* Manuel Cambeses Júnior
O Século XIX viu o surgimento
dos últimos grandes Estados. Nesse século, não somente Alemanha e Itália fizeram
seus aparecimentos no cenário mundial, mas, também, os Estados Unidos puderam
realizar seu destino manifesto, transformando-se em um grande Estado
continental.
O Século XX, entretanto,
conseguiu evidenciar as máximas expressões de estadolatria, com o aparecimento
do fascismo e do comunismo, e, também, de importantes Estados surgidos do
desmembramento dos impérios coloniais.
Acrescente-se que, durante os
50 anos que durou a Guerra Fria, o mundo girou em torno de um sistema de
relações interestatais centrado em dois grandes Estados. A última década
daquele século, entretanto, transformou-se na era do ocaso dos Estados.
Em nenhum momento da evolução
histórica da humanidade ,os Estados encontraram-se em tal condição de
desprestígio. O novo Direito Internacional aponta para concepções tais como:
direito de ingerência, tutelas supranacionais, direitos humanitários e
soberanias limitadas; todos os quais coincidem no desconhecimento da primazia
estatal dentro da ordem internacional.
Por outro lado, o fenômeno da
globalização vai carcomendo, implacavelmente, as funções dos Estados e as
identidades sobre as quais estes se assentam, ao mesmo tempo em que o fenômeno
étnico e os fundamentalismos vão escavando suas bases de sustentação.
Observa-se que o poder que
anteriormente os Estados detinham atualmente tendem a fluir em três direções
distintas: para cima, orientado aos organismos supranacionais e coletivos; para
os lados, em direção às organizações não governamentais e, finalmente, para
baixo, dirigido a regiões cada vez mais autônomas.
Particularmente chamativo é o
duplo processo de desmontagem que se opera sobre o Estado, desde as instâncias
da globalização e do fundamentalismo. Sob o influxo da globalização, os Estados
vão se desfazendo de boa parte das funções que os caracterizavam, adentrando em
processos de privatização e abandono de serviços públicos. Cada vez menos, os
Estados se distinguem das corporações privadas e, cada vez mais, vão se regendo
pelas mesmas normas de competitividade.
Os cidadãos, crescentemente
desassistidos e ansiosos, observam como ao seu redor tudo passa a reger-se
pelas exigências e pela ética do capital privado. A inevitável erosão da
lealdade do cidadão para com o Estado vê-se reforçada com o desgaste da
identidade nacional que a globalização traz em seu bojo. É o resultado
inevitável da homogeneização planetária.
De alguma maneira, o fenômeno
globalizador vai pressionando, de cima para baixo, o Estado, através de uma
intensa ação asfixiante. A única resistência capaz de interpor-se a essa ação
devastadora e implacável é representada pelos núcleos de identidades subsistentes,
ou seja, os fundamentalismos e os etnicismos desatados, que conspiram
sistematicamente contra os Estados, destruindo seus alicerces.
Paradoxalmente, a crise do
Estado tem vindo acompanhada do surgimento indiscriminado de novos Estados.
Somente do desmembramento da União Soviética, da Iugoslávia e da Checoslováquia
surgiram 22 Estados independentes.
Porém, não foi somente no
velho bloco socialista que se produziu este fenômeno. Países centrais dentro do
mundo ocidental, como Canadá e Bélgica, confrontam a mesma ameaça. O porquê
deste fenômeno está intimamente ligado à própria crise do Estado. Quatro
elementos centrais explicariam o processo em marcha:
Primeiramente, os núcleos
radicais de identidade que buscam conformar Estados que atendam às suas
particulares características.
Em segundo lugar, a
possibilidade de encontrar, em nível planetário, os elementos de
complementariedade e integração que davam sentido ao Estado. Em outras
palavras, na medida em que os Estados se integraram globalmente, e deixaram de
ser unidades de auto-sustentação, torna-se possível que suas regiões
componentes possam aspirar a uma existência independente.
Em terceiro lugar, o próprio
fato de que o êxito na economia global não é determinado pela quantidade de
recursos naturais, mas sim pela qualidade de seus recursos humanos. Os
segmentos e regiões mais avançados do interior dos Estados começam a ver, como
uma carga desnecessária, os territórios e porções sociais mais atrasados,
buscando desvencilhar-se deles.
Em quarto lugar, sob a proteção
dos organismos de segurança coletiva e do novo Direito Internacional, já é
possível a subsistência de Estados débeis, tornando-se desnecessário o escudo
protetor dos Estados mais fortes.
Em síntese, hodiernamente, a
crise que os Estados enfrentam é a própria fonte de sua proliferação, ou seja,
os Estados ampliam-se em quantidade, porém significam cada vez menos em termos
de soberania e autodeterminação.
* O
autor é Coronel-Aviador; membro emérito do Instituto de Geografia e História
Militar do Brasil, membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil,
conselheiro do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica e conferencista
especial da Escola Superior de Guerra.
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