* Manuel Cambeses Júnior
Os atos insanos
perpetrados, simultaneamente, por terroristas talibãs, do grupo Al-Qaeda, em 11
de setembro de 2001, nas cidades de Washington e Nova York, fez surgir entre os
estrategistas militares, um novo conceito de conflito para o Século XXI: o
denominado "Conflito Assimétrico". Segundo esta nova concepção, os
Estados, por mais poderosos que sejam, são vulneráveis a atos terroristas
organizados globalmente por entidades não estatais difíceis de serem
identificadas e localizadas.
Nenhum manual
militar, no mundo ocidental, é capaz de indicar como combater o "conflito
assimétrico global". Atualmente, polemólogos-estrategos, planejadores
militares norte-americanos, e especialistas em fricções geopolíticas, estão
diante deste enorme problema. Ou seja, como dar uma pronta-resposta adequada a
uma força terrorista que não somente está no Afeganistão, mas disseminada por
vários países, como é o caso do Al-Qaeda e localizar e punir os líderes e
seguidores de facções terroristas.
A assimetria do
conflito não conseguiu negociar com o regime talibã para que entregasse Osama
Bin Laden e seus auxiliares. A tribo religiosa talibã evadiu-se sem entregar os
chefes do Al-Qaeda. Não foi como ocorreu na Sérvia, aonde os bombardeios de Belgrado
destruíram a zona industrial e urbana, provocando o colapso da economia,
ameaçando a viabilidade do Estado-Nação sérvio criando as condições
inteiramente favoráveis à queda e entrega de Slobodan Milosevic.
Os EUA possuem,
indubitavelmente, uma força militar que nenhum Estado adversário se atreveria a
enfrentar. Porém, na atualidade, o inimigo não é estatal e completamente
visível. Nem mesmo o colapso do regime talibã ou a morte de Bin Laden garantem
que o conflito assimétrico seja descontinuado já que o nebuloso grupo Al-Qaeda
e outras organizações terroristas islâmicas estão, no momento, adormecidos no
seio de muitas sociedades democráticas ocidentais e podem, a qualquer momento,
ativarem-se para cometer atos insanos de terror utilizando-se de serviços e
tecnologias locais.
O coordenador do
Departamento Contra o Terrorismo dos Estados Unidos considera que o Al-Qaeda,
na atualidade, opera em mais de 50 países.
Enquanto existir
falta de democracia, profundo ressentimento nacional, fanatismo religioso,
explosão demográfica e extremada pobreza, qualquer potência ocidental será
vulnerável porque suas sociedades democráticas e globalizadas podem ser
infiltradas por grupos terroristas que, segundo especialistas da ONU, podem
chegar a usar armas químicas e bacteriológicas. Frente a esta nova modalidade
de conflito não existem as categorias de megapotência ou superpotência, que
somente são válidas para o caso de conflitos armados entre Estados.
Uma das
consequências mais interessantes deste "conflito assimétrico" é a
mudança dos tradicionais enfoques geopolíticos e geoestratégicos. A Rússia tem
se aproximado da Otan disposta a ajudar os EUA, excetuando-se, evidentemente, a
atual problemática que envolve a Ucrânia que deseja unir-se ao bloco europeu a
contragosto dos russos. Recentemente, o presidente russo declarou que a batalha
contra o terrorismo islâmico é também de seu país, legitimando, assim, sua dura
ação na Chechênia e conseguindo, ainda, que os EUA e a Alemanha solicitem que os
rebeldes chechenos deponham suas armas. Ademais, começou a insinuar algo antes
impensável, ou seja, que a Rússia poderia ser admitida como membro da
Organização do Tratado do Atlântico Norte. Com isto, verifica-se que desde o
ataque japonês a Pearl Harbor, os Estados Unidos e a Rússia nunca haviam se
aproximado tanto em face de um inimigo comum.
Uma das maiores
transformações geopolíticas está ocorrendo na Ásia Central. O Paquistão que
claramente apoiava os talibãs, inclinou-se para os EUA, distanciando-se, assim,
dos guerrilheiros islâmicos que o ajudavam, na Cachemira, contra a India. Os
EUA, apesar do perigo de uma guerra nuclear entre a India e o Paquistão,
suspendeu as sanções contra ambos. O Irã, um Estado considerado como terrorista
pelos estadunidenses, criticam - veementemente - os ataques terroristas a Nova
York e Washington. As ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central: Cazaquistão,
Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão, que encontravam-se na zona de
influência da Rússia, apóiam, agora, os Estados Unidos. E mais, o Tadjiquistão
permitiu que os norte-americanos instalassem uma base militar com tropas
especiais em seu território. Antes, por temor à Rússia, isto seria impossível.
A China, tão ciosa
de sua influência na Ásia Central, devido aos transtornos advindos de
separatistas islâmicos em Sinkiang, aceitou, pela primeira vez na história, a
presença militar dos Estados Unidos nessa região. A Ásia Central que não era
uma zona de preocupação, desde a época de Gengis Khan, foi convertida em
epicentro de uma série de jogos diplomáticos que, fatalmente, terá incríveis
consequências estratégicas no futuro.
Outro notável ponto
a destacar deste conflito é a nova atitude dos EUA com relação à ONU. A
organização voltou a ser importante para o país hegemônico, já que pode servir
de instrumento para fomentar uma duradoura coalizão antiterrorista.
Consequentemente, a superpotência passou a pagar as suas dívidas com a
Organização e tem dado total apoio ao Conselho de Segurança e à Assembléia
Geral para que os mesmos se ocupem do terrorismo internacional.
Faz-se mister
ressaltar que o conflito assimétrico está mudando a estratégia financeira dos
países mais ricos do mundo. Começou-se a combater os antes intocáveis paraísos
fiscais e bancários globais que nada mais eram do que "lavadoras" de
dinheiro duvidoso. O sigilo bancário e os principais postos financeiros do
mundo começaram a ser questionados. Entabulam-se medidas para estabelecer uma
coalizão financeira global para reprimir contas bancárias suspeitas e criar uma
eficaz legislação internacional para congelá-las, se for o caso.
Hoje, a mesma ideia
de globalização que implica em mover pessoas, bens e serviços, em escala
planetária, da maneira mais livre possível, sofre as consequências do
"conflito assimétrico". A mobilidade irrestrita dos fundos
financeiros globais começa a ser afetada. Também os controles das fronteiras
nacionais, portos e aeroportos, afetam a circulação de pessoas, mercadorias e
serviços, dado o rigor que os Estados passaram a exercer no exercício dessas
atividades.
Para conseguir êxito
no conflito assimétrico não basta a mera exibição do músculo militar.
Necessita-se de enfoques políticos e diplomáticos sofisticados porque o inimigo
invisível tem como munição inesgotável um ódio irracional alimentado por
interpretações teológicas apocalípticas, que são consequência da falta de
diálogo, de democracia, de compreensão e da abundante pobreza.
Por tudo isso, o
êxito contra o terrorismo global dependerá, fundamentalmente, de três ações
simultâneas por parte da megapotência (Estados Unidos), e das superpotências do
mundo ocidental: em primeiro lugar, que se castigue os que cometem terrorismo
qualquer que sejam seus motivos, crenças e objetivos. Segundo, que esta luta
não afete o avanço da democracia no mundo, a defesa dos direitos humanos e a
globalização da Justiça. Terceiro, que se realize - com a urgência que o
assunto requer -, um esforço sinérgico e concentrado da Organização das Nações
Unidas para terminar com mais de meio século do confronto no Oriente Médio,
através da criação do Estado Palestino e, desta forma, consiga-se desmantelar o
principal indutor da violência, frustração e fanatismo que estão alimentando
este novo tipo de conflito, no alvorecer deste Século XXI.
* Coronel-Aviador; membro emérito do Instituto de Geografia e História
Militar do Brasil, membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil,
conferencista especial da Escola Superior de Guerra e conselheiro do Instituto
Histórico-Cultural da Aeronáutica.
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