O voto do ministro Celso de Mello,
proferido no último dia 18, pela admissão dos mandatos infringentes para os
condenados no processo do “Mensalão”, foi essencialmente político, embora
revestido da forma técnica-discursiva do magistrado sobre a jurisprudência
histórica dos referidos mandatos.
Mello executou a prestidigitação
e a sua eloquência erudita perante a câmara de televisão e, num golpe de mestre,
quando todos os expectadores se distraíam, anunciou seu voto favorável à reabertura do julgamento.
Percebe-se que houve uma
engenharia política, casual ou consciente, no julgamento que conduziu ao “voto
de minerva” para o antigo colega de pensionato de Celso de Mello, o ex-ministro
José Dirceu, o alvo principal da procrastinação do julgamento e - sabe-se lá
para quando - do apenamento final dos condenados.
O que me chamou a atenção no voto
de Celso de Mello foi o descompromisso do mesmo para com a opinião pública, gabando-se
de ser imune a pressões da mesma, como se o Supremo Tribunal Federal -STF -fosse
um órgão do estado desvinculado da sociedade e dos novos atores políticos em
cena (nacionais e internacionais).
Creio que esse distanciamento de
Celso de Mello do “volksgueist”, base da doutrina da poderosa escola romântica
alemã de Savigny, Herder, etc. não tenha sido mal-intencionado, mas, sim, ditado
pelo abismo para comunicação entre a técnica(jurídica) e a ciência
(política) com a baixa educação política da sociedade brasileira em geral.
Quando José Dirceu afirma que a
sua condenação não encontra eco na sociedade brasileira, porque não houve
provas contra ele, e insinua que o STF, adotando a teoria do domínio do fato, agiu como um
tribunal de exceção, ele explora a alienação política de boa parte do
eleitorado.
Viajando por Goiás, São Paulo e
Minas Gerais, após a decisão de Celso de Mello, conversei com pessoas, eleitores de vários níveis, e pude
constatar que a maioria nem sabia do resultado do julgamento, embora manifestasse
seu repúdio à corrupção. E convenhamos
que isso seja dramático, porque o “fato social” gritante no processo é o
desvirtuamento da representação política mediante a compra de votos
parlamentares no Governo Lula.
A imprensa governista fez alarde
sobre o resultado da votação, enaltecendo o voto de Celso de Mello, que não houve
“pizza”, etc., mas os poucos manifestantes que jogaram “pizza” no prédio do
STF, em Brasília, e as seis atrizes que vestiram luto em protesto contra o
resultado (Rosamaria Murtinho, Carol Castro, Nathalia Timberg, Suzana Vieira e Bárbara
Paz) merecem os aplausos da nação, pelo papel fundamental que desempenharam de “consciência
crítica”.
O filósofo alemão Jurgen Habermas
se aplicaria ao procedimento de Celso de Mello, que usou a técnica e a própria
ciência forense como ideologia, colocando os demais colegas que votaram contra
como algozes e os condenados como vítimas de uma provável injustiça. Não observou
o direito como fato social, ouvindo o clamor da opinião
pública perlo encerramento do julgamento em nome da ética na política. Além de,
alegando reserva de domínio temático pelo STF, nos termos constitucionais, ignorar
o princípio de hierarquia das leis e colocar o regimento do tribunal acima da
lei federal.
E Habermas diz, em sua obra “Técnica e Ciência como “Ideologia” (1970):
”O processo de tradução entre a ciência e a política refere-se em
última instância à opinião pública. Esta relação não lhe é exterior; por
exemplo, com referência às normas vigentes de uma constituição; deriva, antes, por
coação imanente, das exigências do confronto entre saber e poder técnicos e uma
autocompreensão dependente da tradição, a partir de cujo horizonte as
necessidades se interpretam como objetivos e os objetivos se hipostasiam na
forma de valores. Na integração de saber técnico e autocompreensão hermenêutica,
já que ela deve ser posta em andamento por uma discussão entre cientistas
separada do público de cidadãos, reside também sempre um momento de
antecipação. A ilustração de uma vontade política instrumentada cientificamente
só pode surgir segundo os critérios de uma discussão racionalmente vinculante,
a partir do horizonte dos cidadãos que falam entre si e a esse horizonte se
deve também reconduzir. Os assessores que querem informar-se sobre qual é a
vontade expressa pelas instâncias políticas encontram-se igualmente sob a
coação hermenêutica de se introduzir na autocompreensão histórica de um grupo
social, em última instância, no dialogo que os cidadãos entre si entabolam. Semelhante
explicação está, sem dúvida, ligada aos procedimentos das ciências hermenêuticas,
mas estas não dissolvem o núcleo dogmático das intepretações historicamente
elaboradas e transmitidas, apenas o elucidam.”
Além dessas considerações sobre
as barreiras de comunicação entre os especialistas e a opinião pública política
(caso do voto Celso de Mello), Habermas afirma, no capítulo IV da obra:”
Independentemente da sua capacidade de ressonância, à opinião pública política
são de muito difícil acesso os resultados da investigação que mais
consequências práticas possuem.”
O voto de Celso de Mello, como já
afirmei, foi essencialmente político, pois produz resultados políticos: 1)
Expõe cinco ministros da Corte, que votaram contra os embargos infringentes, e
com isso “partidariza politicamente o STF”, onde já se sabe que a maioria foi
nomeada por influência do Partido dos Trabalhadores; 2) Se os cinco ministros se
opuseram aos mandatos e a negação dos
mesmos poderia significar privação dos direitos humanos, conforme interpretação
passível de adoção pela Organização dos
Estados Americanos –OEA-, então, como ficam esses ministros? 3) Fala-se de
impedimento ético de membro da Corte que
advogara para um dos réus; e Celso de Mello, que dividiu pensionato com José
Dirceu, em 1968 –fato pouco conhecido até o dia da votação? 4) Os políticos
são beneficiados pelos mandatos infringentes, mas os réus ligados a bancos sofrem penas mais
severas; 5) Nem todos dentro do PT e do PSDB estão satisfeitos com esse
resultado, que vai respingar na campanha eleitoral do partido em 2014, em
especial nos estados e municípios, acabando com o discurso de “recondução do PT
ao seu leito original”; 6) Afasta uma potencial candidatura do ministro Joaquim
Barbosa à Presidência da República, em 2014; 7) E as pressões sobre o novo
relator, Luis Fux, nomeado pela Presidente Dilma Rousseff e que chegou a
ministro pedindo apoio ao ex-ministro José Dirceu?
As pressões contra Fux já
começaram. No último domingo, a “Folha de S.Paulo” publicou longa entrevista
com o ex-ministro, advogado e tributarista Ives Gandra da Silva Martins, na
qual este afirma que José Dirceu foi condenado sem provas. Membro mais
influente da organização “Opus Dei” no Brasil, Ives Gandra condena a teoria do
domínio do fato e salienta que sua aplicação pelo STF produz monumental insegurança
jurídica no Brasil, contra o “in dubio pro
reu’,
e que ela não é aplicada nem na Alemanha.
É evidente que a entrevista de
Gandra tem por alvo certo o ministro Fux, relator do próximo julgamento, e
objetiva livrar José Dirceu da condenação por crime de formação de quadrilha. O
fato de ter se manifestado somente agora, depois do voto de Celso de Mello, tem
causado desconfiança entre políticos, advogados e juristas, ainda mais se
considerando o prestígio de Gandra e o fato de ser um homem bem informado. Tão
bem informado, que publicou, no último dia 19, na “Folha de S.Paulo”, artigo
orientando a Presidente Dilma a cuidar dos órgãos de inteligência como
indispensáveis à segurança do Estado.
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