terça-feira, 31 de maio de 2016

A teoria das elites, o sentimento de solidariedade e o homem-bomba Sérgio Machado

José Everaldo Ramalho *
 
A teoria das elites nos ensina que o poder estatal, em qualquer sistema político, tem se concentrado sempre nas mãos de grupos, ou elites, que lideram a sociedade em nome da maioria dos cidadãos, considerados, através dos tempos históricos, como massa de manobra, para o bem ou para o mal, até no moderno Estado democrático de Direito.
Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto descreveram a massa como um amalgama de cidadãos desorganizados e de comportamento imprevisível, apontando, em seus estudos, as demonstrações populares na forma de violentas greves gerais que surgiram nas cidades industrializadas dos países europeus no início do século XX.
Robert Michels é outro teórico das elites que soube enxergar uma “lei de ferro das oligarquias”, segundo a qual os políticos, ao se entronizarem nos partidos políticos deles se tornam proprietários, e graças às facções que comandam no ambiente partidário, no Congresso Nacional e no poder Executivo, jamais podem ser apeados dos nacos de poder que dominam por décadas a fio.
Os teóricos das elites também souberam enxergar como um líder carismático pode se impor perante a massa, como disse Max Weber, desempenhando um papel populista, por exemplo, formulando e implantando políticas públicas distribuidoras de bolsas de estudo e casas de baixo custo que trazem embutidos os juros que fazem a felicidade de grandes instituições bancárias e de empresários da construção civil, e até investimentos de alto nível tecnológico que possibilitam o desvio de grandes somas de recursos do Tesouro Nacional e dos cofres de empresas estatais, como a Petrobrás em nosso país, diretamente para os cofres do seu próprio partido político e dos partidos seus aliados.
Souberam ainda enxergar, os teóricos das elites, que uma doutrina como o marxismo, que pregava a revolução armada do proletariado para a tomada do poder, inaugurando a sociedade sem classes e sem Estado, sob a liderança de uma nova classe trabalhadora industrial, viu os novos líderes empalmarem o poder e transformarem-se em uma nova elite que deixou a massa, mais uma vez, fora dele.
Hoje, os teóricos marxistas e os partidos políticos que se dizem de esquerda, contrariando Vladimir Lenin e aceitando o que Karl Marx previu e Karl Kautsky pregou, buscam chegar ao poder, e nele se eternizar, utilizando os sistemas eleitorais e as reformas constitucionais que a democracia aceita, e até defendem que a organização estatal não deva ser destruída, e sim aparelhada em proveito próprio, exatamente como as elites do poder o fazem.
Por fim, ainda quanto aos teóricos das elites, o conhecido C. Wright Mills formulou o conceito de “elite do poder”, constituída por políticos, dirigentes corporativos, militares e até líderes sindicalistas, do qual se aproveitou o presidente norte-americano Dwight David Eisenhower, para, em discurso ao final do seu mandato, alertar que a sociedade do seu país precisava ficar atenta ao desempenho do novo conjunto elitista, que denominou de complexo industrial-acadêmico-militar.
 Vamos, finalmente, após tão longo preâmbulo, adentrar no assunto principal deste artigo.
No Brasil de hoje, a massa é informada a todo instante, praticamente no decorrer de todo o seu extenuante dia de trabalho, graças aos avanços tecnológicos da telemática, por exemplo, com seu diabólico grampo telefônico, e ao trabalho investigativo da Operação Lava-Jato, sobre o comportamento das elites do poder no país, melhor ainda, sobre as tramas e tentativas de conspirações de lideranças que tiveram a oportunidade do exercício de altos cargos no aparelho do Estado, até da Presidência da República, para continuarem circulando no poder, como bem quiserem e sem ter que prestar contas ou serem incomodados pelos malfeitos praticados contra as finanças públicas que deveriam aplicar com eficiência na busca do que se considera o bem comum.
Em 2013, a massa brasileira, cansada de ser sempre passada para trás pelos governantes e pelos políticos, foi às ruas reivindicar mudanças no ultrapassado modus operandi da política nacional, e se Mosca e Pareto vivos ainda fossem, teriam que incorporar às suas argutas observações o surgimento de novas técnicas de protesto no cenário do deslocamento do populacho enfurecido e desencantado, pois surgiram grupos, nominados de black blocs, que se misturam às multidões insatisfeitas e aproveitam para destruir as vidraças iluminadas e incendiar veículos e latas de lixo expondo, com esse expediente, um modelo de capitalismo em apuros, avançando em passo acelerado para despencar no abismo.
Luiz Inácio Lula da Silva entende muito do tema “elites do poder”, pois, quando no exercício da presidência da República brasileira, em inúmeras oportunidades se utilizava da expressão para responsabilizar setores da sociedade pelo descaso com a questão da inclusão social, uma herança maldita que o Brasil construiu e arrasta por mais de cinco séculos, e que o seu governo petista, acreditava ele, estava resgatando por meio de bolsas-disso e bolsas daquilo que aceleravam o consumo e davam sustentação ao parque industrial, enquanto se construía uma economia sustentável e uma melhor qualidade de vida.
Confirmando a tese weberiana de que o líder carismático é aquele que é escolhido pelo voto e é possuidor de dons pessoais extraordinários, Lula, sem nunca ter lido “A política como vocação”, entende tanto desse negócio das elites do poder que aproveitou para se tornar um de seus membros, isso em apenas oito anos como presidente da República, e seu bilhete de ingresso foi uma defesa apaixonada do ex-presidente José Sarney como um cidadão acima de qualquer suspeita, ou melhor, como um cidadão diferenciado que deve pairar nas nuvens, acima de qualquer conjunto de leis humanas vigentes no país.
E para dar continuidade ao projeto petista de poder, depois de oito anos, Lula elegeu uma cidadã que nunca se dera ao trabalho de enfrentara o desafio das urnas, uma revolucionária em tempo integral e fiel seguidora do modo petista de governar, protegendo petistas e aliados a cada nova descoberta da Operação Lava-Jato, mas que nada entendia desse negócio de lidar com as elites em permanente luta pelo poder, e que enquanto rondam o poder ao qual se associam, não abrem mão do assalto aos cofres públicos.
Em pouco tempo, antes mesmo de dar início ao seu segundo mandato presidencial, a criatura escolhida por Lula viu seu governo, que jurava ser de uma solidez absoluta no quesito das finanças públicas, desmanchar-se no ar, em decorrência de inúmeras decisões e tropeços administrativos por ela cometidos, tudo estampado nas manchetes da mídia impressa e eletrônica para conhecimento do eleitorado desiludido com a política, ao mesmo tempo em que grampos telefônicos assombravam a opinião pública revelando as conversas entre políticos, dirigentes de empresas estatais e empresários dividindo entre si a malversação dos dinheiros arrecadados do cidadão comum, afinal, pecunia non olet, dizia o imperador romano Vespasiano ao seu filho Tito, que reclamava do novo imposto sobre os esgotos, uma criativa invenção do pai, ainda no ano 69 d. C., e que, em tempos modernos ganhou o significado de ganhos moralmente censuráveis.
Enfim, chegamos aos surpreendentes grampos do homem-bomba Sérgio Machado, um político que assumiu o posto de dirigente de uma estatal como a Petrobrás por obra e artes do princípio da circulação das elites, e envolvido, como manda o figurino do presidencialismo de coalizão, em repasses de “dinheiro que não cheira mal” a um diretor da petroleira que, aprisionado pela Polícia Federal, resolveu abrir-o-bico garantido pelo instituto da delação premiada.
Os diálogos revelados pelos grampos do homem-bomba deveriam ser apresentados e discutidos, em todo o Brasil, pelo alunado de sociologia, de política e de direito como peça fundamental para se entender os conceitos revelados pela teoria das elites, dentre eles o fundamental conceito que aborda a questão da circulação das elites.
Apanhado pelas redes da Operação Lava-Jato, também optando como seu delator pelo instituto da delação premiada, o homem-bomba gravou alguns dos companheiros políticos em conversas que revelam como circulam as elites brasileiras no caminho desesperador do esforço para manutenção do status quo da impunidade dos poderosos, que se lhes salve a pele ainda que se danem as instituições, o povo, as leis positivadas ou o país por inteiro.
Para começar, deveriam ler o texto extraído de um grampo telefônico, no jornal Folha de S. Paulo, edição de 28 de maio de 2016, que reproduz a revelação de Luiz Inácio Lula da Silva, chorando, segundo o ex-presidente José Sarney, e mostrando-se arrependido pela escolha de Dilma Vana Roussef para exercer a presidência da República do Brasil. Pode-se imaginar que Lula acreditava poder tirar umas férias de quatro anos enquanto Dilma exercia seu primeiro mandato, e ele, ora, ele espalharia a imagem do “I’m the one !” ( “Eu sou o cara,” que o presidente norte-americano Barack Obama lhe pespegou, com o verbo na segunda pessoa: “You’re the one!”), ao mesmo tempo em que vendia, literalmente, o serviço das grandes empreiteiras nacionais em terras africanas e sul-americanas.
As gravações do homem-bomba comprometeram o senador Romero Jucá, titular do Ministério do Planejamento do governo interino de Michel Temer, que foi obrigado a se exonerar do cargo, o ex-presidente José Sarney e até a presidente afastada, Dilma Rousseff, além de envolver o tucano senador Aécio Neves, provável presidenciável para 2018.
Segundo os investigadores da Operação Lava-Jato, tudo indica que o homem-bomba teria produzido mais provas contra políticos de diferentes partidos, ou seja, as elites brasileiras em seu processo circulatório vão se beneficiando com “dinheiro que não cheira mal” ao mesmo tempo em que estocam provas que comprometem toda a classe política e empresarial ao seu redor, independente de partido, facção política ou grupo empresarial, em outras palavras, todo aquele que fizer parte do conjunto da obra de malversação dos dinheiros arrecadados do povo.
Em sua explicação de participante do grampo telefônico, o ex-presidente José Sarney argumentou que manteve o diálogo com o homem-bomba imbuído de sentimento de solidariedade em uma hora tão difícil e desesperadora, tão carente de uma palavra de conforto.
Incrível como o sentimento de solidariedade mantém unidos os membros de uma elite política que trama a eliminação de institutos jurídicos de combate a ações criminosas, num amparo tribal que só beneficia a quem, eleito pelo povo que acredita no instituto da representatividade, se especializa em assaltar os cofres públicos supridos pelo mesmo povo que entrega o poder do Estado em suas mãos.
O senador Aécio Neves, futuro candidato presidencial, e a presidente afastada Dilma Rousseff, deram as desculpas de sempre, que se comportam com toda a lisura que os cargos políticos exigem. E não só eles, mas também um grande elenco de parlamentares também denunciados que se viciaram nesse padrão de desculpa do “eu me comporto com toda a lisura que a pompa e a circunstância do cargo exigem”.
Já o senador Romero Jucá, fez comentários sobre a necessidade de enquadramento da Operação Lava-Jato, sobre o incomodo da delação premiada e até sobre a necessidade de uma conversa com os juízes do Supremo Tribunal Federal, para atraí-los para um acordo geral que desse um fim a tanto ativismo judicial contra as elites envolvidas na crise política, ética e moral que aflige o Brasil enquanto invade e arrebenta as arcas do Estado em proveito próprio.
Muito interessante, porque revelador do modus operandi das elites brasileiras, é o instante em que o ex-presidente José Sarney e o homem-bomba concordam em tentar resolver o imbróglio “Sem meter advogado, sem meter advogado, sem meter advogado”, porque “Advogado é perigoso”, donde se pode concluir que mesmo para um advogado será difícil desfazer as acusações do Ministério Público fundamentadas em provas levantadas pela Operação Lava-Jato, só lhes restando o velho expediente do acordo que passe uma borracha nos próprios malfeitos para que se mude o cenário da política, mas tudo continue como sempre foi, o melhor dos mundos para a classe dominante.
Outro raciocínio interessante é aquele de mudar o mecanismo da delação premiada, fazendo com que ela só possa ser considerada legítima se o delator estiver solto, pois a elite dominante deste país é muito ciosa do respeito aos direitos humanos de quem pratica atos delituosos, mais ainda se os delinquentes forem criaturas pertencentes ao círculo das elites do poder.
Por este argumento das elites, um larápio de bagatelas pode pagar pelos crimes que comete encarcerado por muitos anos no esplêndido sistema prisional brasileiro, que um Ministro da Justiça, promotor de profissão e ex-deputado petista, no governo da presidente Dilma Rousseff, disse preferir se suicidar a ter que responder por delitos em suas celas.
A Operação Mani Pulite, na Itália, teve início com o flagrante de um suborno de apenas três mil euros, uma incrível semelhança com os três mil reais que deram início ao flagrante de suborno que levou à descoberta do “mensalão” brasileiro, e, mais adiante, ao impressionante assalto aos cofres da Petrobrás e de outros ícones organizacionais estatais, num circuito de corrupção logo apelidado de “petrólão”, dado à luz pela Operação Lava-Jato.
A Operação Mani Pulite, em pouco menos de três anos (1992-1994), investigou mais de cinco mil pessoas, dentre estas prendeu umas mil, e desfez o tradicional acordo de assalto ao tesouro público existente há cinco décadas, mas acabou desmontada pela ação de novos políticos que se alçaram ao poder na Itália e, temerosos de serem alcançados pela onda de ativismo judicial que varria o país, conseguiram paralisá-la e, finalmente, desativá-la.
 A operação italiana foi marcada por suicídios de políticos e de empresários, envergonhados ou desiludidos, dizem os analistas acadêmicos e da imprensa, e até um primeiro-ministro exilou-se na Tunísia para não ser preso, e por lá morreu, e os dois principais partidos políticos que davam sustentação ao esquema de corrupção, a Democracia Cristã e o Partido Comunista Italiano, desapareceram. Por fim, dizem os italianos que a corrupção instalou-se novamente no país.
E no Brasil, será que a Operação Lava-Jato autonomizou-se de verdade? Ou será que a poderosa elite circulante brasileira, conseguirá fragilizar, desarticular ou paralisar a Operação Lava a Jato e, finalmente, desativá-la? Teremos ou não suicídios na terra brasilis? E políticos exilados, teremos? E quais partidos políticos serão tragados pelo tsunami da Lava-Jato? Surgirá ou não um novato político, magnata das comunicações como Sílvio Berlusconi, com o poder econômico, o carisma e a vontade suficientes para ingressar no ambiente político disposto a enfrentar a justiça e a consciência da cidadania desesperançada, ainda que bem informada, que aguarda um desfecho favorável à complexa sociedade brasileira, nesse imbróglio político? Com a palavra, os senhores proprietários das poderosas redes de telecomunicações nacionais.
José Everaldo Ramalho, 76, graduado em Direito com especialização em Parlamento e Direito, Ciência Política e Pedagogia, foi CNE na Comissão do Mercosul por duas décadas na Câmara dos Deputados em Brasília.

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