Por mais ousada que tenha sido a defesa do papel legislador
do Supremo Tribunal Federal, feita pelo ministro Carlos Ayres Britto, em seu
discurso de posse como presidente da Corte, acredito que a idéia é controversa,
à luz do princípio da tripartição de poderes, base do Constitucionalismo.
Montesquieu foi visionário e sábio, propondo um sistema que
permite ao Poder Legislativo legislar, ao Poder Executivo cumprir as leis e ao
Poder Judiciário julgar como espécie de guardião da Constituição, numa distribuição
de papéis que iniba a assimetria entre os poderes e que impeça que algum dos
poderes recrudesça despoticamente contra os demais.
Já se tem, nos tempos atuais, o viés de subtração pelo
Executivo do papel legislador do Legislativo, tão bem caracterizado pelas
medidas provisórias, que tem reduzido o Congresso Nacional à condição de quase
mero homologador da ação legisferante do Executivo.
O que propõe o novo Presidente do STF,creio que movido pelo
sincero empenho em agilizar o Judiciário, pode significar maior enfraquecimento
das atribuições do Poder Legislativo, que, atualmente, fica à mercê dos fatos
consumados pelas normas geradas no “laboratório” do Planalto numa velocidade e dinâmica
espantosas, que fere princípios normativos tais como anterioridade, universalidade,
imparcialidade e publicidade da norma.
Medidas provisórias são aprovadas sem o ritual necessário,
votadas às vezes em bloco, sem que a Câmara ou o Senado tenham condições de
alterá-las, e muitas gerando novas leis que compõem verdadeiro cipoal jurídico
de interpretação e aplicação complexas até mesmo para advogados e juízes.
O Brasil dispõe de mais de 70 mil normas e ainda não
conseguiu fazer a “clarificação” ou consolidação necessária das leis, um
processo obstaculizado pela falta de vontade política das principais lideranças
dos três poderes e pela própria cultura política cartorial e burocrática
brasileira.
O processo legislativo – a produção de leis – envolve todo o
sistema político, inclusa a participação popular, e aí caberia a contribuição
de todos os poderes, desde que seja preservada a prerrogativa do Congresso
Nacional de comandar o procedimento legislativo, na elaboração de leis. Eis
porque o processo legislativo é o grande equilibrador político-institucional e atua
preventivamente para evitar grandes crises.
O Poder Legislativo contemporâneo, com a massificação
política e o extraordinário desenvolvimento dos meios de comunicação, tem
perdido espaço na formulação de leis e relegado às funções tribunícia e de
fiscalização, assim mesmo esta última, instrumentada pelas Comissões
Parlamentares de Inquérito, vem sendo paulatinamente esvaziada, seja pela
banalização, seja pela ineficácia de resultados ultimamente apresentados pelas
comissões.
A adoção da súmula vinculante seria o balizamento ideal para
os trabalhos do Legislativo e da iniciativa das leis tomada hoje, majoritariamente,
pelo Poder Executivo. É nesse aspecto doutrinário que o STF talvez tenha a sua
maior oportunidade de exercer o “papel legislador” a que se refere o ministro.
O sistema político brasileiro ainda é representativo e o
enfraquecimento da representação política pode significar restrições à
democracia e estímulo a tentações hegemônicas do Executivo que redundem em
regime discricionário. Não sou jurista. Penso como cientista político.
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