quarta-feira, 13 de junho de 2012

Informação, democracia e corrupção



A recente aprovação da  lei 12527/2011, a chamada Lei de Acesso à Informação, suscita discussões sobre o que é estatal, governamental, societário, público e privado, uma questão que se arrasta desde os primórdios da civilização, bastando que se leiam a Teoria das Formas de Governo e a Teoria do Estado para uma tomada de consciência a respeito da dicotomia público/privado.

Quando essa nova lei obriga órgãos públicos federais, estaduais e municipais (ministérios, estatais, governos estaduais, prefeituras, empresas públicas, autarquias etc.) a oferecer informações relacionadas às suas atividades a qualquer pessoa que solicitar os dados, aqueles que a elaboraram partem da concepção de que democracia é o cidadão bem informado sobre os gastos do governo.

Assim se expressa o ministro Jorge Hage, chefe da Controladoria-Geral da União: “O Brasil dá mais um importante passo para a consolidação do seu regime democrático, ampliando a participação cidadã e fortalecendo os instrumentos de controle da gestão pública”.

Essa lei estabelece, portanto, uma relação entre o governamental (que não é o estatal, porque os documentos relacionados a assuntos de Estado, de caráter reservado, sigiloso ou secreto, continuarão sendo protegidos) e o privado, representado pela cidadania em si.

Mas, a democracia contemporânea é mais ampla e envolve os âmbitos estatal, público e societário, ou seja, Estado,Sociedade e novos atores em cena (igreja,ONGs, empresas transnacionais, etc.). O que caracteriza verdadeiramente a democracia é a circulação da informação e da participação em todos os sentidos do sistema político (vertical e horizontal, ascendente e descendente).

Assim, a comunicação política, conjunto de mensagens circulantes, que condicionam as ofertas e demandas do sistema, tem fluidez natural e gera os fatores característicos da democracia: liberdade de pensamento e expressão, circulação de informações, participação popular, governabilidade,alternância de poder, pluralismo ideológico,etc.

Segundo o ministro Hage, “ao regulamentar o artigo 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal, o Brasil, além de garantir ao cidadão o exercício do seu direito de acesso à informação, cumpre, também, o compromisso assumido pelo país ante a comunidade internacional em vários tratados e convenções”.

Acrescenta que: ”A Lei 12.527 representa uma mudança de paradigma em matéria de transparência pública, pois estabelece que o acesso é a regra e o sigilo a exceção. Qualquer cidadão poderá solicitar acesso às informações públicas, ou seja, àquelas não classificadas como sigilosas, conforme procedimento que observará as regras, prazos, instrumentos de controle e recursos previstos.”

Nesse aspecto, a lei é ambígua, pois esbarra na dicotomia público/privado. O que é informação pública? O que é informação privada? Qualquer cidadão pode saber quanto ganha um funcionário público em vencimentos, mas nenhum cidadão consegue saber o salário do funcionário de uma empresa privada, a menos que atropele o diretor-de-pessoal e o dono da empresa. E vale lembrar que o conceito de público hoje pode também ser aplicado ao estatal e ao público-não-estatal (terceiro setor).

O governo comete aqui o equívoco de confundir estatal com governamental, público com privado, assim como cometeu quando deu à Comissão da Verdade um status de assunto de Estado,quando não chega a ser nem governamental. Seria assunto estatal, se não houvesse a Lei da Anistia,que gerou os efeitos políticos concretos pertinentes à alternância do poder. Hoje é assunto público não-estatal, na medida em que envolve prescrições de órgãos internacionais, como a ONU e a UNESCO.

No tocante à transparência, Jorge Hage observa que “o Brasil já é referência em matéria de divulgação espontânea de informações governamentais: O Portal da Transparência do Governo Federal, criado e administrado pela CGU, já foi várias vezes premiado, nacional e internacionalmente, sendo considerado um dos mais completos e detalhados sites de transparência do mundo. Faltava-nos, no entanto, uma lei que regulasse o acesso amplo a qualquer documento ou informação específica buscados pelo cidadão”

A corrupção é um tema universal e engloba todos os universos da informação: O estatal, o governamental, o societário, o público e o privado. Prova disso é que o portal Transparência do Governo Federal concorre com organizações como a Transparência Internacional (que mede o índice de percepção da corrupção nos países e que tem sede em Berlim) e sua ex-filial Transparência Brasil, com sede em São Paulo, para não mencionarmos aqui outras iniciativas espontâneas e orgânicas, inclusas as da imprensa, de combate à corrupção existentes no Brasil e no exterior.

Lendo-se a obra de Norberto Bobbio (“Estado, Governo e Sociedade”), obtém-se uma boa noção das dificuldades de clarificação das intenções do governo e do texto da nova lei de acesso à informação. Essa lei pode, em alguns aspectos, representar o que o governo declara como intenções – democracia e combate à corrupção -, mas essa democracia mitigada desmobilizante e as denúncias de corrupção em muitos setores do Brasil revelam o grande abismo entre o país virtual e o país real.

 Reduzir todo esse abismo é impossível, mas reduzi-lo o máximo possível, conforme Oliveira Viana, deve ser meta permanente de todo legislador e todo constituinte. 

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