terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Guerra total pelo poder em Brasília



O rompimento do vice-presidente Michel Temer com a Presidente Dilma Rousseff, explícito em carta divulgada ontem, na qual Temer alega que não tem e não terá a confiança da Presidenta, agrava ainda mais o quadro político e deixa claro que o Partido do Movimento Democrático Brasileiro –PMDB- abandonou o presidencialismo de coalizão com o Partido dos Trabalhadores- PT- em busca de caminho próprio no exercício do poder.

Michel Temer apresentou programa de governo do PMDB, no dia 7, a empresários reunidos na Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo  –FecomércioSP-, ocasião em que fez críticas à atual política econômica, defendeu a reforma da Previdência e implantação de medidas de combate ao desemprego e à inflação. Temer mostrou-se favorável à manutenção dos atuais programas sociais e terminou sendo aplaudido de pé por 150 empresários.

O simples fato de romper com Dilma não garante a Temer voo livre para dar as suas cartas, porque  o processo de impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados continua engastado na dúvida sobre o funcionamento do Congresso Nacional em convocação extraordinária  ou no cumprimento do recesso parlamentar. O Palácio do Planalto quer uma tramitação imediata do pedido de impeachment, temendo que o atraso dê margem à mobilização da opinião pública contra a Presidenta.

O presidente da Câmara dos Deputados, deputado Eduardo Cunha, aliado de Temer, vem protelando a instalação da comissão que apreciará o processo de impeachment, a qual vem sendo cirurgicamente montada sob pressão dos governadores aliados de Dilma, que não querem parlamentares opositores à Presidenta na comissão.

Estive na Câmara conversando com funcionários experientes nesse tipo de processo, os quais sinalizaram que o impeachment não passa por falta de embasamento jurídico, mas o próprio Michel Temer, que já presidiu a Câmara e é um jurista e constitucionalista de renome, garante que o pedido tem sustentação jurídica. O rompimento de Temer com Dilma poderá reverter essa expectativa otimista do Planalto em relação ao processo de impeachment.

Uma indagação: E se o Tribunal Superior Eleitoral resolver cassar o mandato de Dilma e Temer por abuso econômico na campanha de reeleição, conforme processo em análise naquela Corte?

Neste caso, nem Temer e nem Dilma sairão ilesos, e a complexidade da atual crise política aumenta, pois Eduardo Cunha e Renan Calheiros, presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente, e pertencentes à cadeia sucessória, também enfrentam acusações graves que os inviabiliza para a condução do governo. Restaria o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, para assumir a Presidência da República interinamente e providenciar novas eleições.

Entre impeachment, renúncia e cassação do mandato de Dilma, a bolsa de apostas em Brasília pende para a segunda hipótese –renúncia -, por ser menos traumática para a democracia brasileira, mas inimigos de Temer, como a ex-ministra Marina Silva e o ex-ministro Ciro Gomes, querem vê-lo distante do Planalto. A guerra pelo poder é declarada e total e envolve nomes e partidos com a faca entre os dentes. O desfecho ainda é imprevisível, o que faz lembrar palavras do falecido deputado Ulysses Guimarães, parafraseando Joaquim Nabuco: “O tempo não perdoa o que se faz sem ele.” O tempo é o bem político mais precioso do momento.

Íntegra da Carta de Michel Temer:
Segue a íntegra da carta enviada hoje pelo vice-presidente Michel Temer à presidente Dilma Rousseff."

"Senhora Presidente,"Verba volant, scripta manent".Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio. Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo.

Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos. Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais são as funções do vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional.

Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.Basta ressaltar que, na última convenção, apenas 59,9% votaram pela aliança. E só o fizeram, ouso registrar, porque era eu o candidato à reeleição a vice.Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo, usando o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido.

Isso tudo não gerou confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo. Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.

1. Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas.

2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários.

3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil, onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho, elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.

4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas "desfeitas", culminando com o que o governo fez a ele, ministro, retirando, sem nenhum aviso prévio, nomecom perfil técnico que ele, ministro da área, indicara para a ANAC. Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) e que ele saiu porque faz parte de uma suposta "conspiração".

5. Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal. Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários. Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequência no governo. Os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60 reuniões de líderes e bancadas ao longo do tempo, solicitando apoio com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.

6. De qualquer forma, sou presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me, chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu vice e presidente do partido. Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.

7. Democrata que sou, converso, sim, senhora presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento. Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o pais. O Palácio resolveu difundir e criticar.

8. Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o vice-presidente Joe Biden - com quem construí boa amizade - sem convidar-me, o que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que numa reunião com o vice-presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio da "espionagem" americana, quando as conversas começaram a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça para conversar com o vice-presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de confiança.

9. Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica, sem nenhuma conexão com o teor da conversa.

10. Até o programa "Uma Ponte para o Futuro", aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a confiança, foi tido como manobra desleal.

11. O PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso. A senhora sabe que, como presidente do PMDB, devo manter cauteloso silêncio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária.Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o país terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais. Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção.Respeitosamente"

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