sábado, 17 de novembro de 2012

Fukuyama e o "fim da História" no Brasil de hoje


 

O cientista político e professor de economia estadunidense Francis Fukuyama, que previu o fim das ideologias, em sua obra “O Fim da História” (1989) e “O Fim da História e o Último Homem” (1992), mais do que Augusto Comte e Antonio Gramsci, é o filósofo mais adequado para a interpretação do atual momento político brasileiro, no que concerne ao controle do poder pelos partidos e respectivas ideologias.

Penso que o Positivismo comteano continua imbatível, como base filosófica para interpretação do poder político brasileiro. A influência de Antonio Gramsci, a meu ver superestimada pelos que combatem o petismo, é importante como sustentação ideológica para os partidos de esquerda, mas a prática política pode ser mais bem entendida sob o pensamento de Fukuyama, rigorosamente aplicável até mesmo ao processo do “Mensalão”, quando ele afirma que a democracia exige responsabilização dos que praticam a corrupção política.

Fukuyama, conselheiro do Governo Reagan, na linha de pensamento hegeliano sobre a evolução da humanidade, prognosticou que, ao final do século XX, a humanidade teria chegado ao ápice de sua evolução com o triunfo da democracia liberal ocidental - que tem no capitalismo dos Estados Unidos seu mais forte representante - sobre todos os demais sistemas e ideologias concorrentes. É o que denomina "fim da História", com a vitória da democracia capitalista burguesa sobre o socialismo,comunismo,etc.

Mas, Fukuyama, em entrevistas mais recentes, admite que a diversidade cultural seja um fator que pode gerar democracias diferentes, ainda mais no mundo global, que sofre aceleradas transformações impostas pelo desenvolvimento científico e tecnológico, com nichos excepcionais, como o da biotecnologia, cujo controle impõe desafios à própria manutenção da hegemonia dos Estados Unidos.

No caso do Brasil, fica difícil definir, ideologicamente, quem é esquerda e quem é direita, além das propostas programáticas dos partidos e principalmente quando o referencial é o programa de governo ou a prática política. Quem é efetivamente Oposição e quem é Situação?

O tamanho virtual da Oposição no Brasil pode ser definido por 10 governadores, 102 deputados federais, 19 senadores, 311 deputados estaduais, 1.495 prefeitos municipais (seis prefeitos de capitais: Maceió, Manaus, Belém, Teresina, Salvador e Sergipe), 15.248 vereadores e cerca de 27 milhões de eleitores, considerando-se que os partidos oposicionistas são PSDB, DEM, PPS, PV (?), PSOL e PMN.

 É uma Oposição fragmentada em diversas correntes ideológicas, posturas e votações, tanto nas bases estaduais e municipais quanto na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, o que facilita o trabalho no Congresso da bancada de apoio ao governo Dilma Rousseff, integrada por 13 partidos, entre os quais se destacam o PMDB, PT, PSD, PP, PSB e PTB, bases da coalizão governamental, embora também compondo um mosaico ideológico de esquerdistas, direitistas e centristas nos principais quadros do governo.

O PSDB, socialista democrático, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, faz oposição moderada, colocando-se como alternativa de alternância da esquerda no poder, em relação ao PT do ex-presidente Lula e da atual presidente Dilma Rousseff. O Democratas, liberal, faz oposição tácita ao governo. O PPS, popular socialista e ex-Partido Comunista Brasileiro, se encontra em franca oposição, desde seu rompimento com o governo Lula. O PV, ambientalista, que lançou a senadora Marina Silva candidata presidencial, na disputa com Dilma Rousseff, adota uma postura oposicionista flexível, desde que Marina deixou o partido por divergências internas. O PSOL, abrigando várias correntes de extrema-esquerda, faz oposição radical por conta própria, tendo como sua maior estrela a ex-senadora Heloisa Helena, vereadora mais votada no Brasil, nas últimas eleições municipais. O PMN, da direita nacionalista, também faz oposição em faixa própria.

A fragmentação ideológico-partidária da Oposição se resume, portanto, no PSDB como possível alternância no poder, com apoio do DEM e demais partidos oposicionistas, e a fragmentação da Situação no PT no poder, apoiado pelo PMDB e demais partidos situacionistas.

Não há, no atual quadro político brasileiro, uma ideologia absolutamente dominante (mais uma vez Fukuyama), apesar de uma perceptível e aparente inclinação geral do País à centro-esquerda, com discurso social e democrático na política e programa heterodoxo na economia - híbrido de estatização em alguns setores e privatização em outros.

Desde a independência do Brasil, as suas elites dominantes (urbanas e rurais) fixaram a Liberdade e a Democracia como elementos basilares de seu desenvolvimento, ainda que a história registre períodos em que prevalece a primazia da Liberdade, em detrimento da Democracia, se necessário assim for; mas, com o fim do regime militar instaurado em 1964 e a instauração da Nova República, os movimentos de esquerda que empolgaram o poder  inverteram a equação: Democracia, ainda que  em detrimento da Liberdade, pois o que se tem ainda, consoante a cultura política, é uma democracia mitigada desmobilizante, onde há um controle excessivo sobre a participação popular no processo decisório.

Na atualidade, não parecem claros os marcos dessa equação, em decorrência da própria evolução política, econômica e social do Brasil, marcada por grande diversidade étnica e cultural, contrastes ambientais e climáticos e assimetrias abissais entre ricos e pobres, embora o País se situe na posição de sexta economia mundial.

Para o presidente do PPS, ex-Partido  Comunista Brasileiro –PCB -, deputado Roberto Freire, de São Paulo, a tendência ideológica do Brasil atual não pode ser avaliada de acordo com os matizes partidários, a linha programática dos partidos de Situação e Oposição, mesmo porque a fragmentação ideológica é ampla.

A variável independente para análise desse modelo vigente, expresso pela coalizão, é o beneficiário final, que Freire considera como sendo a elite financeira, regida pelos grandes conglomerados e donos do capital internacional (banqueiros, investidores, especuladores, empresas transnacionais, etc.), que elegeram Dilma: “Então, temos a Direita no poder, servindo a esses agentes do Neoliberalismo, que derrotaram a esquerda na figura do candidato José Serra. O modelo nosso atual de democracia, tem muita semelhança com o dos Estados Unidos”.

Pode-se verificar, com o Governo democrata de Obama, aparentemente de centro-esquerda, que republicanos com frequência estão fazendo oposição ao lado do Partido Verde, do Partido Socialista, do Partido Comunista, etc. Mas, ao mesmo tempo, não se questiona, em termos de Oposição, a necessidade de que se dê prioridade à política externa, como essencial para preservação do império... Aliás, o atentado do grupo Hamas a Jerusalém, reacendendo nesta semana o estopim do conflito no Oriente Médio, já é um prenúncio do que está por vir nesse segundo mandato do Presidente Obama.

Roberto Freire observa que os programas assistencialistas dos governos Lula e Dilma, tais como Fome Zero, bolsa-escola, bolsa-família, vale-gás, etc., não passam de bandeiras criadas pelos neoliberais assistencialistas, que reduzem a questão social simplesmente à sobrevivência do indivíduo, dificultando a sua verdadeira inserção na sociedade.

Vejo alguns problemas nessa leitura que Freire faz da ideologia política brasileira atual. O que faz o Democratas na Oposição, sendo esse um partido de programa e doutrina liberais? Se a ideologia e o partido não contam, mas, sim, apenas, os interesses da elite financeira, como classificar o PSDB como de esquerda, por fazer hoje Oposição, se o governo Fernando Henrique Cardoso privatizou setores importantes da economia com fidelidade ao denominado “Consenso de Washington”? E o PMDB e o PT, que fizeram oposição ao regime militar de 64, considerado na época como de direita, e agora adotam idêntica postura de composição com o poder financeiro.

Conclusivamente, se adotada a leitura de Freire, o poder no Brasil seria ideologicamente de direita ou estaria fadado historicamente a isso, desde o período monárquico, até os dias atuais, em face da dependência da economia brasileira ao capital estrangeiro. Por extensão, o mesmo se aplica aos demais países latino-americanos que foram colônias, à exceção de Cuba.

Quando a deputada  Luiza Erundina (PSB-SP) insiste numa reforma política que permita  maior participação popular, até mesmo como mecanismo de transparência e combate à corrupção, usa um  raciocínio objetivo:” Temos , a Esquerda, que fazer algo diferente, e essa diferença é promover a participação popular, porque a Direita , que tem mais de 500 anos de experiência, sabe fazer melhor do que nós esse jogo do poder.”

Alguns partidos se denominam “partidos independentes”, como o PV e o PSD. Há uma falsa concepção de que tais agremiações possam sobreviver sem cargos e patrocinadores, contando somente com recursos do Fundo Partidário. São partidos pendulares, sem condições de disputar efetivamente o poder, e que aguardam uma oportunidade para adquirirem maior expressão, jogando com as oportunidades. O próprio presidente do PSD, o prefeito Gilberto Kassab, de São Paulo, já anunciou sua adesão ao Governo. O PV tende mais à Situação do que à Oposição, se prevalecer a posição de sua ala paulista.

Em contraposição a Fukuyama, Norberto Bobbio, em sua obra “Direita e Esquerda”(1994), observa que os conceitos de Esquerda e Direita se transformaram, após a Guerra-Fria, mas, basicamente, não desapareceram. O homem de esquerda considera que a igualdade social é uma regra, e a desigualdade uma exceção, enquanto o homem de direita vê a desigualdade social como algo natural (porque os homens nascem diferentes) e a igualdade uma exceção.

Em essência, o Brasil tem direitistas e esquerdistas para o gosto de muitos autores, mas a prática política, desde o início da “Nova República”, tem consagrado as idéias de Fukuyama como as mais adequadas para o entendimento dessa verdadeira geléia geral de partidos e ideologias  na Situação e na Oposição.

 

 

 

 

 


 

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