à Revolução de 64 foi motivado mais pela repulsão às sucessivas greves e badernas do que pela ideologia na Guerra Fria. Estaremos de volta para o passado? Não - ainda não. Não há insubordinação nas Forças Armadas, e a maioria reconhece neste o melhor governo desde a redemocratização. Entretanto uma luz amarela se acende. Cuidado! Não se espezinha impunemente um Exército brioso.
      
O assunto é complexo. Caxias, como sempre, o exemplo: Quando precisou combater, combateu, mas sempre administrou as divergências com misericórdia e amparando até as famílias dos adversários. Conciliou e concedeu anistia, depois da vitória, sem tripudiar dos antigos adversários.

Todos temos consciência de como a impunidade estimula os malfeitos. Mas a sede de vingança pelo lado vencedor perpetua as divergências irreconciliáveis, que tendem a criar um novo conflito. Internacionalmente o exemplo é o Tratado de  Versalhes. Aqui no nosso País, observamos o ensaio da fúria vingadora da Ministra dos Direitos Humanos e sua Comissão da “Verdade”.
      
No caso da PM baiana é necessário bom senso. Podemos inibir o prosseguir do motim usando de força avassaladora, mas a divergência só cessa com justiça, tal como Caxias  fez no Maranhão, sem descuidar das demais e das Forças Armadas


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