quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Desmarxização em Curso

Lanço um neologismo –“Marxização”- significando a difusão e adoção do Marxismo, doutrina elaborada por Karl Marx, em defesa do Socialismo Utópico ou Comunismo, sistema que procura substituir o Capitalismo pela coletivização dos meios de produção e eliminação das classes e das desigualdades sociais, sob o comando dos intelectuais e do proletariado unido do mundo inteiro.

            Creio que está em curso no mundo inteiro um processo de “desmarxização” como expressão da frustração de grande parcela da esquerda, principalmente a intelectualizada (mais do que a operária) com a constatação de que a doutrina marxista não dá certo e não tem consistência , principalmente depois da queda do muro de Berlim, em 1989, e da desintegração da União Soviética pela  “Perestroika”(“Reestruturação”) defendida por um dos seus principais líderes contemporâneos, o estadista Mikhail Gorbachev.

            Termino a leitura de “Rumo à Estação Finlândia”, de Edmundo Wilson, autor insuspeito, pela vastidão e qualidade de sua obra, impressionado com o desleixo material e intelectual de Karl Marx, como jornalista, doutrinador, filósofo, teórico e profeta do Comunismo.

 E fico também perplexo com a precariedade das bases teóricas e filosóficas utilizadas por Lênin para desencadear a Revolução de 1917 na Rússia. E indago: Em que (ou quem) se inspirou Fidel Castro para a revolução cubana?

            À minha frente, tenho a obra de John Lechte –“50 pensadores contemporâneos essenciais –do estruturalismo à pós-modernidade”. Ali está incluso o tema “Pós-Marxismo”, explicando-se que esse questiona a natureza redutiva e antidemocrática do marxismo, bem como de qualquer movimento político que explique mudanças na história em termos de papel de uma classe específica ou agência privilegiada. Ou seja, “pós-marxismo” não passa de uma renegação ao Marxismo.

            O texto adiante elucida: ”O pós-marxismo aceita a inspiração que deriva do envolvimento político de Marx, mas nega a ênfase marxista na economia como determinação ou na idéia de que exista uma classe universal – o proletariado – que surgirá na era do socialismo. Os pós-marxistas argumentam hoje pela democracia radical.”,

            Os intelectuais têm medo de falar isso abertamente e preferem se esconder por trás das teses revisionistas de Bernstein, que impulsionaram o socialismo-democrático com base na realidade de cada país, sem a ortodoxia marxista, servindo até mesmo de inspiração prática a Lenin, por mais que esse tentasse adaptar Marx à realidade, pois o grande líder revolucionário se defrontou com o populismo russo e o fanatismo nacionalista eslavófilo.

 Sem as premissas econômicas e sem o proletáriado decisivo de Marx, que desprezava a democracia, a nova esquerda quer o socialismo democrático, dando razão a Gorbachev, que, ao lançar a “Perestroika”, em 1987, dois anos antes da queda do Muro de Berlim, pedia “mais socialismo e mais democracia.” Para seu país e para o mundo.

Depois de exaltar o êxito da coletivização iniciada em 1917, que “colocou a Rússia outrora atrasada no rumo certo”, Gorbachev ressalva, porém, que “nossas conquistas mais fantásticas não impedem que enxerguemos contradições no desenvolvimento de nossa sociedade ou em nossos erros e omissões.”

A seu ver, é importante seguir os princípios do Leninismo (Lenin, e não Marx é o modelo, segundo dá a entender claramente Gorbachev) realçando ainda mais a democracia e descomprimindo-se o modelo administrativo com o que chamou “Glasnost” (maior abertura, transparência).

Os intelectuais agora vão além do revisionismo de Bernstein. Theodor Adorno, Hanna Arendt, Jürgen Habermas, Ernesto Laclau e Alain Tauraine procuram sublimar os erros do Marxismo vestindo-os com novas roupagens referentes à essência do pensamento de Marx e à sua aplicação como ação transformadora. Não batem de frente com o profeta alemão.

Argumentam pela democracia radical,quando o próprio Marx demonstrava desprezo à democracia, sem esconder sua convicção de que ela serve mais ao propósito da burguesia que usa o estado como instrumento de dominação e que retarda o processo de desenvolvimento industrial que conduzirá ao futuro esfacelamento do capitalismo, início da era socialista.

Adorno critica a tentativa de Marx de desacreditar a filosofia por ser idealista demais e afirma em “Dialética Negativa”: “A não-identidade é possivelmente o télos oculto e negativo da filosofia. Logo foi equívoco de Marx pensar no fim da filosofia precisamente nesses termos.”.

Arendt aponta o paradoxo em Marx, que exalta a forma do labor (não do trabalho) como criadora de toda riqueza e a “essência” do homem, mas também diz que, com a sociedade comunista e o “fenecer” do estado, “ninguém será forçado a trabalhar por necessidade, cada um tendo a liberdade de ser um caçador de manhã e um crítico à noite, sem ninguém ser essencialmente um crítico ou um caçador”.

Habermas rejeita a teoria marxista de valor, bem como o positivismo dos últimos escritos de Marx, e Laclaus vê o marxismo clássico como determinista e essencialista, e defende nova estrutura teórica que possa representar os aspectos potencialmente libertadores da fluidez relativa, partindo-se do princípio de que não existe elo necessário entre socialismos e agentes sociais concretos (como a classe operária). A sociedade não deve ser concebida como um grupo unido por leis necessárias.

Tauraine (um dos gurus do nosso ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) considera o elemento-chave do movimento social a ação contra o sistema social. Contrário a Marx, diz Tauraine que não existe classe social propriamente dita, pois não existe classe sem consciência de classe. ”Classe social é a categoria em cujo nome um movimento age”.

Lendo Edmundo Wilson, capto uma imagem negativa de Marx: Como ser humano, um prepotente; como chefe de família, um negligente; como estudioso da história, um apressado; como escritor, um indisciplinado; como filósofo,  pouco criativo;como ativista, um acomodado, e como cidadão, um omisso. Pessoalmente, Marx era um aproveitador, um parasita, um inconseqüente explorador de seus familiares e amigos (Engels o sustentava). Como intelectual, era demagogo e errático, com idéias inconsistentes e confusas.

O “Capital”, escrito às pressas, é uma obra inacabada e eivada de impropriedades de política e filosofia econômicas, onde a dialética hegeliana é distorcida na célebre alusão à leitura invertida que ele e Engels fizeram de Hegel.

Mas, considero que não se pode negar a Karl Marx o grande mérito,ao escrever sua obra-prima, de denunciar as grandes mazelas sociais envolvendo crianças, mulheres, idosos, pobres e tantos infelizes seres humanos subjugados pelo infortúnio e pela miséria, caracterizando a selvageria da natureza humana do mais forte contra o mais fraco. Eis seu grande mérito: Escreveu um libelo contra a selvageria humana...
 Quis Marx tomar o capitalismo como tese e o materialismo histórico como antítese, mas o fato é que nem mesmo a revolução russa conferiu as idéias de Marx e foi deflagrada mesmo sem marxismo, apesar da admiração de Lenin aos princípios dessa doutrina. O próprio Marx teria se surpreendido com a revolução na Rússia, onde era evidente o atraso dos camponeses.

A queda do Muro de Berlim encerrou uma grande farsa, o socialismo científico preconizado por Marx que a esquerda tentou impingir à humanidade, como revolução em países atrasados e como opção ao capitalismo burgues no Terceiro Mundo (assim denominado um grupo de cerca de 100 países).

Ainda não temos nenhuma antítese, nenhum efeito dialético contrário ao capitalismo emergente após o Mercantilismo e o surgimento do Estado Moderno. O Liberalismo transmutou-se impávido, sob a cortina do Estado de Direito, para Neoliberalismo no Estado Contemporâneo e Global, e o capitalismo se faz mais feroz e selvagem do que nunca.

A globalização aí está como um fenômeno econômico, mais do que político, sem que haja algum proletariado fazendo revolução, como queria Marx, e sem nenhuma união revolucionária dos sindicatos operários no mundo inteiro, como previa Sorel.

O socialismo não virou antítese e muito menos nova tese de progresso social dos povos, e o fosso entre ricos e pobres, senhores e escravos, se acentua cada vez mais, com novos matizes ideológicos.

Muitos outros marxistas renegam hoje o determinismo e o essencialismo de Marx, causando sérios problemas de leitura e adequação de linguagem aos programas dos partidos de esquerda do mundo inteiro, como se vislumbrassem em Marx uma cortina de incoerências e impropriedades, silogismos e falácias, que tecem uma nova síntese, ainda indefinida e indefinível, ao embate dialético entre capitalismo e comunismo.

Definitivamente, o Socialismo Democrático inspirado em Bernstein representa ruptura definitiva com o marxismo clássico, tornando-se o meio democrático mais eficaz de conquista do poder pelas esquerdas, mas até mesmo os tradicionais comunistas, de antes da queda do muro de Berlim (russos, chineses, albaneses, cubanos, etc.) encontram mais inspiração em Lenin e Mao do que em Marx-Engels. Será esse século o século do ocaso de Marx?

Já se fizeram muitas comparações entre Cristo e Marx, entre o espiritualismo cristão e o materialismo marxista, numa tentativa de igualar seus poderes de influenciar a humanidade. Cristo foi mártir, e seus seguidores, entre os quais São Paulo, deram impulso ao Cristianismo, sem manter fidelidade absoluta ao Sermão da Montanha.

Semelhante processo ocorre com o Marxismo: Desviando-se da pregação original de Marx, a nova esquerda alega que essa é uma conseqüência histórica de toda doutrina. Esse Comunismo sem Marx contemporâneo, essa desmarxização, tende a transformar o Marxismo numa nova religião, reduzindo Marx a um profeta, como Cristo, Maomé, Buda, Abraão, etc.



Um comentário: