quarta-feira, 7 de maio de 2014

Pragmatismo e Ideologia Determinista

Manuel Cambeses Júnior*
 
O conceituado economista norte-americano John Jay (1745–1829) costumava se referir à economia de mercado nos seguintes termos: “O atrativo do modelo econômico americano, assim como o marxismo no passado, se baseia na noção de que a história das instituições econômicas, a estrutura da sociedade atual e o próprio rumo do desenvolvimento humano têm não somente uma explicação econômica comum, senão um resultado inevitável”.

Porém, esta noção determinista resulta tão falsa com relação ao modelo econômico estadunidense como o foi com relação ao marxismo. A grande arquitetura comunista falhou não porque idealizaram o projeto errado. Falhou, simplesmente, porque qualquer grande desenho de sistema econômico está destinado ao fracasso (Financial Times, 2 de maio de 2003).

Mais contundente ainda é o megainvestidor húngaro-americano George Soros (1830–), patriarca das finanças estadunidenses, quando afirma: “O neomarxismo, o neoconservadorismo e o fundamentalismo de mercado adoecem do mesmo defeito: encontram-se embutidos dos critérios científicos próprios do século XIX, que assumiam uma visão determinista do mundo”.

O naturalista inglês Charles Darwin (1809–1882) sustentava que a evolução das espécies vinha determinada na luta pela sobrevivência. O filósofo e economista alemão Karl Heinrich Marx (1818–1883) afirmava que a superestrutura ideológica era condicionada pelas condições materiais.

Ocorre, entretanto, que a ciência evoluiu celeremente desde o século XIX. A ciência moderna já não assume uma visão determinista do universo. A sobrevivência do mais apto já não deriva unicamente da competição, as aspirações pessoais não vêm condicionadas somente pelo interesse material e a ação dos mercados financeiros não se traduz em equilíbrio.

Entretanto, este determinismo de mão invisível do mercado vem sendo assumido, de vez em quando, como ato de fé, desafiando os ditames mais elementares da razão. O ex-primeiro-ministro britânico John Russel (1792–1888) constitui um bom exemplo desta afirmativa. Seguidor das ideias do inglês Nassau William Senior (1790–1864), o economista mais importante da época, Russel permaneceu de braços cruzados ao longo da grande recessão irlandesa de 1846. Com a convicção de que não deveria se alterar o automatismo das leis de mercado, se negou a tomar qualquer medida de apoio econômico direcionado ao alívio social. Isto, enquanto milhões de irlandeses morriam ou imigravam ante o impacto causado pela crise econômica.

Daí por diante, as relações da Irlanda com o Reino Unido estariam marcadas pelo ressentimento. Este divórcio entre sentido comum e ideologia passou a transformar-se, em data muito mais recente, na característica mais notória do Fundo Monetário Internacional. Não é à toa o retorno ao olimpo econômico internacional, de nomes como Von Hayek e Milton Friedman, de universidades como Chicago ou de prestigiosos centros de reflexão como a Sociedad Mont Pelerin, trazendo de volta um fundamentalismo que esteve ausente do pensamento econômico durante a maior parte do século XX.

É muito lamentável que o maior legado internacional anglo-saxão, nos anos finais do século XX e no alvorecer do XXI, tenha sido esta ideologia determinista e não seu característico pragmatismo. Até porque o maior aporte legado pelos anglo-saxões à civilização ocidental certamente não foi a economia de mercado, mas, sim, a justa valorização do bem-comum.


Coronel-aviador; membro emérito do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e conferencista especial da Escola Superior de Guerra (ESG).

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