quarta-feira, 6 de março de 2013

Chàvez deixou tudo pronto antes de ir embora


 
Poucos líderes mundiais – e ele pode ser situado neste patamar, porque propagou sua mensagem pelos cinco continentes – organizaram-se para a morte, ainda que corresse de medo dela. Nos quase dois anos de sua agonia, um dos quais governando da perseguida Cuba, Hugo Rafael Chávez Frías preparou não só sua sucessão como, principalmente, a continuação do legado que deixou para a sua pátria, a Venezuela, e junto com ela, os povos oprimidos da América Latina e do resto do planeta.
 
De Gaulle, Lênin, Getúlio e Perón não tiveram esta sorte. O próprio Simón Bolívar, seu grande mentor, morreu solitário no exílio de Santa Marta, esquecido e ultrajado, depois de ter conduzido a libertação de quase todos os países irmãos. Já Hugo Chávez, um militar da melhor cepa e com o descortino de um general romano, morreu esta tarde em plena glória, não das vaidades pessoais, mas da suprema realização de ter levantado todo um continente no rumo da unidade e da libertação.
 
Ainda no leito da morte, ele, que permaneceu consciente até o derradeiro momento, deu sinal de que a revolução bolivariana seguiria sem sua presença física: mandou expulsar dois militares da Embaixada dos Estados Unidos, em Caracas, que estavam atraindo generais para a conspiração para a fase pós-Chávez.
Aquilo não era um aviso de que a era que ele iniciou, em 1999, determinando o fim do analfabetismo e da arrancada na educação, na assistência médica universal, no intercâmbio e na soberania continental, iria continuar nas mãos de presidentes tão comprometidos quanto ele com a causa: Nicolás Maduro, Cristina Kirchner, Evo Morales, Rafael Correa, Daniel Ortega, Pepe Mujica, Lula e Dilma.
 
Estes presidentes, eleitos e reeleitos por consagradoras maiorias, já tinham dado demonstração de que segurariam a peteca e que só tendem a se fortalecer e unir cada vez mais para garantir as transformações que já vem realizando em seus respectivos países. Na sua missão solidária, Chávez, igualmente, estendera as mãos a outros presidentes, que, embora com ideologias diferentes, contribuíram para conquistas integradoras, como a Unasul e a Celac e a preservação da paz, antes ameaçadas por conflitos como aquele entre a Colômbia e a Venezuela. Certamente, Juan Manuel Santos, Sebastián Piñera e Enrique Peña Nieto estarão nas exéquias do grande venezuelano, reforçando, assim, os laços de amizade e cooperação.
 
Mas, é importante recordar como Hugo Chávez cuidou de assegurar, com medidas aparentemente simples, mas efetivas, a continuidade da revolução bolivariana, dentro e fora de seu país. Já muito doente e quase não podendo se mover, ele, pessoalmente, e do leito do hospital em Havana, estruturou e conduziu sua campanha presidencial de 2012, uma das mais árduas e complexas de seu período. A foto que ilustra este artigo, o presidente canceroso enfrentando uma chuva torrencial nas ruas caraquenhas, dá uma dimensão do tremendo esforço de que era capaz para ver realizados seus desígnios.
 
Depois daquela vitória esmagadora de sete de outubro, arrostando uma guerra psicológica das mais demoníacas, impulsionada pelos meios de comunicação, a partir dos grandes centros da Europa, Estados Unidos, Brasil, Argentina e Colômbia, ele ainda preparou a campanha da eleição que se daria dali a um mês para os governos dos 23 Estados venezuelanos.

Ganharia em 20 dos 23 Estados, nocauteando mais uma vez a canalha midiática. Detalhe: dentre os 20 governadores eleitos, há 11 militares, inclusive um ex-comandante do Exército, na maioria seus companheiros do levante que liderou contra o presidente Carlos Andrés Pérez,em 1992. Eles integram a logística armada pelo comandante para conter as arremetidas golpistas que certamente surgirão, principalmente da oligarquia venezuelana, cujo candidato presidencial foihá pouco flagrado em Miami, reunindo-se com renomados golpistas anti-casrtristas com o fim de obter fundos de campanha.

Em 7 de dezembro, Hugo Chávez sentiu que não sobreviveria ao cãncer e designou seu vice-presidente, o antigo Chanceler e ex-motorista de ônibus Nicolás Maduro, como seu candidato a presidente nas eleições que vão definir sua sucessão. Chávez também cuidou de colocar outro militar (na Venezuela, os militares são idolatrados por serem muito competentes e por terem dado exemplos de patriotismo e humanismo, sobretudo nos desastres e furacões) para a presidência do Parlamento, a unicameral Assembleia Legislativa, e do partido governista, o Psuv .
 
Trata-se de Diosdado Cabello, ex-vice-presidente da República (ele comandou o resgate do presidente quando Chávez foi derrubado e preso, por cerca de 48horas, em 2002) e com franco trânsito nas Forças Armadas. Enquanto fazia essas articulações no plano interno, Hugo Chávez, já bastante debilitado, escreve uma carta aos militares, pedindo-lhes a defesa da revolução, e outra aos presidentes latino-americanos reunidos na CELAC – Comunidade de Estados Latino-Americanos -, que ele fundou já doente, em Caracas, em 2011, exaltando-os a lutar pela integração e a unidade de seus países frente ao perigo maior que vem de fora. São ambas exemplos de tirocínio e desapego pessoal.

Assim preparado e, possivelmente, muito feliz, Hugo Chávez entrou para a história, como o fez nosso Getúlio Vargas,em 1954. Aos 58 anos, quando a muitos começam a vida política, o tenente-coronel paraquedista foi embora, certo de que sua obra será seguida não apenas pelos homens e mulheres eleitos pelos países irmãos, mas sobretudo pelas circunstâncias que ele propiciou nos seus 14 anos de líder continental e que faz dessa Latinamerica não mais um quintal (patio trasero para os hermanos) mas um novo polo estratégico para este mundo cada vez menos unipolar.

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