Como
se não bastasse a insegurança jurídica que grassa no Brasil, agora periclita a
propriedade privada, com o verdadeiro caos jurídico que pode ser causado, se
for aprovada a proposta de emenda constitucional 471/2013, que permite a
nomeação de titulares de cartórios de notas e registros sem concurso público,
efetivando quem tenha sido substituto, ainda que por um dia, e seus parentes.
Essa
proposta, que altera a redação do parágrafo 3º do art.236 da Constituição Federal,
foi submetida à votação e obteve surpreendentes 283 votos no Plenário da Câmara
dos Deputados, faltando 25 votos para que fosse aprovada. A matéria foi
retirada da pauta de votações, mas pode voltar a qualquer momento, dependendo
do jogo de interesses políticos e financeiros envolvidos.
Há cerca de 7.800 cartórios com titularidades vagas no Brasil, e a aprovação dessa
matéria provocará um caos jurídico, segundo alguns especialistas comentam pela
web. Conversei com alguns titulares de importantes cartórios de Brasília, e
fiquei surpreso com a tranquilidade dos mesmos, que interpretam a tramitação
dessa proposta no Congresso como jogo de pressões dos substitutos interinos e não
concursados e oportunismo de políticos que desejam angariar recursos
financeiros para campanha eleitoral.
Há
entre esses titulares uma certeza inabalável de que o Tribunal Superior de
Justiça, que já se posicionou contra a aprovação dessa matéria, não permitiria que
a mudança constitucional fosse efetivada, pois causaria imenso desgaste ao
sistema notarial brasileiro, além de frustrar os estudantes que almejam prestar
concurso para os cartórios e gerar uma pletora de demandas judiciais com base em dispositivos anteriores e posteriores à Constituição de 1988.
Objetei
com algumas impressões minhas- um neófito na matéria – sobre o risco de
politização dos cartórios, de acordo com a cultura cartorial arraigada no País,
juntamente com o patrimonialismo (uso da coisa pública como se privada fosse) e
o coronelismo (mandonismo nos redutos eleitorais do interior).
Por
exemplo: A conquista de um cartório, em determinadas regiões do Brasil,
significa quase um poder de vida e morte sobre as pessoas e seus bens. Aliás,
ninguém ignora que o brasileiro nasce e morre debaixo de um registro cartorial (atestados
de nascimento e de óbito). Registros pendentes de propriedades legítimas de
imóveis urbanos e rurais podem ser alterados pela nova ordem cartorial, ao
arrepio das disposições legais, que, na prática, já são desrespeitadas em
muitos itens, um deles o que proíbe a testemunha conjuntiva de cônjuges e filhos
no registro de propriedades de uma das partes. Há cartórios que admitem essa
prática.
Imagino
que, em alguma região distante do hinterlândia, um novo titular de cartório, nomeado
sem concurso, venha a efetivar registros de propriedades irregulares, invasões,
etc., para firmar seu poder ou auferir ganhos financeiros com políticos que
ajudaram na sua promoção ou até mesmo criar problemas para legítimos proprietários
desafetos dos seus padrinhos.
A
cartilha de procedimentos para as atividades notariais é bem elaborada, mas não
impede que essa geração potencial de substitutos e parentes à margem das
disposições constitucionais, mas integrados à realidade rotineira dos cartórios
no interior, com seus complexos jogos de pressão e interesses políticos,
financeiros e sociais, altere substancialmente a estrutura do poder nas regiões carentes de leis.
Em
minha cidade natal, Itajubá, centro universitário de Minas Gerais, presenciei
um verdadeiro atentado à propriedade privada, cometida contra um dos meus
irmãos, pela Centrais Elétricas de Minas Gerais –CEMIG-. Esta empresa estadual
invadiu o sítio de propriedade legítima do meu irmão (registrado em cartório) e
instalou postes de fiação elétrica transformando valioso espaço em área de
domínio público. A empresa alega que obteve consentimento verbal do caseiro,
indivíduo humilde e ignaro, a quem só restou telefonar para o proprietário (meu
irmão), residente em Campinas, depois da invasão consumada.
Meu
irmão tentou recuperar, pela via judicial, seu espaço invadido pela CEMIG, mas,
após sentir o peso da assessoria jurídica da empresa e de outras intimidações,
acabou recuando e arcando com as custas do processo. Lá está, ainda hoje, o
posteamento criminoso da CEMIG, símbolo da violência contra a propriedade
privada. Acredito que muitos outros símbolos como esse estejam espalhados por esse País...
Publico
artigo de autoria da advogada Luisa Helena Cardoso Chaves, no portal Âmbito Jurídico.com. br , alertando sobre a gravidade da PEC
dos Cartórios:
1. Introdução
Os serviços notariais e de registros são
os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade,
autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. O ingresso na atividade
notarial e de registro ocorre, atualmente, mediante a aprovação em concurso
público de provas e títulos. Entretanto, antes da Constituição Federal de 1988,
as serventias notariais e de registros eram herdadas de pai para filho, ou até
mesmo inseridas nos testamentos destinadas a alguma membro da família,
resultando em um eterno monopólio. A Proposta de Emenda Constitucional n. 471
visa efetivar aqueles responsáveis pelos serviços notariais e de registros que
não possuem concurso público.
2. Ingresso na atividade
notarial/registral
Antes da Constituição Federal de 1988,
os governantes nomeavam uma pessoa para ser tabelião. Neste caso, o cartório
era herdado, automaticamente, pelos seus descendentes.
Com o advento da carta Magna de 1988,
essa situação mudou, passando a ser obrigatória a aprovação em concurso público
para o ingresso na atividade notarial/ registro. De acordo com o artigo 236 da
Constituição Federal:
“Art.
236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por
delegação do Poder Público.
§
1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e
criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá
a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§
2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos
relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§
3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público
de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem
abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.”
Os requisitos para o exercício da
delegação estão previstos no artigo 14 da Lei n. 8.935/1994, que trata a
respeito dos notários e registradores. Segundo a lei, a delegação para o
exercício da atividade notarial e de registro depende dos seguintes requisitos:
I - habilitação em concurso público de provas e títulos; II - nacionalidade
brasileira; III - capacidade civil; IV - quitação com as obrigações eleitorais
e militares; V - diploma de bacharel em direito; VI - verificação de conduta
condigna para o exercício da profissão.
Prevê, ainda, a referida lei que os
concursos serão realizados pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas
as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um
notário e de um registrador. Além dos bacharéis em direito, poderão concorrer
os não bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira
publicação do edital do concurso de provas e títulos, dez anos de exercício em
serviço notarial ou de registro.
Note que além do concurso de ingresso,
existe, também, o concurso de remoção. O concurso de remoção destina-se aqueles
que pretendem mudar de uma serventia para outra, porém, no mesmo Estado. Para a
participação nesse tipo de concurso, o titular tem que estar exercendo a
atividade por mais de dois anos. A legislação estadual disporá sobre as normas
e os critérios para o concurso de remoção.
No que diz respeito às vagas, serão
preenchidas alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e
títulos e uma terça parte por meio de remoção, mediante concurso de títulos,
não se permitindo que qualquer serventia notarial ou de registro fique vaga,
sem abertura de concurso de provimento inicial ou de remoção, por mais de seis
meses. Para estabelecer o critério do preenchimento, tomar-se-á por base a data
de vacância da titularidade ou, quando vagas na mesma data, aquela da criação
do serviço. E os candidatos serão declarados habilitados na rigorosa ordem de
classificação no concurso.
O Conselho Nacional de Justiça editou a
Resolução n. 81 que dispõe sobre os concursos públicos de provas e títulos,
para a outorga das Delegações de Notas e de Registro, e possui uma minuta de
edital:
Art. 2º. Os concursos serão realizados
semestralmente ou, por conveniência da Administração, em prazo inferior, caso
estiverem vagas ao menos três delegações de qualquer natureza.
§ 1º Os concursos serão concluídos impreterivelmente no prazo de doze meses, com a outorga das delegações. O prazo será contado da primeira publicação do respectivo edital de abertura do concurso, sob pena de apuração de responsabilidade funcional.
§ 2º Duas vezes por ano, sempre nos
meses de janeiro e julho, os Tribunais dos Estados, e o do Distrito Federal e
Territórios, publicarão a relação geral dos serviços vagos, especificada a data
da morte, da aposentadoria, da invalidez, da apresentação da renúncia,
inclusive para fins de remoção, ou da decisão final que impôs a perda da delegação
(artigo 39, V e VI da Lei n. 8.935/1994).
3. PEC 471
A PEC 471, de autoria do deputado João
Campos (PSDB/GO), estabelece a efetivação para os atuais responsáveis e
substitutos pelos serviços notariais, investidos na forma da lei, alterando a
Constituição Federal de 1988. Ou seja, a proposta pretende efetivar os
responsáveis que estão exercendo de forma irregular os serviços notariais e de
registros, pois não foram aprovados em concursos públicos a partir de 1988
quando passou a ser requisito obrigatório a aprovação em concurso público de
prova e títulos.
De acordo com recente lista divulgada
pelo Conselho Nacional de Justiça, existem, no país, mais de 7.800 cartórios
vagos (irregulares) que deverão ser objetos de concursos públicos.
Espera-se que em breve a proposta seja
votada, uma vez que a mesma já foi incluída em pauta, mas não chegou a ser
apreciada por divergência de opiniões dos lideres partidários.
O assunto é bastante divergente,
entretanto, a PEC apresenta rejeição por boa parte dos consolidados órgãos,
como o caso do Conselho Nacional de Justiça que em dezembro de 2009 divulgou
nota técnica repudiando a PEC em questão:
“A
Corregedoria Nacional de Justiça, no cumprimento de suas atribuições
constitucionais e regimentais de expedir atos destinados ao aperfeiçoamento dos
serviços notariais e de registro, emite a seguinte nota técnica:
1.
A redação original da PEC 471, que já foi objeto de análises deste Conselho
Nacional de Justiça, outorgará delegações até mesmo àqueles que foram
designados há poucos dias para responder por um cartório extrajudicial.
2.
O substitutivo apresentado pela Comissão Especial, se aprovado, outorgará a
delegação a pessoas que responderam por cartório extrajudicial, ou nele
substituíram, ainda que por um único dia, antes de 20 de novembro
de 1994. O substitutivo exige apenas que os beneficiários estejam respondendo
pela serventia a partir de 2004, época em que já era público e notório que as
designações efetivas sem concurso público se davam a título precário.
2.1.
É imprescindível esclarecer que a substituição é freqüente e que o substituto
designado para responder pelo serviço, nas ausências e impedimento do
responsável, muitas vezes é filho ou cônjuge do próprio responsável, tudo nos
termos do artigo 20 da lei n.8.935/1994.
3.
Se aprovado o destaque de bancada do PMDB, com a exclusão no substitutivo da
expressão “há no mínimo cinco anos ininterruptos imediatamente anteriores”, todos
aqueles que tenham substituído um único dia em cartório
extrajudicial antes de 20 de novembro de 1994, e que no momento da promulgação
da Emenda Constitucional estiverem respondendo pela serventia (ainda que por um
dia), obterão a delegação do cartório, tudo em prejuízo ao princípio da
impessoalidade e da forma republicana de governo.
4.
A efetivação dos não concursados possibilitará inúmeras reivindicações por
parte daqueles que também responderam precariamente por cartórios
extrajudiciais ou neles substituíram antes de 1994, mas só não serão efetivados
porque em seus respectivos Estados houve o concurso público determinado pela
Constituição Federal desde 1988. Os réus das reivindicações, cujo desfecho é
incerto, serão justamente os Estados que cumpriram as regras constitucionais e
realizaram concursos públicos, tudo a gerar instabilidade jurídica.
5.
A presente nota técnica é editada com a finalidade de oferecer aos Srs.
Parlamentares federais novos subsídios a respeito da PEC 471, especialmente em
razão das emendas substitutivas e supressivas recentemente apresentadas e ora
analisadas.”
Ressalta-se que a obrigatoriedade de
aprovação em concurso público somente foi inserida no ordenamento jurídico com
a Constituição Federal de 1988. Posteriormente, a Lei 8.935/1994 veio
estabelecer os critérios do concurso público para o ingresso na atividade
notarial e de registro.
Ocorre que nesse período de 1988 até
1994 não havia legislação regulando os concursos públicos para essa área, fato
este que foi alegado pelos interinos que se encontravam nessa situação. Porém,
de 1994 aos dias atuais não há o que se falar em falta de legislação, muito
menos em direito adquirido, pois os indivíduos que estão em situação irregular,
ou seja, sem concurso público sabiam e sabem que essa delegação era precária e
irregular, não podendo ser beneficiados por este argumento inconsistente.
Muitos Estados já estão há algum tempo
realizando concursos públicos, como é o caso de São Paulo e Minas Gerais. A
aprovação da PEC resultaria em verdadeiro caos jurídico, uma vez que, nesses
casos dos Estados que foram eficientes e prontamente realizaram os concursos
públicos, provavelmente, enfrentarão grandes batalhas, pois como ressarcir o
interino que foi substituído pelo novo aprovado em concurso público? E como
ressarcir esse concursado? Ou, como mensurar a indenização para os que foram
aprovados em concursos públicos e não receberão a delegação? Essas e outras
perguntas só irão ser resolvidas após o resultado da apreciação da PEC que, com
certeza, seja qual for o seu resultado, trará mudanças significativas. O Brasil
precisa mudar e a rejeição da PEC 471 seria um bom começo!
4. Conclusão
A PEC 471, mais conhecida como “PEC dos
Cartórios”, que está prevista para ser votada nos próximos dias, tem como
objetivo efetivar os responsáveis pelos cartórios que não possuem concurso
público. A aprovação da referida PEC resultará em um caos jurídico, além de
ferir previsão constitucional, pois a aprovação em concurso é requisito
essencial para o ingresso na atividade notarial e de registro.”
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