O
cientista político e professor de economia estadunidense Francis Fukuyama, que
previu o fim das ideologias, em sua obra “O Fim da História” (1989) e “O Fim da
História e o Último Homem” (1992), mais do que Augusto Comte e Antonio Gramsci,
é o filósofo mais adequado para a interpretação do atual momento político brasileiro,
no que concerne ao controle do poder pelos partidos e respectivas ideologias.
Penso
que o Positivismo comteano continua imbatível, como base filosófica para interpretação
do poder político brasileiro. A influência de Antonio Gramsci, a meu ver
superestimada pelos que combatem o petismo, é importante como sustentação
ideológica para os partidos de esquerda, mas a prática política pode ser mais
bem entendida sob o pensamento de Fukuyama, rigorosamente aplicável até mesmo
ao processo do “Mensalão”, quando ele afirma que a democracia exige
responsabilização dos que praticam a corrupção política.
Fukuyama,
conselheiro do Governo Reagan, na linha de pensamento hegeliano sobre a
evolução da humanidade, prognosticou que, ao final do século XX, a humanidade
teria chegado ao ápice de sua evolução com o triunfo da democracia liberal ocidental
- que tem no capitalismo dos Estados Unidos seu mais forte representante -
sobre todos os demais sistemas e ideologias concorrentes. É o que denomina "fim da História", com a vitória da democracia capitalista burguesa sobre o socialismo,comunismo,etc.
Mas,
Fukuyama, em entrevistas mais recentes, admite que a diversidade cultural seja
um fator que pode gerar democracias diferentes, ainda mais no mundo global, que
sofre aceleradas transformações impostas pelo desenvolvimento científico e tecnológico,
com nichos excepcionais, como o da biotecnologia, cujo controle impõe desafios à
própria manutenção da hegemonia dos Estados Unidos.
No
caso do Brasil, fica difícil definir, ideologicamente, quem é esquerda e quem é
direita, além das propostas programáticas dos partidos e principalmente quando
o referencial é o programa de governo ou a prática política. Quem é
efetivamente Oposição e quem é Situação?
O
tamanho virtual da Oposição no Brasil pode ser definido por 10 governadores, 102
deputados federais, 19 senadores, 311 deputados estaduais, 1.495 prefeitos
municipais (seis prefeitos de capitais: Maceió, Manaus, Belém, Teresina,
Salvador e Sergipe), 15.248 vereadores e cerca de 27 milhões de eleitores, considerando-se
que os partidos oposicionistas são PSDB, DEM, PPS, PV (?), PSOL e PMN.
É uma Oposição fragmentada em diversas
correntes ideológicas, posturas e votações, tanto nas bases estaduais e
municipais quanto na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, o que facilita o
trabalho no Congresso da bancada de apoio ao governo Dilma Rousseff, integrada
por 13 partidos, entre os quais se destacam o PMDB, PT, PSD, PP, PSB e PTB,
bases da coalizão governamental, embora também compondo um mosaico ideológico
de esquerdistas, direitistas e centristas nos principais quadros do governo.
O
PSDB, socialista democrático, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, faz
oposição moderada, colocando-se como alternativa de alternância da esquerda no
poder, em relação ao PT do ex-presidente Lula e da atual presidente Dilma
Rousseff. O Democratas, liberal, faz oposição tácita ao governo. O PPS, popular
socialista e ex-Partido Comunista Brasileiro, se encontra em franca oposição,
desde seu rompimento com o governo Lula. O PV, ambientalista, que lançou a
senadora Marina Silva candidata presidencial, na disputa com Dilma Rousseff,
adota uma postura oposicionista flexível, desde que Marina deixou o partido por
divergências internas. O PSOL, abrigando várias correntes de extrema-esquerda,
faz oposição radical por conta própria, tendo como sua maior estrela a
ex-senadora Heloisa Helena, vereadora mais votada no Brasil, nas últimas
eleições municipais. O PMN, da direita nacionalista, também faz oposição em
faixa própria.
A
fragmentação ideológico-partidária da Oposição se resume, portanto, no PSDB
como possível alternância no poder, com apoio do DEM e demais partidos
oposicionistas, e a fragmentação da Situação no PT no poder, apoiado pelo PMDB
e demais partidos situacionistas.
Não
há, no atual quadro político brasileiro, uma ideologia absolutamente dominante (mais
uma vez Fukuyama), apesar de uma perceptível e aparente inclinação geral do
País à centro-esquerda, com discurso social e democrático na política e programa
heterodoxo na economia - híbrido de estatização em alguns setores e
privatização em outros.
Desde
a independência do Brasil, as suas elites dominantes (urbanas e rurais) fixaram
a Liberdade e a Democracia como elementos basilares de seu desenvolvimento, ainda
que a história registre períodos em que prevalece a primazia da Liberdade, em
detrimento da Democracia, se necessário assim for; mas, com o fim do regime
militar instaurado em 1964 e a instauração da Nova República, os movimentos de
esquerda que empolgaram o poder
inverteram a equação: Democracia, ainda que em detrimento da Liberdade, pois o que se tem
ainda, consoante a cultura política, é uma democracia mitigada desmobilizante,
onde há um controle excessivo sobre a participação popular no processo
decisório.
Na
atualidade, não parecem claros os marcos dessa equação, em decorrência da
própria evolução política, econômica e social do Brasil, marcada por grande
diversidade étnica e cultural, contrastes ambientais e climáticos e assimetrias
abissais entre ricos e pobres, embora o País se situe na posição de sexta
economia mundial.
Para
o presidente do PPS, ex-Partido Comunista Brasileiro –PCB -, deputado Roberto
Freire, de São Paulo, a tendência ideológica do Brasil atual não pode ser
avaliada de acordo com os matizes partidários, a linha programática dos
partidos de Situação e Oposição, mesmo porque a fragmentação ideológica é
ampla.
A
variável independente para análise desse modelo vigente, expresso pela coalizão,
é o beneficiário final, que Freire considera como sendo a elite financeira,
regida pelos grandes conglomerados e donos do capital internacional (banqueiros,
investidores, especuladores, empresas transnacionais, etc.), que elegeram
Dilma: “Então, temos a Direita no poder, servindo a esses agentes do
Neoliberalismo, que derrotaram a esquerda na figura do candidato José Serra. O
modelo nosso atual de democracia, tem muita semelhança com o dos Estados Unidos”.
Pode-se
verificar, com o Governo democrata de Obama, aparentemente de centro-esquerda, que
republicanos com frequência estão fazendo oposição ao lado do Partido Verde, do
Partido Socialista, do Partido Comunista, etc. Mas, ao mesmo tempo, não se
questiona, em termos de Oposição, a necessidade de que se dê prioridade à
política externa, como essencial para preservação do império... Aliás, o
atentado do grupo Hamas a Jerusalém, reacendendo nesta semana o estopim do
conflito no Oriente Médio, já é um prenúncio do que está por vir nesse segundo
mandato do Presidente Obama.
Roberto
Freire observa que os programas assistencialistas dos governos Lula e Dilma,
tais como Fome Zero, bolsa-escola, bolsa-família, vale-gás, etc., não passam de
bandeiras criadas pelos neoliberais assistencialistas, que reduzem a questão
social simplesmente à sobrevivência do indivíduo, dificultando a sua verdadeira inserção na
sociedade.
Vejo
alguns problemas nessa leitura que Freire faz da ideologia política brasileira
atual. O que faz o Democratas na Oposição, sendo esse um partido de programa e
doutrina liberais? Se a ideologia e o partido não contam, mas, sim, apenas, os
interesses da elite financeira, como classificar o PSDB como de esquerda, por
fazer hoje Oposição, se o governo Fernando Henrique Cardoso privatizou setores
importantes da economia com fidelidade ao denominado “Consenso de Washington”?
E o PMDB e o PT, que fizeram oposição ao regime militar de 64, considerado na
época como de direita, e agora adotam idêntica postura de composição com o
poder financeiro.
Conclusivamente,
se adotada a leitura de Freire, o poder no Brasil seria ideologicamente de direita
ou estaria fadado historicamente a isso, desde o período monárquico, até os
dias atuais, em face da dependência da economia brasileira ao capital
estrangeiro. Por extensão, o mesmo se aplica aos demais países latino-americanos
que foram colônias, à exceção de Cuba.
Quando
a deputada Luiza Erundina (PSB-SP)
insiste numa reforma política que permita
maior participação popular, até mesmo como mecanismo de transparência e
combate à corrupção, usa um raciocínio
objetivo:” Temos , a Esquerda, que fazer algo diferente, e essa diferença é
promover a participação popular, porque a Direita , que tem mais de 500 anos de
experiência, sabe fazer melhor do que nós esse jogo do poder.”
Alguns
partidos se denominam “partidos independentes”, como o PV e o PSD. Há uma falsa
concepção de que tais agremiações possam sobreviver sem cargos e
patrocinadores, contando somente com recursos do Fundo Partidário. São partidos
pendulares, sem condições de disputar efetivamente o poder, e que aguardam uma
oportunidade para adquirirem maior expressão, jogando com as oportunidades. O
próprio presidente do PSD, o prefeito Gilberto Kassab, de São Paulo, já
anunciou sua adesão ao Governo. O PV tende mais à Situação do que à Oposição,
se prevalecer a posição de sua ala paulista.
Em
contraposição a Fukuyama, Norberto Bobbio, em sua obra “Direita e Esquerda”(1994),
observa que os conceitos de Esquerda e Direita se transformaram, após a
Guerra-Fria, mas, basicamente, não desapareceram. O homem de esquerda considera
que a igualdade social é uma regra, e a desigualdade uma exceção, enquanto o
homem de direita vê a desigualdade social como algo natural (porque os homens
nascem diferentes) e a igualdade uma exceção.
Em
essência, o Brasil tem direitistas e esquerdistas para o gosto de muitos
autores, mas a prática política, desde o início da “Nova República”, tem
consagrado as idéias de Fukuyama como as mais adequadas para o entendimento
dessa verdadeira geléia geral de partidos e ideologias na Situação e na Oposição.
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