Recebi do engenheiro Félix Feichas Cabral, de Belo Horizonte, o seguinte comentário referente ao
artigo “Mobilidade Urbana”, de Luiz Flávio Autran Monteiro Gomes, publicado em Ciência Hoje
317, volume 53, de agosto de 2014:
Sou
leitor da revista Ciência Hoje desde meados da década de 80, quando era
estudante de graduação de Engenharia. Hoje sou assinante da revista. Parabenizo
a “Ciência Hoje” pela grande quantidade de informação confiável, abrangente e
acessível.
Gostaria
também de manifestar meu apreço pelo artigo publicado pelo Sr. Luiz Flávio
Autran (“Mobilidade Urbana”). Sou apenas um cidadão comum, usuário de sistemas
de transporte urbano em várias cidades (Belo Horizonte, São Paulo, Brasília,
Rio, Curitiba) onde moro e trabalho. Portanto, não tenho a menor pretensão de
travar qualquer discussão acadêmica sobre sistemas de transporte, até por que
nunca fiz sequer uma disciplina da área. Porém sou também um cidadão urbano.
Respiro o monóxido das polis brasileiras, portanto sou um ser político.
Sem
dúvida, a questão dos sistemas de transporte está muito além da questão
técnica. É de fato, uma questão política. O autor aponta um ponto importante,
ao mencionar que “aqui a vasta maioria da classe política sempre usou o poder
para perpetuar-se na posse desse mesmo poder” (penúltimo parágrafo do artigo).
Escrevo esse e-mail para sugerir ao autor, ou outro qualificado, que tenhamos a
coragem, de discutir na Ciência Hoje, o parasitismo estatal, a ineficiência da
máquina de governo (seja municipal, estadual e federal). A classe política é
parte da colônia parasitária. Em outras palavras, sugiro avançar mais além do
subtítulo do artigo: “Tentando sair da inércia” ESTATAL (eu completei o
subtítulo com a última palavra).
Entendo
que a preguiça (ou inércia) estatal – filha direta da estabilidade no emprego,
subproduto da remuneração sem méritos, afilhada do apadrinhamento político,
filha bastarda da administração pública paternalista, mais preocupada em
agradar seus servidores do que àqueles que pagam seus salários, os
contribuintes e cidadãos – essa preguiça é a prostituta que pare a corrupção,
seduz a classe média com promessas de concursos públicos fabulosos, e é
concubina do político profissional. Este político profissional (classe
política) é o mesmo que o autor mencionou, descendente dos capitães
hereditários de outrora, e que hoje elegem gerações de políticos sobre gerações
de políticos do mesmo clã.
Antes de
seguir, faço um parêntese: não estou descartando a democracia representativa,
nem o Congresso. Não sou saudosista dos tempos de Garrastazu Medici. A classe
política parasita é formada por indivíduos – de direita, de centro, de esquerda
– que podem, pela lei, disputar – e se reeleger – infindáveis vezes a um mesmo
cargo ou pulando de cargo em cargo sem nada produzir de eficaz. Muitos deles
nunca trabalharam na vida. Uma medida simples para erradicar este parasita
seria o veto automático a reeleição a um mesmo cargo por mais de duas vezes.
Fecho o parêntese. Esse é assunto para outro e-mail.
Voltando
ao tema: A classe política é apenas a representante, e faz uso da preguiça
estatal. A preguiça estatal é aquela que tem medo da automação dos processos. A
preguiça estatal que entra em pânico diante da transparência eletrônica de suas
contas. A preguiça estatal que prefere administrar por canetadas (sempre
aumentando impostos, é claro), ao invés de transpirar, otimizar, trabalhar,
buscar soluções criativas, agregadoras de tecnologia e produtividade.
O
transporte urbano é só uma das afiadas pontas desse Iceberg fedorento chamado
preguiça estatal. O Estado deveria gerir o crescimento urbano não apenas
definindo planos diretores, decretando (“canetando” ) pedágios ou áreas
proibidas a circulação de carros particulares. O Estado que fiscaliza e pune
precisa gerenciar apresentando resultados concretos e alternativas reais para
suas “canetadas”. Para apresentar alternativas, precisa investir, usar
eficiente e eficazmente o suado salário do trabalhador – saqueado pelos
impostos – para construir meios de transporte rápidos, acessíveis,
confortáveis, confiáveis, seguros e de alta capilaridade.
Assim,
para ir além do subtítulo do artigo (“Tentando sair da inércia” estatal),
sugiro um estudo comparativo dos órgãos gestores do transporte urbano em algumas
áreas metropolitanas no mundo. Gostaria de ver nessa revista um artigo corajoso
que aponte alguns indicadores (números falam mais e melhor) como por exemplo:
1. Do compartilhamento (tanto dos alvos
estratégicos, quanto do gasto de capital (capex), operacional (opex)) das
Municipalidades de uma região metropolitana visando soluções compartilhadas de
transporte da área metropolitana;
2. O volume per capita (em R$/ per capita)
arrecadado em impostos e repasses de verbas pelas prefeituras da área metropolitana
(Receita bruta);
3. Deste volume, qual a destinação de
recursos:
a. Para o pagamento da retaguarda
administrativa (backoffice);
b. Para o pagamento dos serviços diretos
prestados à comunidade (professores, médicos, segurança pública, etc.)
c. Para investimentos em melhorias urbanas,
dentre elas, redes de metrô, BRTs, ciclovias, etc.
4. O resultado aferido pelos sistemas de
transporte destas mesmas áreas metropolitanas:
a. % da população atendida por meios rápidos
de transporte (definindo meio rápido com pelo menos 50 km/h, na média);
b. Tempo médio de deslocamento entre local de
moradia e local de trabalho;
c. Valor médio pago pela tarifa deste meio
de transporte (em R$/ km);
d. Taxa média de ocupação destes meios de
transporte (passageiros/ m2 de veículo de transporte), no intervalo de 06h00 às
09h00 da manhã, por exemplo.
Para
assegurar a isenção do estudo, cidades de diversas regiões (e diferentes tipos
de administração pública) poderiam ser incluídas: São Paulo, Rio, Brasília,
Buenos Aires, Santiago do Chile, Bogotá, Caracas, Cidade do México, Nova
Iorque, Los Angeles, Toronto, Paris, Berlim, Londres, Moscou, Nova Deli,
Xangai, Pequim, Tóquio, Islamabad, Jacarta, Nairóbi, Cairo, Lagos, Cidade do
Cabo, Sydney. Sei, de antemão, que algumas destas cidades muito certamente não
terão dados disponíveis, vencidas também pela sua própria preguiça estatal e
falta de transparência.
Sem
números para a comparação corremos o risco de ficarmos na esfera da opinião, ou
das discussões inócuas. Somente com números e evidências concretas seria
possível provar a minha própria ignorância, e de que eu estaria errado. Quem
sabe estes números demonstram que a eficiência e eficácia do transporte urbano
se dão apenas na razão direta do investimento em educação, mais do que na boa
gestão do Estado. Assim eu falarei menos do parasitismo estatal, e terei que
aceitar que as mudanças aqui no Brasil serão presenciadas apenas pelos netos de
minhas filhas. Lá, quem sabe, o Brasil terá uma população educada.
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